quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Reflexão do dia – Raimundo Santos

Na época de Fernando Henrique Cardoso comecei a notar que o voluntariado aparecia, em textos oficiais, como uma vertente laica importante para o desenvolvimento. Se antes já eram visíveis, desses tempos em diante, os organismos não estatais de voluntariado proliferaram incessantemente com variados fins e sob as mais diversas formas e dimensões.

O grupo sobre o qual dirigi o interesse foi o das entidades nucleadas em torno do tema agrário, lembrando-me, neste caso, da mobilização, geralmente nas grandes cidades, que a esquerda militante dos anos 1950-60 articulava em solidariedade às organizações que, no mundo rural, lutavam pela reforma agrária.

Agora, na catástrofe da região Serrana do Rio de Janeiro, vê-se o ativismo de um voluntariado espontâneo à frente da corajosa batalha pelo resgate e ajuda às vitimas em colaboração com os grupos da Defesa Civil, Bombeiros e militares. Pelos relatos minuciosos transmitidos pelas rádios, chama a atenção o caráter interindividual e às vezes muito pequeno dos membros desse voluntariado em ação nos piores momentos da tragédia, menos equipados que os órgãos oficiais, no entanto, vivíssimos a indicar sua grande fonte de energia.


SANTOS, Raimundo. cf. A importância do voluntariado. Rio de Janeiro, 18/1/2011.

A busca da eficiência:: Merval Pereira

Em conversa recente, a presidente Dilma Rousseff fez uma análise bastante realista de suas habilidades para exercer o cargo para o qual foi eleita. Comparando-se a seus antecessores mais imediatos, reconheceu que não tem nem o preparo intelectual de Fernando Henrique nem o carisma de Lula, mas entende que tem sobre eles a vantagem de ser uma especialista em gestão, o que pretende que seja a marca de sua passagem pela Presidência da República.

Temos visto nesses primeiros dias de governo uma clara tentativa da presidente de reorganizar o funcionamento da máquina pública, embora as condicionantes políticas, que foram fundamentais para a sua eleição, continuem em pleno vigor, principalmente a divisão dos cargos entre os partidos da base aliada, com destaque negativo especial para a disputa entre PT e PMDB.

Mas não há dúvida de que as linhas gerais do pensamento da presidente Dilma sobre gestão pública vão na direção de uma organização mais enxuta do ministério, e uma gestão moderna, que não evita a privatização e dá metas e objetivos definidos para a execução orçamentária.

Muito diferente, pelo menos na teoria, do que era defendido no governo Lula, quando o Estado forte e intervencionista em caráter permanente era considerado a grande mudança de paradigma econômico.

É verdade que os antecedentes gerenciais da presidente Dilma Rousseff não são dos mais eficientes, seja na implantação do sistema energético do país, seja na execução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), apresentado em 2007 como o grande programa de infra-estrutura do governo Lula, e que serviu de base para o lançamento de sua candidatura à Presidência como a grande gestora do governo.

Levantamento da ONG Contas Abertas, que faz pesquisas no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), mostra que até 25 de dezembro do ano passado, dos R$96,3 bilhões previstos no Orçamento dos últimos quatro anos, só R$25,3 bilhões foram pagos - 26,28% do total.

O próprio balanço oficial do PAC admite que 17,6% das obras, que somam R$115,6 bilhões, só serão concluídas depois de 2010.

No ano passado foram gastos R$8,1 bilhões do Orçamento do ano e outros R$12,2 bilhões de restos a pagar de anos anteriores. Do total de obras planejadas, avaliadas em R$656,5 bilhões, apenas 46,1% delas foram totalmente executadas.

O governo acabou misturando financiamento para obras de infra-estrutura com os financiamentos da casa própria para cumprir o orçamento que estava previsto.

Os principais problemas que dificultam o desenvolvimento do país são, de acordo com diversos estudos, entre outros, a burocracia, que prejudica o ambiente de negócios e inibe o empreendedorismo; baixos níveis de escolaridade e de capacitação da população, influenciando negativamente a produtividade; baixo nível de investimentos em infra-estrutura; elevada carga tributária combinada com forte expansão e má qualidade do gasto público.

Com relação à infraestrutura, um estudo da consultoria Macroplan já dissecado aqui na coluna indica que há uma forte demanda de investimentos para a recuperação, a melhoria e a expansão da infraestrutura de transportes, que se intensifica em proporção direta do crescimento econômico.

O estudo da Macroplan adverte que, sem novos investimentos, não somente os gargalos existentes serão acentuados como a competitividade do país estará comprometida, colocando em risco a sustentação do crescimento.

O maior desafio é acelerar e mudar a escala desses investimentos, e para tanto não faltariam fontes, especialmente pela grande abundância de recursos financeiros no mundo à procura de oportunidades atrativas e seguras.

A grande restrição, destaca a análise dos técnicos da Macroplan, reside na baixa capacidade do setor público (governos federal, estaduais e municipais) para planejar, projetar e gerir investimentos.

