sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Fifa abre o país a quem comprar bilhete da Copa

Pilha de documentos exigidos de estrangeiros que vêm fazer turismo no Brasil não será cobrada de quem comprar ingresso da Fifa para ver jogos do Mundial de 2014. A brecha está na Lei da Copa em discussão no Congresso. Países como EUA e Alemanha não admitiram esse tipo de ingerência.

Compre seu bilhete e entre no Brasil

Lei Geral prevê a dispensa do visto aos estrangeiros que adquirirem ingressos para os jogos de futebol. Polícia Federal teme que flexibilização estimule a vinda de criminosos

Josie Jeronimo

Comprovante de renda, de residência, de emprego fixo, declaração escolar e extratos bancários. A pilha de documentos exigidos atualmente para que estrangeiros possam fazer turismo no Brasil deve ser reduzida a um simples ingresso para algum dos jogos da Copa do Mundo de 2014. A brecha consta na Lei Geral da Copa, em análise no Congresso. O texto do projeto estabelece o afrouxamento nas rotinas de concessão de vistos a estrangeiros vindos de países que atualmente só deixam os brasileiros partirem de seus aeroportos mediante um pente-fino financeiro e criminal em suas vidas.

Depois da Copa do Mundo da África do Sul, em 2010, o Brasil será o segundo país a suspender suas regras vigentes de seleção de imigrantes temporários para se adequar às exigências da Federação Internacional de Futebol (Fifa). A Lei Geral da Copa diz que "considera-se documentação suficiente para obtenção do visto de entrada ou para o ingresso no território nacional o passaporte válido" em conjunto "com qualquer instrumento que demonstre a sua vinculação com os eventos", resumido no capítulo três da lei como "ingressos ou confirmação de aquisição".

A Alemanha, na Copa de 2006, divulgou regras de emissão de vistos e o país fez questão de ressaltar que, apesar de estar "aberto" ao evento, não mudaria normas para facilitar a entrada de turistas e sugeriu aos torcedores que tirassem o visto antes de comprar o ingresso: "O Ministério das Relações Exteriores recomenda a todos os fãs de futebol que necessitam de visto a encaminhar os documentos o mais cedo possível". Na época, o governo germânico ainda acrescentou que os ingressos não seriam sinônimo de comprovação de boa-fé do viajante. "A apresentação de bilhete para um jogo de Copa do Mundo ou uma prova de que esse tipo de bilhete foi comprado será vista apenas como uma forma de fundamentar o propósito da viagem, mas em si não concede o direito a um visto", orientou o governo alemão. Nas Copas de 2002, na Coreia do Sul/Japão, e de 1994, nos Estados Unidos, também não houve abertura irrestrita de fronteiras.

Na África do Sul, entretanto, para resolver o encalhe de ingressos, as autoridades liberaram a entrada de estrangeiros com bilhetes e deixaram até mesmo de cobrar a taxa de visto, que custava cerca de US$ 60 no ano passado. Quando perceberam que o afrouxamento temporário das regras estimulou o aumento da procura por viagens ao continente africano, as autoridades lançaram mão de tratamento diferenciado na concessão de vistos.

Pedofilia

Enquanto o Congresso se prepara para analisar a Lei Geral da Copa, a Polícia Federal se preocupa com os problemas que a abertura dos aeroportos e das fronteiras aos turistas-torcedores pode trazer ao Brasil. A inteligência brasileira analisa a possibilidade de o evento atrair criminosos dos mais variados tipos, especialmente os ligados à rede internacional de pedofilia e conta com a ajuda da Interpol para ampliar alertas de "difusão vermelha" com o objetivo de barrar viajantes alvo de mandado de prisão.

De acordo com a Secretaria Extraordinária de Grandes Eventos, do Ministério da Justiça, coordenada por José Ricardo Botelho, se a Lei Geral da Copa for aprovada como está, os agentes de segurança pública terão que fazer o pente-fino durante o desembarque dos turistas nos aeroportos. A secretaria estuda a criação de um banco de dados integrado, com informações da Interpol, das polícias dos estados que sediarão a Copa e da Polícia Federal para municiar consulados, embaixadas e agentes envolvidos na análise de imigração temporária.

O especialista em direito internacional Carlos Pellegrino afirma que usar o ingresso como condição para a entrada no país é "temerário", mas acrescenta que o Brasil já possui experiência na deportação de estrangeiros caso a polícia identifique problemas. "Do ponto de vista do controle jurídico-político, acho problemático adotarmos essa flexibilização. Atrelar a entrada no país à compra do bilhete de ingresso é um pouco temerário."

Governo e Fifa discutem regras

Integrantes do governo federal, da Fifa e do Comitê de Organizador Local (COL) se reuniram na tarde de ontem para discutir pontos polêmicos do projeto da Lei Geral da Copa. A reunião foi a primeira após o encontro em Bruxelas realizado no último dia 4 entre a presidente Dilma Rousseff e o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke. No encontro, realizado a portas fechadas no Ministério do Esporte, a pauta foi direcionada para pontos específicos do projeto de lei, como o credenciamento e os direitos de transmissão. Após a reunião, que durou seis horas, ninguém deu declarações à imprensa. Em nota, o Ministério do Esporte disse apenas que o debate serviu para "aprofundar o diálogo entre as partes envolvidas e o Congresso , que examina o projeto de Lei Geral da Copa". Entre os participantes, estavam o secretário nacional de Futebol e Direitos do Torcedor da pasta, Alcino Rocha; o chefe de Direito Comercial da Divisão de Assuntos Jurídicos da Fifa, Jörg Vollmüller; o advogado da Fifa Julian Chediak; e o representante do COL Álvaro Jorge. (Erich Decat)

Outros Mundiais

2010 – África do Sul

Após verificar o encalhe de boa parte da carga de ingressos colocada à venda, em abril de 2010, a dois meses do início do Mundial, a África do Sul abriu as portas para os turistas e chegou a isentar da taxa de visto, de cerca de US$ 60. Na prática, segundo a Fifa, houve aumento na procura por bilhetes.

2006 – Alemanha

O Ministério das Relações Exteriores da Alemanha divulgou documento informando que os ingressos seriam apenas um documento a mais para o pedido de visto de turismo e que o país não modificaria suas regras em função dos jogos de futebol.

2002 – Coreia do Sul e Japão

Para entrar na Coreia do Sul, os brasileiros não precisavam de visto em viagens de até 30 dias. O Japão, porém, manteve a exigência de vistos para a entrada no país, mas redobrou o efetivo de funcionários envolvidos no atendimento aos turistas.

1998 – França

O país europeu não flexibilizou a concessão de vistos para os países cuja autorização era exigida. No entanto, os brasileiros já eram dispensados da exigência, bastando apenas apresentar passaporte válido.

1994 – Estados Unidos

Os brasileiros tiveram que tirar visto para acompanhar os jogos do Mundial. No mês que antecedeu a Copa, o consulado americano em São Paulo registrou aumento de 19% no número de pedidos de visto em relação ao mesmo período em 1993. Preocupados com a entrada de estrangeiros, o Serviço de Imigração dos EUA reforçou a fiscalização para evitar que os torcedores se transformassem em imigrantes ilegais depois dos jogos.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

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