segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A crise pode ser uma oportunidade para o País? :: Antonio Corrêa de Lacerda

Qual o impacto da crise internacional sobre a economia brasileira? Essa tem sido a pergunta que todos fazem, em face do agravamento da situação na Europa e nos EUA. O fato é que cresce a percepção de que o cenário mais provável é de uma estagnação ou crescimento muito baixo para aqueles países, que representam cerca de metade do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Não é pouco, se considerarmos, ainda, que os países emergentes os têm como principais destinos das suas exportações e ainda se abastecem dos fluxos de capitais para investimentos de lá oriundos.

O "rebaixamento" da avaliação dos títulos da dívida pública norte-americana por uma das maiores agências de classificação de risco tem gerado enorme volatilidade nos mercados, que estão em busca de novas referências de preços para os ativos, ante as novas circunstâncias.

Vale lembrar, as agências que hoje reavaliam os países são as mesmas que erraram flagrantemente na crise de 2008 ao "atestar" a qualidade de títulos do mercado subprime. À época, questionou-se até mesmo um certo conflito de interesses envolvido na questão, já que se estimava que cerca de 40% da receita do faturamento das agências de risco era oriunda daquele mercado.

A ironia é que a passividade dos governos dos países centrais no que se refere à regulação da sua atuação gerou a oportunidade, agora, de "o feitiço virar contra o feiticeiro". Não se avançou na questão regulatória muito básica: quem avalia o comportamento das agências de risco?

Embora o efeito prático do tal rebaixamento represente pouco na alocação dos recursos - mesmo porque há poucas alternativas de aplicações e ninguém se arrisca a deixar os treasuries -, o fato é que os países enfrentarão mais restrições para expansão do seu endividamento público e de gastos, que vinham exercendo um importante papel na recuperação das economias centrais.

Um menor crescimento amenizará as pressões inflacionárias, já que a menor demanda significará não só menor volume de comércio externo, mas também uma queda nos preços de commodities e de outros produtos.

De volta às nossas questões, a avaliação correta do cenário externo e seus impactos será fundamental para a mudança de rota na política econômica. Sim, temos de mudar, porque o panorama mudou. Não adianta ficar olhando o espelho retrovisor e repetir o erro cometido no início da crise, em 2008. Enquanto o mundo despencava, estávamos cá a aumentar os juros! Depois demoramos muito para baixá-los e o fizemos muito lentamente.

Mas também tivemos acertos importantes, como a expansão do financiamento público e a liberalização dos empréstimos compulsórios retidos no Banco Central, que foi fundamental para compensar a queda dos créditos internacionais. Os estímulos ao consumo com a redução de impostos também foram importantes. O governo foi bem na comunicação com a sociedade, o que manteve a confiança.

O quanto vamos importar da crise internacional dependerá fundamentalmente da nossa capacidade de definir e implementar ações, algumas delas - fazendo-se justiça - muito bem conduzidas na crise de 2008/2009. Aquela era uma crise de crédito, a de agora é de outra natureza, mas pode trazer efeitos parecidos.

Diante de um para-brisa que denota um caminho nebuloso à vista, é preciso rever rapidamente a estratégia, pois o piso é escorregadio e irregular. Uma redução dos juros, propiciada pela queda da expectativa de inflação, nos abriria muitas frentes.

Primeiro, diminuiria a pressão de valorização do real. É bom lembrar que, passado o primeiro momento de desvalorização, a tendência de apreciação da nossa moeda deverá prevalecer. O cenário de manutenção de juro zero, recém-anunciado pelo Fed, vai continuar a estimular as operações de arbitragem (carry trade), e é bom reduzir a enorme distância que nos separa da taxa de juros média internacional, pois a guerra cambial vai-se intensificar.

O segundo benefício da queda dos juros seria diminuir o custo de financiamento da dívida pública brasileira, que no acumulado dos últimos 12 meses chegou a R$ 220 bilhões, representando mais de 5% do PIB. Em época de "vacas magras", quando precisamos diminuir os gastos públicos, está aí um item importante de redução. Esse gasto representou mais ou menos o equivalente a nove vezes o volume de investimentos do governo federal!

O terceiro aspecto é que juro mais baixo incentivaria a atividade. Até recentemente, o desafio brasileiro era desaquecer a economia. Agora, com a retração da economia mundial, teremos de preservar o mercado interno. Como a economia brasileira já vinha se desacelerando fortemente nos últimos meses, é crucial reverter o processo, senão o risco é de gerar uma recessão indesejada. O problema é que uma alteração de taxa de juros leva de seis a oito meses para afetar a atividade, e a crise, neste ponto, nos pega na contramão, pois estamos com um nível de juros muito alto. É preciso interpretar corretamente os sinais e ousar nas políticas econômicas para aproveitar as oportunidades -, e elas existem -, mesmo num cenário de crise.

Professor da PUC-SP, doutor pelo IE/UNICAMP, é organizador, entre outros livros, de "Crise e oportunidade: o Brasil e o cenário internacional" (Lazuli/Cia. Editora Nacional, 2007)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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