Os principais problemas gerados são atrasos nos prazos, frequentes e substanciais aumentos nos custos de execução de obras, legislação relativa a licitações e execução de investimentos rígida e inadequada, falta de projetos e deficiências técnicas e gerenciais na área pública.

Tudo o que se está vendo em relação às obras para a realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016 no Rio.

Um estudo recente, da Goldman Sachs, destaca uma diferença básica entre as economias dos Estados Unidos e as de demais países.

Quando o governo se envolve no controle de empresas, como aconteceu na recente crise financeira desencadeada em 2008, tanto as empresas quanto o governo tentam se separar o mais rapidamente possível.

A ideia de que as empresas pertencem aos acionistas privados é fundamental na economia americana, destaca o estudo.

Eles exemplificam com a rapidez com que instituições financeiras devolveram o capital investido pelo Tesouro americano, a intensidade com que a seguradora AIG está procurando devolver o capital nela investido pelo governo para seu salvamento, e os esforços da montadora GM para se recuperar.

Com os "desinvestimentos" já realizados, a Goldman Sachs estima que o governo americano atualmente tem apenas 2,2% de participação na economia americana, que no auge da crise chegou a 3,7%.

Em comparação com os principais mercados emergentes, o estudo da Goldman Sachs estima que de várias formas (direta ou indiretamente) a participação dos governos nas empresas chega a 67% na China, a 35% na Rússia, a 29% na Índia e a 14% no Brasil.

FONTE: O GLOBO

Na rota do Torto:: Dora Kramer

Se, como disse a presidente Dilma Rousseff na primeira reunião ministerial, "ética e competência" se equivalem e isso significar um lema de governo, ela não está sendo coerente com a pregação que vem fazendo em todas as suas manifestações desde a eleição.

Primeiro chamou atenção a esfuziante recepção a Erenice Guerra na festa da posse, a mesma a quem tinha se referido durante a campanha como uma "ex-assessora" por cujas malfeitorias não poderia se responsabilizar.

Depois, deixou passar em nebulosas nuvens as acusações - comprovadas e assumidas - dos então indicados ministros do Turismo, Pedro Novais, e da Pesca, Ideli Salvatti. Ambos pegos em flagrante delito de malversação da verba extraordinária da Câmara e do Senado.

Novais gastou o dinheiro numa festa de motel e Ideli recebeu em dobro: auxílio-moradia e diárias de hotel em Brasília. Tomaram posse alegadamente pelo entendimento de que haviam cometidos erros contábeis. Só corrigidos depois de denunciados.

Nesta semana, não impôs reparo à defesa do feudo na Funasa feita pelo vice-presidente Michel Temer, a propósito do sumiço de R$ 500 milhões sob a administração do PMDB.

Pour mémoire: quando assumiu a Presidência, em 2003, o PT revogou decisão do governo anterior que vedava a fundação de saúde ao loteamento político.

Ontem, João Domingos e Cristiane Samarco fizeram saber aos leitores do Estado que o governo fechou acordo para apoiar a candidatura de José Sarney agora e de Renan Calheiros, daqui a dois anos, à presidência do Senado.

Dois notórios protagonistas de escândalos por desvio de conduta. Um foi obrigado a renunciar para não perder o mandato e outro foi salvo pelo gongo sempre alerta de Lula.

É cedo para julgar? Se não imprimir correspondência entre suas intenções e seus gestos, não demora será tarde para a presidente fazer críveis suas palavras.

Carga pesada. Vamos aos fatos: para que serve mesmo o MST, a não ser para lembrar à sociedade que a lei não é igual para todos e que o governo obriga o Brasil a conviver com a transgressão consentida sustentada com dinheiro público?

Para promover a reforma agrária, já se viu que não é; para patrocinar um ambiente arejado de relações entre o poder público e os movimentos sociais, tampouco; para levar ao governo demandas da sociedade muito menos; para firmar o contraditório social ante as autoridades, também não.

Então, para que serve um movimento sem representatividade, sem reconhecimento por parte do conjunto dos cidadãos, sem identidade legal e, sobretudo, sem objetivo claro?

Só para lembrar que o governo, a despeito do discurso legalista da presidente, apadrinha e alimenta a subversão ao Estado de Direito consagrado no preceito constitucional da inviolabilidade da propriedade pública e privada.

Bela viola. Quase tão chocante quanto a desproporção entre a natureza do desastre e as consequências em número de mortos, desabrigados e desassistidos é a desfaçatez das autoridades do Rio de Janeiro ao dizer que não é hora de críticas, mas de socorro à vítimas.

Seria assim se o poder público fizesse a sua parte. Não tendo feito, não é o momento de tirar o corpo fora; é hora, sim, de a sociedade criticar e cobrar.

O governador Sérgio Cabral soube tirar proveito de sua aliança com o governo federal. Mudou de partido, de opinião, fez do Rio um palco permanente para suas performances marqueteiras com o presidente da República nos últimos quatro anos.

Não obstante, ignorou um problema devidamente diagnosticado - a incapacidade do Estado de fazer frente a calamidades -, mas que não se incorporava à lógica festivo-eleitoral de sua gestão.

