segunda-feira, 4 de julho de 2011

O verdadeiro segredo do sucesso do governo Itamar Franco::Jorge Bastos Moreno

Itamar Franco: dificuldades com PMDB e PT foram superadas pelo então presidente através da habilidade política

Pouco antes de assumir a Presidência da República, o então vice-presidente do PMDB, Itamar Franco, durante o processo de impeachment do presidente Collor, teve uma longa conversa com o deputado Ulysses Guimarães em Manaus, onde os dois, coincidentemente, passavam o fim de semana.

Eles estavam hospedados no hotel Tropical, onde estávamos eu e os jornalistas Luís Erlanger e Antônio Martins . Discreto e, nessas ocasiões, tímido, Itamar pediu a minha ajuda para marcar uma conversa com Ulysses.

- Eu tenho uma coisa muito grave para tratar com o dr. Ulysses. O Mino Carta (jornalista) me mandou um fax da entrevista do ACM à sua revista, dizendo que eu não assumo.

Respondi que ele, Itamar, com a autoridade de vice-presidente da República, não precisava de intermediário para falar com Ulysses Guimarães.

- Mas, quando precisei uma vez, você me ajudou -- insistiu.

- Sim, mas naquele momento eu era assessor de imprensa do candidato Ulysses Guimarães. Estou aqui na condição de repórter. Meu papel é o de registrar e não promover o encontro - respondi-lhe.

Na verdade, o encontro a que Itamar se referia, ainda na campanha, não chegou a acontecer. Ele me procurara para dizer que estava com sérios problemas como candidato a vice de Collor e que iria renunciar para apoiar Ulysses Guimarães. Corri ao então coordenador da campanha do PMDB, o falecido Renato Archer, para que ele articulasse o encontro. Foram dias de expectativas. Itamar sumiu e acabou não desistindo da candidatura.

Mas, em Manaus, a coisa era diferente, e, por causa disso, o próprio Itamar resolveu procurar pessoalmente Ulysses Guimarães. Com a colaboração do meu então editor Luís Erlanger, registrei o encontro para O GLOBO.

Itamar mostrou a entrevista de ACM a Ulysses e manifestou preocupação de o então governador da Bahia conseguir adeptos para a sua tese dentro do PSDB e do próprio PMDB. Ulysses o tranquilizou, dizendo que iria conversar com o senador Pedro Simon, que já tinha assumido informalmente as articulações pró-Itamar no Congresso Nacional.

Aprovado o impeachment de Collor, ao assumir a Presidência em seu lugar, Itamar teve outra conversa com Ulysses. O ex-presidente do PMDB defendeu a manutenção de Celso Lafer no Ministério das Relações Exteriores, à revelia deste. É que Ulysses era grande admirador de Lafer. Foi aí que Itamar revelou já ter escolhido Fernando Henrique Cardoso para a função.

E contou a Ulysses ter convidado Severo Gomes para o ministério, mas este recusou, alegando que sua condição de empresário, em litígio com o irmão que negociava empréstimos com bancos oficiais, impedia-o eticamente de integrar o governo.

- Dr. Ulysses, se todo político agisse como Severo, este país seria outro - disse.

Mas, na véspera de embarcar para Angra dos Reis e desaparecer no mar, Ulysses, por causa da formação do governo Itamar, teve uma discussão com o senador Pedro Simon.

- Ulysses, neste governo você não vai mandar, não! Itamar não é Sarney. Você está ultrapassado. Acho até que Collor tem razão - disse-lhe Simon.

Com o PT, Itamar também enfrentou sérios problemas, que mais tarde seriam reconhecidos por Lula, em depoimento a mim:

- Uma das coisas de que me arrependo muito foi o de não ter participado do governo Itamar. Poderíamos tê-lo ajudado a fazer um governo muito melhor do que fez. Nós o ajudamos a chegar lá e depois o abandonamos. Na verdade, eu me afastei do Itamar porque, a cada nome que eu sugeria, ele já tinha um amigo para a vaga. Sugeri Raymundo Faoro, e ele já tinha o Maurício Corrêa. Pedi para manter o Jatene, e ele me coloca o Jamil Haddad. E a nomeação da Erundina foi mal encaminhada também.

Tudo isso mostra também que, mesmo representando uma coalizão, Itamar Franco não deixou ninguém interferir na formação do seu curto governo. Esse foi o segredo do seu sucesso como presidente da República.

FONTE:O GLOBO

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