domingo, 11 de setembro de 2011

Caminhos diferentes contra Cristina

Sem acordo para enfrentar unidos a presidente argentina nas urnas, candidatos opositores têm esperanças de chegar ao 2º turno

Janaína Figueiredo

Não foi fácil para Ricardo Alfonsín digerir o resultado das eleições primárias argentinas, realizadas em 14 de agosto. O filho do ex-presidente Raúl Alfonsín (1983-1989) e candidato à Presidência da União para o Desenvolvimento Social (Udeso, aliança entre a União Cívica Radical e setores do peronismo dissidente) era uma das grandes promessas da oposição e acabou ficando em segundo lugar, com apenas 12,2%, contra 50,2% da presidente Cristina Kirchner. O ex-presidente Eduardo Duhalde (2002-2003), que ajudou Néstor Kirchner (2003-2007) a chegar ao poder e depois tornou-se um de seus principais inimigos, ficou em terceiro lugar, com 12,12%. O resultado das primárias desanimou a grande maioria dos opositores argentinos, que, faltando um mês e meio para as presidenciais do próximo dia 23 de outubro, continuam sem saber como enfrentar a sólida liderança da viúva e sucessora de Kirchner. Uma das poucas exceções é o governador da província de Santa Fé, o socialista Hermes Binner, que terminou se transformando na principal novidade eleitoral do país.

Depois de apenas cinco semanas de campanha, Binner obteve 10,18% dos votos. Segundo analistas, o candidato da Frente Ampla Progressista (FAP), um médico socialista de 68 anos, é a opção opositora com mais chances de crescer e até de ficar em segundo lugar em outubro. Ciente deste cenário, nos últimos dias Alfonsín direcionou seus ataques ao candidato socialista, aprofundando ainda mais as divisões numa oposição que vive um de seus momentos mais difíceis.

Em entrevista ao GLOBO, o candidato da Udeso, de 60 anos, admitiu que "não será fácil" reverter o resultado de agosto, mas lembrou que "nada é impossível". Um pouco mais otimista, Binner mostrou-se confiante e assegurou que os argentinos que votaram na FAP, movimento inspirado no PT e na Frente Ampla uruguaia, são pessoas que "não querem uma volta ao passado (em referência a Duhalde e Alfonsín) e não se sentem identificadas com o atual governo".

'Precisamos discutir o reequilíbrio do poder'

Por que um governo que o senhor costuma acusar de ter tendências autoritárias é respaldado por 50% dos argentinos?

RICARDO ALFONSÍN: Somos uma democracia jovem, às vezes com uma cultura política não muito sofisticada. Diferentes setores de nossa sociedade não apreciam a relação entre república e progresso. Mas acho que está se produzindo uma mudança. As pessoas estão começando a entender que os governantes devem se comportar de forma exemplar em termos institucionais porque isso afeta nossa confiança, fundamental para receber investimentos e incentivar o desenvolvimento.

A bonança econômica ajudou o governo?

ALFONSÍN: Nos últimos anos, a situação melhorou graças a um cenário internacional favorável. Na minha opinião, este contexto internacional foi subaproveitado, mas a sociedade parece valorizar mais o que foi feito e não tanto o que não foi feito.

Desde as primárias, o clima é de que Cristina já ganhou...

ALFONSÍN: Se o resultado não nos for favorável, é importante discutir em nosso país a necessidade de equilibrar o poder. Em teoria, que um partido controle o Executivo e o Congresso não deveria ser um problema. Mas, na Argentina, o partido que governa não tem dimensão republicana. Temos um governo democrático, mas com uma tendência autoritária.

Antes da morte de Kirchner, em outubro do ano passado, muitos analistas falavam no fim do kirchnerismo, e hoje Cristina é favorita. A morte do ex-presidente favoreceu o governo?

ALFONSÍN: Nunca pensei que o kirchnerismo estivesse no fim. No entanto, acho que Kirchner representava uma série de coisas que a sociedade estava querendo mudar. Sua morte ajudou a melhorar a imagem do governo, porque é como se as coisas ruins da gestão de Cristina tivessem mais a ver com Néstor. Não foi determinante, mas ajudou.

Analistas locais afirmam que um dos principais erros da oposição foi sua fragmentação...

ALFONSÍN: Depois de 2001, os partidos políticos entraram em crise, e todos temos de assumir nossa responsabilidade. Hoje parecemos um país sem sistema de partidos e estamos vivendo as consequências disso. Na Câmara existem 35 bancadas, imagine só.

Se o senhor tivesse se aliado com Binner, o resultado teria sido outro?

ALFONSÍN: (Silêncio.) Sim, mas acho que um setor do socialismo nunca esteve convencido a fazer um acordo com nosso partido.

Alguns de seus aliados dizem que o governo Kirchner é mais corrupto que o governo Menem...

ALFONSÍN: A sociedade tem a sensação de que a corrupção é maior. Existem muitas dúvidas e nós precisamos que as instituições funcionem corretamente. Este é um dos valores que devemos recuperar.