Reconheça-se a opção de Cabral pela seriedade na escolha do comando da área de combate ao crime, mas lamente-se que o mesmo conceito não tenha se aplicado à segurança do público como um todo e cobre-se a falha em títulos de resgate eleitoral.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Serra cobra oposição:: Raquel Ulhôa

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-governador José Serra chegaram de surpresa ao casamento de Natália e Igor, na casa da Praia de Tabuba, em Caucaia (CE), no fim da tarde do dia 8 de janeiro.

Durante a festa, circularam animados entre os convidados, sentaram-se com políticos presentes e posaram para fotos - até com o ministro da Previdência, Garibaldi Alves Filho (PMDB), colega do pai da noiva, senador Tasso Jereissati (PSDB), no Senado.

A presença de FHC foi uma demonstração do prestígio de Tasso, ex-governador e ex-presidente do PSDB, derrotado em outubro na disputa pela reeleição, numa campanha que contou com o empenho pessoal do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao lado de seus adversários.

Mas foi a desenvoltura de Serra que chamou mais atenção. Se alguém esperava vê-lo ainda abatido pela derrota na eleição presidencial, enganou-se. Estava "lépido e fagueiro", segundo relatos.

Nas poucas conversas políticas que teve - a mais longa com o líder do DEM no Senado, José Agripino (RN), sobre a disputa pelo comando do Democratas -, o ex-candidato a presidente da República mostrou que está voltando à ativa. E cheio de disposição para a tarefa que considera ter lhe sido conferida pelos mais de 43% dos votos que recebeu: fazer dura oposição ao governo Dilma Rousseff.

Serra avalia que os votos que recebeu são votos de oposição e que esse eleitorado vai querer dele e do PSDB um firme contraponto ao governo. Por isso, o ex-governador já começou a cobrar do futuro líder do partido na Câmara, Duarte Nogueira (SP), que assuma tal posição na condução da bancada.

Na opinião de aliados de Serra, o partido não foi combativo no confronto com o governo Lula. Inclusive durante a campanha, fez uma oposição "fru-fru", dizem, repetindo expressão usada pelo ex-governador paulista.

O futuro político de Serra é incerto, mas ele sabe o que quer: em 2014, disputar a Presidência da República pela terceira vez ou o governo de São Paulo, que ocupou de janeiro de 2007 a abril de 2010. Em qualquer um dos casos, espera fazer dobradinha com o governador Geraldo Alckmin. Um concorrendo ao Palácio do Planalto e o outro, ao dos Bandeirantes.

O cálculo é o seguinte: em quatro anos, ambos estarão igualmente fortes no Estado e seus projetos estarão necessariamente vinculados. "Serra e Alckmin estão ligados pelo destino", diz um deles.

Visto hoje, o projeto de Serra para 2014 parece quase impossível. Primeiro, porque o ex-governador Aécio Neves (MG), eleito senador, representa a expectativa de poder no PSDB e não está disposto a abrir mão de disputar a próxima eleição para a Presidência da República. Segundo, por causa da afinidade entre Alckmin e Aécio.

Terceiro, porque vários setores do partido, não só de Minas Gerais, estão cansados da hegemonia paulista no PSDB. E defendem um candidato não paulista a presidente.

Aliados de Serra rebatem cada obstáculo. Primeiro, acham que Aécio não vai fazer oposição de fato, por seu perfil mais conciliador. Segundo porque, apesar da proximidade com Alckmin, acreditam que o atual governador de São Paulo no fundo ressente-se da falta de apoio de Aécio à sua candidatura a presidente, em 2006. A tese é que Aécio "rifou" Alckmin em 2006, assim como o fez com Serra, em 2002 e 2010.

De acordo com esse raciocínio, a pregação antipaulista de Aécio prejudica sua pretensão. Acredita-se que o mineiro não conseguiria ser o candidato a presidente se Serra estiver contra.

Uma das falhas dessa avaliação, segundo aliados de Aécio, é não levar em conta peculiaridades da população de São Paulo. O paulista não é "bairrista" como o mineiro. Não deixa de votar num candidato por ser de outro Estado.

Aécio, dessa vez, está decidido a não abrir mão de ser o próximo candidato a presidente do PSDB e a barrar ofensivas de Serra desde já. Para começar, trabalha para impedir que o ex-governador de São Paulo suceda o senador Sérgio Guerra (PE) na presidência do partido a partir de 2011. O receio é que, uma vez presidente do PSDB, Serra torne fato consumado uma nova candidatura sua ao Planalto.

Por enquanto sem sucesso, a articulação de aliados de Serra previa fazer dele presidente do partido num acordo com Guerra, que assume em 1º de fevereiro mandato de deputado federal. Pela proposta, o pernambucano seria líder do partido na Câmara dos Deputados e apoiaria a eleição de Serra para dirigir o partido.

Para serristas, Guerra não tem inclinação para conduzir a oposição com a firmeza que consideram necessária. Lembram sua proximidade do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), aliado de Dilma.

Seja quem for, o próximo presidente do PSDB terá de administrar a divisão interna entre os grupos de Serra e de Aécio, para tentar viabilizar um projeto eleitoral com chance de vitória.

