terça-feira, 22 de novembro de 2011

A máquina de triturar governos:: Clóvis Rossi

Agitação nos mercados torna Europa ingovernável, independentemente do partido dos políticos

Na antevéspera da votação, Mariano Rajoy, presidente eleito do governo espanhol, havia mendigado aos mercados que lhe dessem mais de meia hora de trégua, no pressuposto de que governos eleitos devem ser respeitados.

Até concordo com o pressuposto, mas os mercados, ah, os mercados, não lhe deram nem um minutinho, nem um segundo sequer: a Bolsa de Madri caiu, e o risco-país da Espanha foi o que mais subiu ontem, outro dia de baderna nos mercados.

Hoje, é possível que os mercados se acalmem, para voltarem aos berros amanhã ou depois. Talvez, quando Rajoy tomar posse efetivamente, em dezembro, até ganhe seus 30 minutos de paz. Mas os movimentos de ontem são uma indicação adicional de que a Europa está se tornando ingovernável. Ou de que é governada pelos mercados, não pelos líderes eleitos, qualquer que seja a coloração política deles.

Um repasse rápido aos governos triturados nas urnas desde 2010, quando a crise de 2008 entrou no seu segundo tempo, centrado mais na Europa:

Reino Unido: Na eleição de maio de 2010, o trabalhista Gordon Brown obtém o pior resultado para seu partido desde 1983.

Holanda: O derrotado é o democrata-cristão Jan Peter Balkenende, que perdeu a maior quantidade de eleitores em 23 anos.

Irlanda: O Fianna Fáil (Partido Republicano), hegemônico desde a independência, perdeu 24% de seus votos e caiu para o terceiro lugar.

Portugal: Os socialistas tiveram, em junho, o pior resultado em 20 anos e perderam o governo para os conservadores (mais ou menos como aconteceu agora na Espanha).

Dinamarca: Ao contrário de Portugal e Espanha, a social-democracia é que acabou com dez anos de sucessivos governos de direita.

Se se quiser recuar algo mais no tempo, até 2008, o cenário é ainda mais turbulento, pela contabilidade de Ignacio Molina, pesquisador do Real Instituto Elcano (Espanha): de lá para cá, os eleitores castigaram todos os governantes, salvo na Suécia, na Polônia e na Estônia.

"Caíram 21 Executivos, contando o da Itália. Quem governa tem agora opções muito restritas e não pode aplicar seu programa", afirmou Molina a "El País".

A ideia de que os eleitores mais castigam o governo de turno do que premiam a oposição fica nítida no caso da Espanha: o governante PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) perdeu 59 cadeiras nas Cortes, o Parlamento, mas o PP (Partido Popular) ganhou apenas 32, o que não deixa de ser uma anomalia em um sistema que é praticamente bipartidário.

Mais: os 10,8 milhões de votos do PP de Rajoy correspondem a apenas 30% dos 35,8 milhões de eleitores. É claro que a votação lhe dá a mais ampla legitimidade para formar o governo e controlar o Parlamento, mas, na conjuntura crítica que a Espanha vive, qualquer governante precisa de uma massa crítica de apoios ainda mais robusta e que vá além da política.

Para não falar de atores menos poderosos, precisa do mercado, que, como se vê pela lista de decapitações que ajudou a operar, não liga a mínima para a cor política do governante de turno. Berlusconi que o diga.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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