O governo está mergulhado numa guerra com importantes meios de comunicação locais e chegou a dizer que jornais como o "Clarín" e "La Nación" atentam contra a democracia...

ALFONSÍN: Esse tipo de atitude é típica de governos de tendência autoritária. Eles inventam campanhas opositoras, conspirações, enfim, tudo isso me parece uma barbaridade. O mais grave de tudo é que os jornais foram atacados por terem publicado informações sobre denúncias da oposição e da Justiça sobre irregularidades cometidas nas eleições primárias. A Justiça disse que nunca viu tantas irregularidades! Esse clima não vai melhorar, e por isso precisamos de uma oposição forte e de uma cidadania forte. Tem uma frase que diz tudo: a imprensa com liberdade pode ser boa ou ruim, mas a imprensa sem liberdade sempre é ruim. É um direito do qual devemos cuidar.

A presidente tem se mostrado mais conciliadora... O senhor acredita nesta nova Cristina?

ALFONSÍN: Não, acho que é um recurso eleitoral. Em 2007 aconteceu a mesma coisa. Cristina disse que começava a etapa da institucionalidade, e nada disso aconteceu. Vão continuar igual, porque não incorporaram a questão republicana, a independência dos Poderes. (J.F.)

'Alguns já tiveram oportunidade e não souberam aproveitar'

Sua meta é ficar em segundo lugar?

HERMES BINNER: Em cinco semanas conseguimos mais de dois milhões de votos, e vamos continuar trabalhando para ser uma opção na Argentina. Hoje, 50% dos votos estão com o governo, mas existem outros 50%, e é nesse setor que queremos ocupar o melhor espaço possível.

Muitos acreditam que Cristina Kirchner já ganhou...

BINNER: (Silêncio.) Veja bem, nossa frente pensa em seus próprios objetivos, que vão além dos cálculos eleitorais. E temos de pensar em todos os aspectos desta eleição, não somente o presidencial, também o legislativo.

Analistas políticos apontam que o governo pode ser reeleito e, também, passar a ter maioria no Congresso. O senhor vê riscos para a democracia?

BINNER: Prefiro não falar em risco democrático e, sim, na grande responsabilidade que terá a maioria. Porque a maioria deve entender que a democracia é um sistema que deve ser respeitado.

Como o senhor explica o fracasso eleitoral de Duhalde e Alfonsín?

BINNER: Muitos entendem que algumas pessoas tiveram uma oportunidade no passado e não souberam aproveitá-la.

Seu crescimento tem a ver com isso?

BINNER: Sim, um setor da sociedade não estava encontrando um representante político: não queria o passado e não se sentia identificado com o atual governo.

O senhor tentou aliança com Alfonsín, mas terminaram lançando candidaturas separadas. Foi um erro de Alfonsín?

BINNER: Nós pensávamos que o outro caminho era melhor, e hoje lamentamos essa decisão.

Como explica os 50% de Cristina?

BINNER: Acho que o resultado tem muito a ver com a bonança econômica. Em geral, em períodos de bonança ganham os Executivos. A mesma coisa aconteceu em todas as eleições provinciais: venceram os que estão governando.

A morte do ex-presidente Néstor Kirchner favoreceu o governo de Cristina?

BINNER: É muito difícil falar sobre a morte, é uma questão muito delicada. Prefiro pensar na bonança econômica e nas políticas sociais, na política de defesa dos direitos humanos.

O senhor está de acordo com algumas políticas do governo?

BINNER: Claro. Quando estamos de acordo, apoiamos. Quando não, votamos contra. Faz parte do regime democrático.

Qual é sua principal diferença com o governo Kirchner?

BINNER: O socialismo governa a cidade de Rosário há 22 anos sem nenhum caso de corrupção.

Por que os últimos escândalos não afetaram em nada o governo?

BINNER: O governo nunca se envolveu nem deu importância ao assunto. Ninguém do governo se refere aos escândalos, e isso não é bom para a sociedade porque produz um fato repetitivo, que é a impunidade. E a impunidade não é boa. Depois perguntam por que estamos tão mal posicionados nos índices de transparência de organizações internacionais.

A FAP se inspira na Frente Ampla uruguaia e no PT?

BINNER: Sim, claro. Conheço bem o ex-presidente Lula e muitos dirigentes do PT. Temos alguns amigos como o ministro Fernando Pimentel, também Tarso Genro. Também tenho bastante contato com Marco Aurélio Garcia.

O governo disse que, além da oposição, também foram derrotados os meios de comunicação...

BINNER: Essa briga nos prejudicou a todos. A lei de serviços audiovisuais deveria ser modificada, não é uma boa lei, e este clima de conflito tampouco é bom. Mas esse é um estilo de governo. Não se fala sobre casos (de corrupção) que prejudicam sua credibilidade, e sim sobre brigas que põem em risco a sociedade.

Depois das primárias, a presidente se mostrou mais simpática e conciliadora. O senhor acredita na nova Cristina?

BINNER: Vamos ver quanto dura (risos).

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