Serra não quer perder tempo. Acompanha o início do governo Dilma e já faz as primeiras críticas. Ao interlocutor que comemora a discrição da presidente nos primeiros dias, ele rebate dizendo que ela não fala porque não sabe o que dizer. Sobre economia, afirma que o governo está numa "sinuca de bico", porque a rigidez fiscal é completa, a inflação está em alta e o déficit externo também.

Com ou sem cargo no partido, Serra buscará espaço para fazer oposição ao governo. De imediato, pretende retomar seu blog, no qual planeja escrever comentários sobre política, economia e meio ambiente, três ou quatro vezes por semana. Também está aberto a prestar consultorias e fazer palestras - ao preço de R$ 50 mil, metade do que cobra FHC.

Raquel Ulhôa é repórter de Política em Brasília.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Inflação climática:: Míriam Leitão

O economista José Roberto Mendonça de Barros resume a conversa sobre os eventos que pressionam a inflação com uma frase: "eu nunca vi tanta complicação climática com tantos produtos em tantos lugares ao mesmo tempo." Mas, além das secas e inundações, há outros motivos permanentes e temporários para a alta dos preços. Neste clima, o Copom se reúne.

O trigo foi castigado em novembro por uma seca forte na Ucrânia e na Rússia. E agora é atingido pela inundação na Austrália.

- Do trigo produzido na Austrália, 60% foram rebaixados para ração porque não foram considerados apropriados para consumo humano - diz José Roberto.

A soja surpreendeu todo mundo. Apostava-se na queda e o produto está em alta. Além de quebras de safra, há agora a seca na Argentina. O milho, como é cultura complementar à soja em muitos lugares, também está com redução da produção. O café enfrentou furacões na América Central e redução de produção na Colômbia. No algodão, houve redução da produção nos Estados Unidos porque os preços estavam baixos. Problemas climáticos no Paquistão também afetaram a cana-de-açúcar.

- É mais fácil dizer que produto não tem problema. O arroz tem boa produção e uma oferta abundante, mas na maioria dos produtos há uma mistura de choques de oferta com baixos estoques - explica o economista da MB Associados.

Os baixos estoques não são eventuais. É que há algum tempo a política agrícola de todos os países vem abandonando a prática de manter altos estoques dos produtos. É caro manter o produto guardado. Assim, qualquer choque de oferta pode produzir uma elevação dos preços:

- Este ano é um extraordinário exemplo dos extremos climáticos e como eles produzem choques de oferta. Isso se soma à demanda crescente na Ásia por todos esses produtos e mais a atuação dos fundos financeiros nos mercados futuros de commodities.

Segundo o economista, os fundos financeiros não criam tendências, mas as aceleram. Quando o movimento é de alta, a especulação eleva ainda mais a alta.

Só esse lado das commodities agrícolas já mostra que esta inflação não é simples. Mas não é o único fator de pressão de preços.

- A mãe dos problemas é a demanda excessivamente aquecida, que faz com que os aumentos de preços se espalhem. O setor de serviços está com preços acima do teto da inflação há muito tempo e vai continuar assim. O aumento de gastos do governo aumenta ainda mais a pressão da demanda - afirma José Roberto.

Outros economistas ouvidos repetem que a demanda aquecida tem elevado salários e custos de serviços e que parte dessa demanda aquecida é o gasto excessivo do governo.

- O Copom decidirá a taxa de juros sem saber qual será o corte de gastos do governo. O Banco Central também tem um dilema. Não pode subir muito os juros porque isso vai atrair mais capital especulativo e derrubar mais o dólar -- alerta Carlos Thadeu de Freitas, da Confederação Nacional do Comércio.

Além da volatilidade da oferta agrícola, pelos eventos climáticos, e da demanda aquecida no Brasil, há também alta nos preços das commodities metálicas. - O aço não estava subindo muito, mas a inundação da Austrália provocou a paralisação da produção de carvão metalúrgico. Como são minas subterrâneas, pode demorar meses para que elas voltem a produzir. Diante desse cenário, os preços do aço subiram - relata José Roberto Mendonça de Barros. Como se tudo isso não bastasse, há outro problema.

- O petróleo vai superar a marca dos US$100 - prevê o economista. Há vários motivos para isso: o inverno prolongado e extremo no hemisfério Norte, a demanda na Ásia, o começo de recuperação americana.

- Além disso, a produção subiu pouco. Nas projeções da Agência Internacional de Energia, o Brasil seria o terceiro país que mais aumentaria a produção, e simplesmente não houve esse aumento. Outros países também não conseguiram aumentar a produção - diz José Roberto.

O Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco e a RC Consultores não veem espaço para queda nos preços das commodities no curto prazo, por uma combinação de fatores: crescimento dos países emergentes; recuperação dos desenvolvidos; especulação nas bolsas com o dinheiro farto e barato que circula pelo mundo.

