segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A catástrofe abortada :: Paulo Brossard

Qualquer pessoa pode discretear sobre problemas internacionais sem causar prejuízo a ninguém, diga tolices ou coisas judiciosas. Embora desnecessário, confesso minha ignorância a respeito desse mundo. Complexo, dia a dia mutável e eriçado de escabrosidades. Sob essa imunidade vou permitir-me algumas reflexões acerca da Grécia em relação à Europa e desta em relação àquela, embora se pudesse trocar a Europa pelo universo. Suponho, contudo, não exceder o permissível e na certeza de não gerar lesões a quem quer que seja.

É que sempre me perguntei apresilhar a Grécia ao mercado comum, quando seus templos e teatros faz muito deixaram de ser frequentados por Homero ou Péricles, Ésquilo ou Sófocles, Aristófanes ou Fídias, ou Demóstenes, nem ser propriamente uma potência econômica, ao lado da França e da Alemanha, por exemplo. E não me esqueço, foi a Grécia que condenou Sócrates à morte bebendo cicuta...

Vale lembrar que as grandes nações sentaram lado a lado no alto conselho europeu, em 1870, 1914 e 1939, lutaram entre si até caírem exangues, e, anos passados, graças ao talento inspirador de Jean Monnet, foi concebida a comunidade do carvão e do aço, e à parte dele, superando em século de luta e de ódios, Charles de Gaulle e Konrad Adenauer apertam as mãos sobre o Reno, abrindo um capítulo na história europeia, antes inimaginável e que, passado algum tempo, permitiu começasse a materializar-se o sonho do mercado comum ou esboço da União da Europa...

A inclusão da Grécia e de outros Estados menos significativos ampliava o número de acionistas na nascente sociedade pluriestatal, não deixava de lembrar a junção da panela de ferro com a panela de barro... Fujo deliberadamente dos anos iniciais vividos pela comunidade e me ponho a refletir a respeito das consequências imensuráveis de uma pequena parcela dos Estados associados que, insulada, pode dizer-se miúda, e, no entanto, pode bulir a montagem de aço da Europa unida e fortificada!

O fato é que a Grécia (como outros países associados) entrou a enfrentar dificuldades econômicas e não lhe faltou a assistência da União Europeia, mas esta logo se revelou insuficiente e, o que é mais, talvez tenha deixado de avaliar na devida medida os incômodos sociais acumulados, como o desemprego, fator que haveria de mostrar-se incendiário no tocante ao cumprimento de medidas saneadoras tidas e havidas como necessárias. E a delicada emergência se agravou em vez de aliviar-se. E, outra vez, as maiores competências na matéria queimaram as pestanas no sentido de impedir que o incêndio de uma borda queimasse o prédio inteiro. As bolsas tremeram e houve suspiros por todos os cantos do mundo.

Enfim, o presidente francês, justamente alarmado, chegou a dizer que era a maior crise desde a de 1929, que devastou o mundo. Não preciso dizer mais para debuxar o fenômeno que, mal começou, não se sabe os rumos que pode tomar, onde, como e quando vai acabar. Por fim, as sumidades da União Europeia, em decisão unânime, levaram-na a abrir os cofres e, além de reduzir a dívida em 50%, a injetar na Grécia a ninharia de 100 bilhões de euros. A meu juízo, a União cuidava de estancar a sangria e quiçá de demonstrar a disposição de enfrentar as emergências. Houve quem indagasse se a medida heroica resolvia em definitivo o problema e, de modo geral, os opinantes foram discretos e cautelosos.

Eis senão quando, dois dias depois da exaustiva composição, o chefe de governo da Grécia, seu primeiro-ministro, convocou a nação para que referendasse o pacto que, ao lado das vantagens outorgadas, levara-o a assumir encargos, obviamente, repugnavam mais da metade da população, ao que se diz.

A medida do governo grego teve o efeito de um terremoto. Não podia ser por menos. Meia dúzia de horas da solução bilionária, o assunto tomava um caminho assaz perigoso, mas inevitável, ouvir a voz da nação, que já vinha sofrendo duros flagelos, a começar pelo alto desemprego. O resultado foi que os líderes da União Europeia, justamente alarmados, convocaram o chefe do governo grego para uma conferência urgente, a realizar-se em Cannes.

A resposta da União Europeia foi breve e clara, ou a Grécia acolhia as cláusulas pactuadas ou seria excluída da sociedade. O incêndio, a tempestade, o ciclone, diga-se o que se quiser, entrava em declínio quando o chefe do governo grego revogou a realização do plebiscito. Parece que, desta vez, o terremoto ficou adiado e Deus, louvado, pois a catástrofe seria graudaça e para todos os lados.

*Jurista, ministro aposentado do STF

FONTE: ZERO HORA (RS)

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