quarta-feira, 7 de setembro de 2011

RDC em discussão:: Merval Pereira

Participei na segunda-feira de um debate sobre o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) no Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, e vários pontos que estão sendo questionados pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, foram abordados pelo presidente do Tribunal de Contas da União, ministro Benjamin Zymler, que, embora ressalvasse não estar dando a posição institucional do TCU, se mostrou bastante favorável às inovações do RDC, que considera "um excelente regime no seu maior percentual", que aperfeiçoa a Lei 8.666, que rege as licitações.

O procurador-geral anunciou que vai ajuizar uma ação de inconstitucionalidade nas próximas semanas contra o RDC, legislação aprovada há pouco mais de um mês para apressar as licitações para a Copa de 2014 e as Olimpíadas 2016.

Para Roberto Gurgel, o RDC tem dispositivos que dificultam a transparência e o controle dos gastos do governo.

Também os partidos de oposição - PSDB, DEM e PPS - entraram com uma ação contra o RDC alegando que ele não permite a transparência das contas do governo.

As críticas ao RDC têm dois pontos principais: o sigilo sobre o preço da obra e a exigência de habilitação somente do vencedor da licitação, o que, segundo técnicos do Ministério Público, possibilita a participação de empresas-fantasmas.

Ressaltei que o governo falhou na comunicação, pois, desde que o Brasil foi anunciado como organizador da Copa do Mundo, esse Regime Diferenciado, que o governo acha que é uma evolução da Lei de Licitações, deveria estar sendo debatido.

O governo alega que desde 2009 tinha o projeto desse regime no Congresso, e não conseguiu aprovar, o que só demonstra que não levou a sério o problema, pois não mobilizou sua maioria parlamentar, só o fazendo agora, quando estamos em cima dos prazos-limite para as obras.

Ressaltei que também é um problema ter-se no país dois regimes de licitação, o RDC e a Lei 8.666. "Há indicações de que algumas prefeituras, como a do Rio de Janeiro, temerosas de utilizar o RDC, tendem a usar a lei 8.666, que está em vigência também."

O ministro Benjamin Zymler concordou que esse será um obstáculo que o governo terá de superar, na medida em que as prefeituras envolvidas nas obras para a Copa do Mundo e as Olimpíadas podem ficar com receio de serem questionadas na Justiça por se utilizarem das novas regras, que ainda não estão muito claras.

Há, por exemplo, a permissão para que obras nos municípios distantes até 350 quilômetros de alguma das cidades-sedes possam ser realizadas sob o novo regime, desde que tenham relação com os dois eventos esportivos.

Isso quer dizer que qualquer hospital, estrada ou outra empreitada qualquer poderá ser feito sob a alegação de que, mesmo de maneira indireta, será útil para uma das sedes da Copa, o que pode dar margem a manipulações.

Lembrei que há especialistas que consideram que a mudança da legislação exige uma estrutura nova para acompanhá-la. Mesmo que o RDC seja um desdobramento da 8.666, será necessária uma adaptação do corpo técnico, um treinamento diferenciado para acompanhar com eficiência a nova lei, e esse, provavelmente, será um problema que vamos ter.

No limite, lembrei que o governo poderia ter enviado o novo Regime Diferenciado de Contratações para substituir a lei 8.666 em todas as obras públicas e não apenas para as obras da Copa e das Olimpíadas, o que retiraria da proposta a impressão de casuísmo.

A cláusula mais polêmica no RDC, que trata do sigilo, foi mal explicada pelo governo, já que esse é um procedimento recomendado pela OCDE, que reúne os países mais ricos do mundo, como maneira de reduzir os preços das obras públicas e impedir conluios nas licitações.

Jonas Lopes de Carvalho Junior, presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, embora considere que o RDC representa um avanço para a gestão pública, "no sentido de propiciar meios mais ágeis de tornar realidade projetos tão necessários à realização dos grandes eventos esportivos que farão do Rio de Janeiro o centro das atenções em todo o mundo", ressalvou que, "justamente por ser uma lei recém-nascida, provoca algumas estranhezas e suscita dúvidas sobre sua aplicação".

Ele já havia feito, em artigo aqui mesmo no GLOBO, uma ressalva no mesmo quesito da transparência dos procedimentos. Segundo ele, a ausência de projeto básico "inviabiliza aos possíveis interessados o adequado e suficiente conhecimento de todos os fatores que se relacionam com o objeto da licitação, bem como quanto às responsabilidades que incidem na execução do contrato".

Benjamin Zymler disse que ficou "perplexo" com as críticas e a intensidade da retórica utilizada para criticar esse regime diferenciado de licitações.

"Parecia algo extremamente casuístico, elaborado pelo governo para permitir que as contratações para a Copa do Mundo e as Olimpíadas pudessem ser feitas de forma rápida, apressada e sem controle", e esse, segundo Zymler, não é o espírito da nova legislação.

Ele defendeu a tese de que, como qualquer lei, o Regime Diferenciado de Contratações tem que ser testado no mundo real antes de ser criticado e considerou um avanço a aprovação do novo regime, que estava parado no Congresso há muitos anos.

Zymler destacou "inovações interessantes" trazidas pelo RDC, que se utiliza de experiências realizadas sob a Lei 8.666 para a sedimentação de práticas bem-sucedidas, principalmente na aplicação da lei do pregão.

Segundo ele, o sigilo sobre o orçamento evitará que as propostas gravitem em torno do orçamento fixado pela Administração, ampliando-se a competitividade do certame.

FONTE: O GLOBO

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