- Por enquanto, não há elementos mais sólidos que permitam pensar em queda dos preços das commodities nos próximos dois a três meses. Não é só os alimentos que estão subindo de preço, são as commodities em geral e mais o petróleo. Esse movimento de alta não chegou ao fim. Temos muita liquidez no mundo com juros baixos, o fim do movimento especulativo ainda não está no radar - afirma Fábio Silveira, da RC Consultores.

Esse cenário faz com que a inflação não seja problema exclusivo do Brasil. Ela tem voltado também em outros emergentes. China, Coreia do Sul e Tailândia já subiram juros. Na China, os preços fecharam 2010 em 5,1%. Na Rússia, em 8,8%, no Uruguai, em 6,9%.

- Há duas razões para a inflação nos emergentes: choque de commodities e atividade em alta. Nos desenvolvidos, percebe-se apenas o choque de commodities, por isso a inflação nesses países está mais baixa - diz Elson Teles, da Máxima Asset.

Tudo isso mostra que o quadro sobre o qual o Copom decide hoje, nesta primeira reunião do governo Dilma Rousseff, não é como o que está sendo traçado no Ministério da Fazenda. Lá, na Fazenda, se diz que é uma simples inflação de alimentos, sazonal, e que vai ceder. Não parece fácil desatar tantos nós criados pelo clima, demanda alta, quebras de safras e, no caso brasileiro, os excessivos gastos públicos.

FONTE: O GLOBO

Quem está perdendo a guerra cambial?::Tony Volpon

Como vai o Brasil na guerra cambial? Olhando somente para o dólar, parece que não muito bem: afinal, ele está perto dos níveis vistos no fim de outubro, quando o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou a imposição de um IOF de 6% sobre os investimentos estrangeiros em renda fixa, apesar das fortes intervenções recentes e da volta do swap reverso. Mas olhar somente para o dólar não é o suficiente para julgar o sucesso das políticas aprendidas para lutar essa guerra. Afinal, o fato de o câmbio se encontrar hoje perto dos níveis de outubro pode ser usado para concluir tanto que o uso de controle de capitais foi um fracasso, como o oposto, que precisamos de mais controles.

De fato, o ministro da Fazenda, Guido Mantega tem argumentado insistentemente que o dólar estaria muito mais baixo não fossem as medidas tomadas. Isso parece ser com certeza verdade: o governo tem tido sucesso em segurar a taxa nominal do dólar. Mas a que custo?

Precisamos ver um conjunto maior de dados para julgar a eficácia das medidas tomadas pelo governo nesse momento conturbado da economia internacional. Para definir quais, tomamos como definição de "guerra cambial" a tentativa dos Estados Unidos de usar a prerrogativa de deter a moeda reserva mundial para desvalorizar o dólar em termos reais e, dessa maneira, transferir demanda agregada para sua economia.

Desde a segunda metade do ano passado, com o anúncio de novas medidas quantitativas pelo Federal Reserve (Fed, banco central americano), o principal canal de transmissão para as economias emergentes tem sido os mercados de commodities. De junho 2010 até o final do ano, o índice Commodity Research Bureau (CRB) subiu 28%, causando forte impulso inflacionário.

Nesse caso, economias emergentes, como o Brasil, sofrem pressão sobre suas taxas de câmbio por dois mecanismos. Primeiro, por ter índices de preços com forte participação das commodities, as economias emergentes registram mais acentuadamente altas nos seus preços. Segundo, no caso de serem exportadoras de commodities, a alta nos preços causa o aumento da renda real, que leva à apreciação da moeda local.

Para julgar então quem está perdendo a guerra cambial (já que os EUA, detentor da moeda reserva mundial, por definição é quem "ganha"), temos que olhar um conjunto de dados de inflação, câmbio e juros. Um país pode tentar impedir a apreciação da sua moeda, mas se isso resultar em forte aumento na inflação local, a moeda vai valorizar em termos reais de qualquer maneira, danificando a competitividade. Olhar somente para a mudança da moeda em termos nominais não basta.

Por isso, recente estudo abrangendo sete países emergentes - Brasil, China, Índia, México, Turquia, Coreia do Sul e África do Sul - avaliou as mudanças causadas no desempenho da inflação, juros e câmbio durante a segunda metade de 2010 como também as mudanças nas expectativas para 2011.

A inflação média nos sete países subiu 1,15% entre os períodos de agosto-novembro de 2010 e o início do ano, com a Turquia mostrando o maior aumento. Em termos de mudança de expectativa de inflação para 2010 como um todo, o Brasil teve o pior desempenho, mas a Turquia ficou pior na previsão para 2011.

No câmbio, a África do Sul registrou a maior valorização nominal de sua moeda entre junho e dezembro de 2010; e o Brasil ficou em segundo lugar. Em termos reais (isto é, levando em consideração o diferencial entre a inflação local e a do EUA), mais uma vez a África do Sul ficou em primeiro lugar, seguida pela Turquia e pelo Brasil.

Em termos da política monetária, levou-se em conta tanto as mudanças nas expectativas para 2010 e 2011 como os juros praticados no mercado (vértice de um ano). Nesse quesito, a Índia e o Brasil tiveram o pior desempenho.

