sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Alguma coisa acontecendo, Mr. Jones :: Fernando Gabeira

De Sana a Londres, de Tel-Aviv a Santiago, de Trípoli a Madri, os jovens estão em movimento no mundo. Uma armadilha perigosa seria estabelecer paralelos com 1968. O próprio Daniel Cohn-Bendit se recusa a isso, afirmando que são momentos diferentes na História e se quisermos entender o que se passa melhor é esquecer 68. No entanto, um verso de Bob Dylan, composto na época, ainda tem alguma validade: alguma coisa está acontecendo, Mr. Jones, e você não sabe o que é.

A maioria dos processos ainda não foi concluída. Por maior que seja o esforço analítico, é preciso uma dose mínima de humildade para tentar entender tudo o que se passa e estabelecer conexões entre lugares tão distantes e sociedades tão singulares. Até agora, um único denominador comum tem sido enfatizado: o uso de instrumentos de comunicação fora do controle dos governos, como é o caso da internet. Mas mesmo esse dado é relativo, porque no Egito e em outros países do Oriente Médio a repressão conseguiu bloquear a internet.

Na Inglaterra talvez tenha acontecido algo realmente especial. Cohn-Bendit, ironicamente, afirma que ali ocorreu a primeira revolta liberal da juventude planetária. Alguns políticos ingleses chegaram a pedir aos produtores de BlackBerry que bloqueassem as mensagens no interior do país. O que, a julgar pela iniciativa, define a revolta inglesa como também a primeira realizada por usuários de BlackBerry.

Os jovens ingleses atacaram lojas e supermercados sempre com a preocupação de obter objetos de consumo, de preferência das marcas mais famosas. O que levou o Daily Telegraph a concluir que sua revolta era para consumir o mesmo que os dirigentes ingleses.

Já tive a oportunidade discutir esse tema durante os saques no início da década de 1990 no Rio. Muitos saqueadores levaram iogurte e bacalhau, escolha que levou a uma condenação mais severa da imprensa. Era uma prova de que não estavam apenas famintos. Mas a perplexidade tem a mesma origem do choque dos ingleses com as características dos saques do verão londrino.

Nem todos os bens de consumo estão ao alcance de todos. Mas a propaganda, sim.

Tangidos pelo desemprego, pela alta dos alimentos e revoltados com a ditadura em seus países, os jovens dos países árabes iniciaram uma nova fase histórica na região. Ditadores balançaram, ditadores conciliaram, foram presos e exilados.

A implantação da democracia em alguns países já abre uma enorme perspectiva para a juventude árabe. Mas o que dizer dos espanhóis, também pressionados pelo desemprego? Sua luta é para aprofundar a democracia, mudar o modo de fazer política. É uma demanda nova, difícil de ser entendida claramente pela população e até por alguns manifestantes. O que significa aprofundar a democracia, que novos hábitos políticos devem ser inaugurados?

Todos nós temos alguma ideia sobre isso. Mas não há consenso nem clareza. O movimento dos indignados em Madri ganhou grande atenção na Espanha e no mundo também por ter surgido perto das eleições municipais. Seu grande teste será sobreviver e crescer no período pós-eleitoral, quando grande parte dos eleitores desloca sua atenção da política para a vida cotidiana.

Em Israel, o movimento dos jovens talvez seja o que mais tem crescido numericamente, a ponto de projetar um encontro de 1 milhão de pessoas, algo que não é de todo impossível na China ou na Índia, mas um feito extraordinário para um país de 8 milhões de habitantes.

O modelo do movimento em Israel e mesmo o da Espanha se inspiraram na Islândia. Em Tel-Aviv, revoltado com o aumento do preço de seu aluguel, Daphni Leef decidiu acampar como protesto. Na Islândia, a inspiração dos espanhóis, o banco Kaupthing acabara de quebrar. O cantor Hordur Torfason pegou sua guitarra e foi para a porta do Congresso. É um cantor conhecido, atraiu gente e abriu o microfone para as pessoas que se aproximaram. Daí nasceu um movimento chamado Vozes ao Vento, que levou a Islândia, via plebiscito, à recusa de pagar uma dívida de 4 bilhões cobrada pela Inglaterra e pela Holanda.

É ilusão, entretanto, achar que com uma guitarra na mão e uma revolta na cabeça milhares de pessoas se vão aglutinar em torno de um líder ocasional. Pesquisa do Pew Global Attitudes Project revelou que 27% dos egípcios estavam satisfeitos com seu país, bem abaixo dos 47% registrados em pesquisas anteriores. Na China, 87% estavam satisfeitos.

Isso não explica o fracasso dos protestos de Jasmin.

A China aprendeu com as manifestações da Praça Tiananmen. Um longo relato na revista Atlantic de agosto, feito por James Fallows, revela que as autoridades chineses agora temem tudo e tomam providências com antecipação, às vezes até desproporcionais ao perigo. A China começa prendendo os advogados de direitos humanos - Fallows sublinha que, embora pareça impossível, eles existem lá. Só depois passa a prender os possíveis manifestantes. Por isso os protestos chamados para a esquina de Wangfujing, defronte ao McDonald"s, tinham mais jornalistas estrangeiros do que chineses.

O caso chileno, que tenho acompanhado esta semana, também é particular. O sistema educacional formulado na época de Pinochet continua em vigor. Estudantes saíram às ruas contra um modelo de mercado, pedindo educação gratuita e de qualidade. Independentemente do que se acha da proposta, é inevitável constatar que num país com grande tradição de luta ela subiu ao topo da agenda. E a maioria dos chilenos, cerca de 77%, apoia a tese dos estudantes, sem, contudo, apoiar os distúrbios que extremistas provocam ao fim das manifestações.

O jornal chileno El Mercurio destacou, esta semana, Índia e Brasil às voltas com a corrupção. Ambos os países em processo de se tornarem potências mundiais. Todos se olham em busca do movimento fora de suas fronteiras, porque sabem que vivemos uma história sem fim.

Jornalista

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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