segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Indústria parou de crescer há 3 anos

Desde julho de 2008, a indústria cresceu apenas 1%, refletindo problemas como câmbio, custo Brasil e perda de espaço na economia

Fernando Dantas

RIO - A indústria de transformação brasileira parou de crescer há três anos, freada pelo câmbio valorizado, pelo custo Brasil e pelo excesso de oferta mundial. Desde julho de 2008, logo antes do início da crise global, praticamente não houve crescimento da produção de manufaturados nem do nível de emprego no setor. Pelos números do PIB, a expansão da indústria de transformação de julho de 2008 a julho de 2011 foi de apenas 1%, comparada a 7,8% para a construção civil e 10,5% para os serviços.

Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que abrange as seis maiores regiões metropolitanas, o emprego industrial cresceu apenas 2,2% naquele mesmo período. Enquanto isso, o emprego se expandia em 13,7% na construção civil e 11,8% nos serviços.

A pressão sobre a indústria fica clara na migração de fábricas de empresas nacionais para o exterior, como na recente decisão da Paquetá Calçados de transferir a unidade exportadora de Sapiranga (RS) para a República Dominicana.

A desaceleração do PIB do segundo trimestre para 0,8% (3,2% em ritmo anualizado) ante os três primeiros meses do ano, na série sem influências sazonais, teve como freio principal a quase paralisia da indústria. O ritmo foi de apenas 0,2% (0,8% anualizado).

No setor industrial, porém, o item que de fato segurou o crescimento foi a indústria de transformação, com expansão nula. A transformação corresponde a 62% da indústria, e abarca todas as manufaturas. Não fazem parte da indústria de transformação o segmento extrativo-mineral, a construção civil e eletricidade, água, esgoto e limpeza urbana.

A fraqueza da indústria de transformação também fica clara no fato de que o seu nível de utilização da capacidade instalada (Nuci) pode cair abaixo da média histórica nos próximos meses, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Todo esse quadro de enfraquecimento industrial pesou na decisão do Banco Central de cortar a taxa básica, a Selic, em 0,5 ponto porcentual, para 12%, na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).

Mas o fato de que a paralisia já dura três anos leva alguns economistas a defender a ideia de que o problema na indústria não é conjuntural, mas sim estrutural. Nessa visão, a indústria está perdendo peso relativo dentro da economia, atingida por uma combinação de fatores que favorece a agricultura, as matérias-primas e o setor de serviços.

"A indústria da transformação hoje está no nível de três anos atrás e a inflação está fortíssima; não dá mais para fazer um diagnóstico da inflação olhando a indústria", diz Samuel Pessôa, economista da consultoria Tendências.

O câmbio valorizado é apontado consensualmente como a principal causa da estagnação na indústria, ao atrair a competição importada e dificultar as exportações. A desvalorização desde junho, de 8,4%, de R$ 1,54 por dólar para R$ 1,68, é um pequeno alento, mas ainda está muito longe de resolver o problema de competitividade da indústria.

Em termos de quantidades, o Brasil exporta hoje menos produtos manufaturados do que em 2008, segundo dados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). A queda, comparando o primeiro semestre de cada ano, é de 17%.

Já a participação da indústria de transformação no total exportado caiu, entre 2008 e o primeiro semestre de 2011, duas vezes mais que entre 2002 e 2008, em pontos porcentuais. Dessa forma, a proporção era de 80% em 2002, 70% em 2008 e 50% no primeiro trimestre de 2011.

Sucesso da venda de commodities prejudica indústria

Para o economista Samuel Pessôa, exportação de alimentos e minérios garante equilíbrio externo mesmo com câmbio desfavorável

A indústria brasileira é vítima do sucesso do País como exportador de commodities alimentares e minerais (e com a perspectiva do pré-sal), diz Samuel Pessôa, da consultoria Tendências. Na visão do economista, as receitas cambiais dos produtos da natureza garantem ao Brasil equilíbrio externo a uma taxa de câmbio punitiva para a indústria.

Além disso, o Brasil tem baixa poupança, o mesmo que ter alto consumo. O excesso de consumo e investimento pressiona a demanda por todos os bens, mas os produtos que podem ser exportados e importados, tipicamente os manufaturados, têm os preços contidos pela oferta externa. Assim, os custos locais, inclusive da mão de obra, sobem em relação aos produtos industriais, a expressão na economia real do câmbio valorizado.

A inflação de serviços, relacionada aos custos do País, acumula 8,9% em 12 meses. Já os produtos industriais duráveis, como automóveis e eletrônicos, itens importantes do comércio internacional, tiveram deflação de 0,58% em 12 meses. O contraste entre a evolução dos preços do setor e dos seus custos não poderia ser mais extremo.

A crise global é um problema adicional para a indústria, por diversas razões. Os emergentes, como a China, continuam embalados a fabricar produtos industriais, e boa parte destes não é absorvida pelos principais compradores, as economias ricas dos Estados Unidos, Europa e Japão, cada vez mais debilitadas. A sobra de produtos derruba ainda mais os preços, e torna os produtores orientais, como a China, mais invasivos na tentativa de conquistar novos mercados - inclusive o brasileiro.

Simultaneamente, os países ricos, e especialmente os Estados Unidos, injetam montanhas de dinheiro em suas economias, tentando impulsioná-las. Esses recursos vazam para o mercado internacional, e criam uma imensa liquidez que se transforma em fluxos de capital que valorizam as moedas emergentes.

A China, que controla seu câmbio num nível desvalorizado, é pouca afetada. O Brasil, cujos altíssimos juros são especialmente apetitosos para investidores dos países ricos às voltas com taxas próximas de zero, é um dos que sofrem maior impacto.