A conclusão do estudo é que o Brasil, dos sete países, apresentou o pior resultado total, com maior inflação, câmbio mais apreciado e juros maiores. A Índia junto com a China chegaram atrás, mas com boa distância do Brasil. Apesar das insistentes afirmações do governo, o Brasil é o maior perdedor da guerra cambial, mesmo sem se levar em conta o custo fiscal da guerra cambial, o que sem dúvida ampliaria as perdas do Brasil.

Por que o Brasil esta perdendo a guerra cambial? Isso se deve à inconsistência da política econômica. Com a imposição do IOF e a ação do BC no mercado de câmbio, a partir de outubro, o governo impediu que o dólar caísse. Mas isso levou a um maior repasse da alta das commodities na inflação interna, em um ambiente econômico de demanda aquecida.

Agora, a partir do último relatório de inflação, o Banco Central (BC) parece indicar o início de mais um ciclo de alta da Selic, o que tem elevado os juros e ajudado a derrubar o dólar, que volta aos níveis de outubro 2010, acabando com o temporário efeito positivo com a imposição do IOF. A mudança de ênfase do câmbio para a inflação tem levado o Brasil a ter o pior desempenho dos países pesquisados.

Se tivesse deixado o dólar cair com a alta de commodities, teríamos hoje menos inflação e provavelmente poderíamos limitar, se não totalmente evitar, a alta de juros que o Banco Central parece pronto para iniciar. A inflação vai acabar sendo a maior vítima da guerra cambial deflagrada pelo governo brasileiro, exatamente como deseja os estados Unidos. Diferente da Turquia, que tem perseguido uma política consistente, embora também arriscada, de proteger sua moeda e baixar os juros apesar dos riscos inflacionários, o Brasil tenta atingir metas implícitas incompatíveis, perdendo nas duas.

Tony Volpon é chefe da área de pesquisas de mercados emergentes da Nomura Securities International, Inc.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

O marketing cínico do dilúvio anunciado :: José Nêumanne

Os números assustadores da tragédia provocada pelas enxurradas que se seguiram aos temporais na serra fluminense (o dobro dos mortos das similares em 1967, quando a área atingida ficou restrita apenas a Petrópolis) fazem emergir da lama que deslizou montanha abaixo, destruindo tudo e enlutando famílias, constatações e reflexões que, mesmo inúteis e inócuas, não podem deixar de fluir.

A primeira pergunta sem resposta é a que estabelece uma conexão entre a ameaça à camada de ozônio pelo aquecimento global e fenômenos meteorológicos como esses. Chove desde que o mundo é mundo e chuvas como as que desabaram sobre a formosa área acontecem desde o tempo em que o calor das fogueiras de nossos ancestrais caçadores certamente não ameaçava a camada de ozônio nem alterava o rumo ou o volume de correntes marítimas e tampouco causava tempestades. Não dá para garantir nem para negar que aguaceiros de tal porte possam ter caído no tempo das cavernas e desabrigado algumas famílias de habitantes primitivos daquelas plagas. Mas não se podem comparar esses eventos na Pré-História com este num planeta superpovoado, onde aquele privilegiado conjunto de morros e vales é disputado por qualquer apreciador de uma bela vista - o pobretão da favela ou o ricaço capaz de construir sua mansão na encosta. Para o primeiro vale a advertência que começou a ser feita desde que os refugiados da Guerra de Canudos, não tendo onde morar, fincaram suas choças nos morros que ornam a Baía de Guanabara, que encantou Cole Porter, e chamaram seus arruados de "favelas", em homenagem a um arbusto do sertão.

É claro que a ocupação de áreas de risco pelos carentes de moradia é um drama que se amplia na proporção em que aumentam as famílias que não têm onde morar e mínguam as habitações que elas podem adquirir ou construir. Em metrópoles como Rio e São Paulo, restam-lhe poucas alternativas às encostas sobre as quais a ganância da indústria imobiliária ainda não depositou suas ambições de enriquecimento. Em regiões aprazíveis e próximas de um grande centro, caso da preferida pela família imperial para se refugiar da canícula litorânea, não há escolha para os pobres de Jó que improvisam seus tetos ou a burguesia endinheirada em busca de paz, conforto e ar puro. Em Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo e adjacências, barracos ou palacetes não podem ser construídos em planuras, porque planuras não há. Há, sim, montanhas que sobem para o céu e descem para o vale. E vales que, debaixo das encostas, aguentam o peso do lodaçal que desliza quando a vegetação não consegue conter o desbarrancamento e desce a avalanche.

Sob o peso monumental dessa lama desmoronam barracos de lata e sólidas construções centenárias. Reclamar da ocupação indiscriminada de mananciais e áreas de risco com a cumplicidade da politicagem demagógica é chover no molhado, mas necessário. Porque não há tragédia coletiva que mobilize um homem público brasileiro em posto de mando a desafiar os carimbadores de fatos consumados e os grileiros da boa-fé do populacho sem teto.

