sábado, 13 de agosto de 2011

Momento de tensão:: Merval Pereira


A semana terminou com um recado no ar por parte da base aliada que está rebelada, ajudando a derrotar o governo em uma votação corriqueira apenas para deixar claro que pode fazê-lo a qualquer instante.

Mas este momento de tensão política abriu também a possibilidade de novos caminhos, ou, pelo menos, permitiu que a ideia de uma via alternativa de entendimentos políticos viesse à tona em discursos no plenário do Congresso e em conversas de bastidores, diante do clima de explícita chantagem que está sendo adotado como método de pressão pelos próprios aliados do governo.

O senador Cristovam Buarque, do PDT, defendeu no plenário do Senado a tese de que esta crise poderia libertar a presidente Dilma de compromissos partidários baseados apenas no fisiologismo para refazer sua base de apoios em torno de projetos mais sólidos, que melhorassem a qualidade de nossa democracia de massas.

Essa "banda podre" da base aliada está se sentindo perseguida e não se convence de que a presidente Dilma tenha sido ultrapassada pela ação da Polícia Federal, que deve ter autonomia em suas atividades.

As fotos dos presos, sem camisa e com cartazes com seus nomes para a identificação criminal, foram "vazadas" justamente para criar o efeito de mostrar à opinião pública que esses elementos não têm tratamento privilegiado.

Mas trata-se de uma provocação gratuita, um excesso, que certamente gerou uma reação de solidariedade dos políticos com os presos, o que já havia acontecido com as algemas.

Mais uma vez seguiu-se o exemplo da polícia dos Estados Unidos, que divulgou recentemente a foto do ex-diretor-geral do FMI Dominique Strauss Khan identificado como um criminoso comum.

O comportamento da presidente Dilma segue sendo um mistério, ora ela aparece se revoltando contra abusos que a Polícia Federal teria cometido, e em outra ocasião, em discurso público, ela retoma as críticas, mesmo que indiretamente, aos partidos aliados envolvidos nas denúncias de corrupção.

Foi o que aconteceu no Ceará, onde a presidente fez questão de dizer em público que o governador Cid Gomes estava certo ao criticar a situação das estradas federais no seu estado.

Na verdade, o governador dissera que o Ministério dos Transportes era "um antro de corrupção e tráfico de influência", e anunciou rompimento com o então ministro Alfredo Nascimento.

Perguntada se ela se referia também às demais acusações do governador, Dilma saiu pela tangente, dizendo que o fundamental era que Cid Gomes estava correto nas suas críticas.

Não fez, portanto, qualquer tentativa de isolar a figura pública do hoje senador Alfredo Nascimento, teoricamente um dos líderes de sua base aliada, explicitando toda má vontade que tem com o PR.

O fato é que as sucessivas crises políticas estão escancarando os problemas que eram encobertos pela maneira, digamos, nada ortodoxa de fazer política do presidente Lula.

O ex-presidente há muito tempo decidiu que nada faria com que brigasse com os "300 picaretas" que ele um dia identificou criticamente no Congresso Nacional.

Ao contrário, ele abriu as imensas asas protetoras para recebê-los na sua base política e aprendeu a lhes agradar.

A consequência é que nunca antes neste país houve tamanha desfaçatez na relação política, nunca a chantagem foi tão explícita.

A presidente Dilma, que não poderia desconhecer o que se passava nos bastidores do governo enquanto era a todo-poderosa chefe da Casa Civil, e depois candidata a presidente apoiada por esses mesmos grupos políticos, parece não estar disposta a conviver indefinidamente com esse tipo de política, ou pelo menos pretende conter o ímpeto fisiológico dos seus aliados.

No primeiro momento, porém, ela não tem muita escolha além de se reaproximar da base, pois parece que perdeu o controle da situação ou está a ponto de perder.

O que começou com uma "faxina" num ministério de importância vital para o PAC, mas entregue a um partido menor dentro da base aliada, atingiu tanto o PT quanto o PMDB e ameaça se alastrar pela Esplanada dos Ministérios sob o incentivo do "fogo amigo".

A primeira providência, portanto, antes que o estrago seja maior, será dar um freio de arrumação e seguir o conselho do ex-presidente Lula: fazer uns agrados, o que quer dizer liberar algumas verbas, acertar pendências e ir levando.
O próprio PR, que saiu da base aliada, anuncia que permanecerá "independente", mas não na oposição, o que sinaliza que está apenas à espera de um sinal para a reconciliação.

Mas a médio e longo prazos, se quiser deixar de ser refém desse tipo de comportamento político, terá que rever as alianças que a levaram ao poder, e essa é a maior dificuldade, pois Dilma não tem estrutura política que lhe permita grandes voos.

Escolher novos caminhos, ampliar os contatos com partidos que estejam fora de sua base de sustentação, como sugeriu o senador Cristovam Buarque, exigiria um rompimento com as forças políticas que a sustentam que ela não tem condições de fazer, e nem creio que almeje tamanho salto no escuro.

Mas os movimentos discretos de aproximação com a oposição que tem feito certamente têm objetivos estratégicos.

Pontualmente ela poderá usar esse ambiente de distensão para alcançar algum objetivo, como confrontar a base aliada.

Há vários canais já negociando essas possibilidades, mas o mais provável é que os objetivos políticos dos dois lados impeçam uma aproximação mais efetiva.

Especialmente porque o descontentamento da base aliada pode dar à oposição as condições de convocar uma CPI da Corrupção que pode ser o início de um processo de desestabilização política do governo mais acentuado.

FONTE: O GLOBO

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