Apesar de ser conjuntural, ligada à crise econômica internacional, essa situação pode ter longa duração. "Vai durar pelos menos uns dois ou três anos", prevê Pessôa, também ligado ao Instituto Brasileiro de Economia (Ibre).

Já o consultor Ernani Torres, até pouco tempo superintendente da área de pesquisa do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), está muito preocupado: "A ideia de que, como países ricos na Europa e como os Estados Unidos, nós vamos sofrer uma desindustrialização é uma tentativa de racionalizar um processo que não é desejável", ele diz.

Torres nota que a indústria brasileira também passou por estagnação estrutural nos anos 90, com o impacto da abertura e o mau desempenho da economia.

A partir de 2003 e 2004, o câmbio desvalorizado e a retomada do crescimento fizeram a indústria voltar a se expandir, processo interrompido na crise global, que levou à violenta queda em 2009. Depois, a indústria voltou ao nível de 2008, e nele ficou.

Torres preocupa-se com sinais de redução do investimento na indústria. Para ele, isso está ligado ao câmbio, mas também a perspectivas menores de crescimento econômico.

Dificuldades levam empresas a produzir em outros países

Grupos brasileiros buscam no exterior condições de produção melhores, mesmo para vender para o Brasil

Em agosto, a Paquetá Calçados, com 66 anos de mercado, resolveu transferir a sua unidade produtiva de Sapiranga, no Rio Grande do Sul, para a República Dominicana. Os motivos alegados, em comunicado divulgado à imprensa no mês passado, foram os de "manter a competitividade industrial e continuar crescendo, bem como manter a base de clientes importadores".

Segundo a Paquetá, uma das vantagens principais da República Dominicana é o acordo de livre comércio entre o país caribenho e os Estados Unidos, principal mercado para as exportações da empresa.

A Paquetá informou que, dos 1,4 mil empregados da fábrica de Sapiranga, 800 foram reabsorvidos pelo grupo, e 400 foram contratados pela Ramarim, outra empresa calçadista. A Paquetá, com sete fábricas (duas fora do Brasil) e 273 lojas (18 no exterior), produz 8,5 milhões de pares de calçados por ano.

O setor calçadista é um dos mais afetados pelos problemas da indústria no Brasil. "As maiores dificuldades estão nos setores mais intensivos em mão de obra, com atividade exportadora", diz André Loes, economista-chefe do HSBC.

Em julho, o grupo Vulcabrás/Azaleia confirmou o fechamento da unidade de Parobé, no Rio Grande do Sul, com demissão de 800 funcionários. A empresa também fez demissões em Itapetinga, na Bahia, e anunciou planos de produzir na Índia.
Tendência. O economista João Furtado, professor da USP especializado em indústria e inovação, nota que há uma tendência crescente de que partes, peças, complementos e até produtos completos sejam importados.

Essa tendência, para ele, afeta mais os produtos indiferenciados e vendidos em grande quantidade. Pesquisando atualmente o setor químico, ele diz que "os maiores projetos químicos de empresas brasileiras hoje estão no exterior, porque é preferível produzir lá fora, até mesmo para vender no Brasil".

A petroquímica Braskem, do Grupo Odebrecht, por exemplo, tem projetos na Venezuela e no México, e fez aquisições importantes nos Estados Unidos.

Furtado acha que os segmentos da indústria nacional com condições de melhor competir são "os mais próximos de bens de consumo que exigem relacionamento e logística, que exigem proximidade com o cliente, marketing, etc". São empresas que podem se diferenciar ou que, por peculiaridades dos seus mercados, estão mais protegidas da concorrência internacional.

Mas Furtado faz questão de dizer que há muitas ambivalências nas perspectivas da indústria no Brasil: "Há estímulos positivos vindos do crescimento, da redistribuição de renda, das políticas sociais, etc; mas a indústria é incapaz de aproveitá-los todos, porque o ambiente macroeconômico de câmbio e juros ainda é muito desfavorável".

Importados derrubam uso da capacidade instalada

O uso da capacidade instalada pela indústria da transformação, que antes da crise de 2008 chegou a ficar próximo ao limite, beirando 87%, foi derrubado pela concorrência com importados e pela desaceleração da demanda interna.

Levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV), feito a pedido da Agência Estado, mostra que a redução do nível de capacidade se espalha rapidamente no setor industrial. De 14 segmentos analisados, oito operavam em agosto com Nível de Utilização de Capacidade Instalada (Nuci) abaixo de suas médias históricas.

A FGV alerta que o Nuci geral da indústria da transformação, que atingiu 83,6% em agosto, o mais fraco para este mês desde a crise, pode ficar abaixo da média histórica de 83,3% já nas próximas apurações.

O tombo foi mais sentido nas indústrias de bens de consumo não duráveis, como a de alimentos; de bens intermediários, como aço; e semiduráveis. Neste último segmento estão os casos mais graves. A indústria têxtil operou com Nuci de 82,7% em agosto, quase 4 pontos porcentuais abaixo de sua média histórica desde 2003 (86,4%). Já a indústria metalúrgica teve Nuci de 85%, também quase 4 pontos porcentuais inferior à média histórica (88,9%).

Na metalurgia, as indústrias com recuo mais intenso em uso de capacidade foram as de ferro, aço e metais não ferrosos. Este cenário já impacta a produção de alguns segmentos. O Instituto Aço Brasil (IABr), alegando desaquecimento, estoques elevados e concorrência de importados, diminuiu em 8% a projeção de produção de aço bruto no País, de 39,4 milhões de toneladas para 36,3 milhões de toneladas.

FONTE O ESTADO DE S. PAULO

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