No caso da serra fluminense, o buraco fica bem mais embaixo e o lamaçal vem de muito mais acima. Esta tragédia de proporções ainda não totalmente conhecidas mostra que não há áreas sem risco no território atingido. A serra só não é arriscada em sítios selvagens onde não existam prédios, pessoas, bens ou animais. Essa evidência não inutiliza a necessidade da responsabilização com nome, endereço, cargo e eventual pena em caso de culpa para os homens públicos que compram seus mandatos ao custo da mortandade nas tragédias das chuvas de verão. Mas torna relativa a justificativa única da permissão de construir em lugar impróprio, pois ali, como esta chuva mostrou, nenhum é apropriado.

Então, que fazer? Adquirir aparelhos de previsão meteorológica para permitir que cidades sejam evacuadas antes que o céu desabe sobre as montanhas? A tecnologia salva vidas, mas seu poder de fazê-lo é limitado. A constatação sazonal de que as autoridades locais foram avisadas pelos técnicos de que choveria é aleivosa, porque não há prefeito capaz de evacuar uma cidade do tamanho de Petrópolis cada vez que a meteorologia previr não o dilúvio universal, mas "chuvas de moderadas a fortes". Se muitos habitantes da região se recusam a deixar casas dependuradas no abismo e isoladas pela lama, como imaginar que alguém, de sã consciência, possa convencer almas contadas aos milhares a abandonarem seus lares? E irem, aliás, para onde? Para o sambódromo? Para o Maracanã? Ora, essa!

O que revolta é ler a promessa de Dilma agora, que, feita por Lula há cinco anos, nunca foi cumprida, de instalar um infalível sistema de alerta para prevenir tragédias como esta. Pois se trata de marketing improvisado que escarnece da dor das vítimas. E saber que aquela região não dispõe de um plano B similar ao treinamento que os bombeiros fazem para prevenir incêndios em prédios. Pior: União, Estados e municípios apelidam de defesa civil algo que não defende ninguém de nada, e sempre termina sobrando para militares destreinados que correm feito baratas tontas de um lado para outro, ajudando heroicamente alguns, mas sem organização capaz de promover uma eventual evacuação improvável ou de socorrer as vítimas do dilúvio anunciado.

O Estado brasileiro é incompetente para prevenir e para remediar porque não estuda, não trabalha, não treina e não aprende com as tragédias pretéritas para evitar que as futuras sejam ainda maiores. Militares e civis limitam-se a garantir a própria impunidade no discurso vago e impessoal, repetido e pluripartidário dos mandatários de plantão. É uma situação vergonhosa que só poderia ser amenizada se esses maganões fossem identificados e punidos na forma da lei. Mas como fazê-lo, se são eles que fazem as leis?

Jornalista e escritor, é editorialista do "Jornal da Tarde"

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O aviso de Priscila, de Friburgo:: Elio Gaspari

Como diria Sérgio Cabral, o que houve na serra fluminense foi uma "crônica da morte anunciada"

Este artigo é um caso de apropriação indébita. Deveria ser assinado pela repórter Priscila de Lima, do site "Nova Imprensa" (novaimprensa.com.br), de Friburgo. Adiante vai seu texto, publicado no dia 25 de novembro do ano passado. Do signatário, são só as observações entre parênteses.

"Após 8 horas de chuva constante na madrugada do dia 21, a população de Nova Friburgo está apreensiva em relação ao início do período de chuvas. (...) O ponto de alagamento mais crítico no município continua sendo o distrito de São Geraldo que, apesar de as obras do Programa de Aceleração do Crescimento estarem em andamento, em várias ruas ainda sofre com as inundações".

(Com a enchente de janeiro, os córregos de São Geraldo transformaram-se em cachoeiras e as áreas planas em igarapés. Casas foram cobertas pela água e moradores ilhados pediam comida. Os desabrigados reuniram-se na 5ª Igreja Batista, junto com 13 mortos.)

"Em algumas áreas os bueiros não suportaram o volume de água e as ruas ficaram alagadas. (...) O Centro e os bairros de Duas Pedras, Solares e Amparo também tiveram ocorrências de deslizamentos, estragos e alagamentos em pequenas áreas."

(O pedreiro Leandro perdeu a casa, a mulher, a mãe e o filho de 2 anos, mas juntou-se às equipes de resgate, orientando pilotos de helicópteros. Ele tinha água na cintura quando chegou a Duas Pedras. Está no Youtube.)

"De acordo com dados divulgados pela Defesa Civil de Nova Friburgo, de domingo a quinta-feira foram feitas 97 solicitações de vistoria. No domingo, 21 (de novembro), foram registrados mais de 60mm de chuva das 6h às 8h30m. Em outro ponto da cidade o nível de água atingiu 80mm no mesmo período. O distrito de Campo do Coelho foi o que apresentou o maior índice do município, chegando a 90mm."

(Em janeiro, os bombeiros só conseguiram chegar ao Campo do Coelho três dias depois da enchente. Moradores se mobilizaram e resgataram cerca de 110 pessoas. Quarenta morreram.)

"O subsecretário de Defesa Civil, tenente-coronel bombeiro militar Roberto Robadey, disse que, para evitar transtornos, a população deve tomar medidas simples: "É fundamental que as pessoas não joguem lixo ou qualquer outro tipo de resíduo nas ruas (...). A Defesa Civil tem trabalhado também na divulgação do uso do pluviômetro caseiro, que consiste em uma garrafa PET com uma régua. Esse material capta a chuva e permite que o próprio morador observe o nível de água que representa risco para ele, ou seja, o registro de até 40mm não consiste em perigo de deslizamento de um barranco, por exemplo. A partir dessa medição o morador pode tomar a decisão de sair de sua casa para um local mais seguro"".

(Conclusão: o povo joga lixo onde não deve e, quando o pluviômetro caseiro ultrapassa os 40 mm, continua em casa. Ir para onde, ninguém diz. Nem a Defesa Civil de Friburgo, ou a do estado, tomaram providências em novembro, muito menos em dezembro, até que em janeiro, quando veio a água, ninguém sabia o que fazer, onde fazer, nem como fazer. No dia 29 de dezembro a turma do site "Nova Imprensa" informou que tentou ouvir o secretário de Obras de Friburgo, Hélio Gonçalves, mas ele não estava na cidade. No início do ano, o governador Sérgio Cabral estava no exterior.)

Elio Gaspari é jornalista.

FONTE: O GLOBO

As cidades e seus defeitos :: Zuenir Ventura

Enquanto se discute para saber se a culpa pela tragédia na Região Serrana é do aquecimento global ou das ocupações irregulares - como se uma causa excluísse as outras - tramita no Congresso um projeto que é uma espécie de liberou geral para as transgressões ambientais. Trata-se do novo Código Florestal, que na prática vai ser ainda mais permissivo em relação às construções no topo dos morros, nas encostas e nas margens dos rios, ou seja, nas áreas de risco, que provocam tantos deslizamentos e mortes. A proposta, aprovada por uma comissão especial, deve ser votada pelo plenário da Câmara em março.

Quando se acredita que todo o país está pensando em como diminuir as possibilidades de novas catástrofes, há parlamentares tomando providências para que elas ocorram. O que a legislação atual proíbe o novo código quer permitir - construir no alto dos morros e em declives com mais de 45° - além de diminuir de 30m para 15m a distância das construções à beira dos rios. O relator do projeto, deputado Aldo Rabelo, nega, afirmando que a nova lei não trata das cidades, apenas do solo para agricultura e pecuária. Os repórteres Vanessa Correa e Evandro Spinelli, porém, consultaram o texto e confirmam que ele se refere também à regularização fundiária de áreas urbanas.

É um país estranho. Solidário como poucos nas desgraças, não consegue tirar lições para evitar que elas voltem a acontecer. Tem dificuldade de corrigir seus defeitos estruturais. Agora mesmo seria a ocasião de aproveitar a destruição de grande parte dessas cidades serranas para reconstruí-las em bases mais humanas, de acordo com um desenvolvimento menos predatório. Acompanhei a deterioração de Nova Friburgo, que nos anos 40/50, quando lá vivi, era um lugar ideal para se morar - calmo, aprazível, com excelente qualidade de vida. Sede de importantes fábricas têxteis, transformou-se logo num polo de atração das populações vizinhas, foi inchando e logo adquiriu os males das metrópoles: violência, favelização, excesso de automóveis, poluição, engarrafamento.

O exemplo mais dramático desse processo foi observado por mim há alguns meses. Resolvi visitar o Morro do Cordoeira, que não era favela e onde fôramos criados, meus três irmãos e eu. Subia a última das três ladeiras, quando fui parado por alguns senhores que conversavam numa roda. Expliquei que era um antigo morador procurando a rua que meu pai abrira com enxada e que por isso recebera o nome de sua mãe. Era uma visita sentimental. Eles me aconselharam a não fazer isso. Aquele morro onde brincávamos sem medo a qualquer hora fora dominado pelo Comando Vermelho. Tornara-se perigoso, como aliás toda a cidade.

FONTE: O GLOBO

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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PPS oficializa apoio a Marco Maia

Da Redação

Da esq. p/ dir: Arnaldo Jardim, Marco Maia e Rubens Bueno durante encontro na Câmara.

O PPS oficializou nesta terça-feira (19/01) o apoio da bancada do partido à candidatura do deputado federal Marco Maia (PT-RS) à Presidência da Câmara. A decisão, que havia sido tomada em reunião dos deputados eleitos na semana passada, foi oficializada hoje em encontro do novo líder do PPS, Rubens Bueno (PR), e do primeiro vice-líder, Arnaldo Jardim (SP), com o candidato. "Nós reafirmamos a posição do partido de respeitar a proporcionalidade; o direito do partido de maior bancada indicar o presidente", afirmou Bueno durante o encontro.

O líder do PPS lembrou ainda o episódio da sucessão da Presidência da Câmara após o escândalo do "mensalinho", que envolveu o então presidente da Casa Severino Cavalcanti (PP-PE). "Na época, apoiamos o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh justamente por respeito à proporcionalidade".

No encontro, os deputados do PPS também debateram com Marco Maia a necessidade de votação pelo Congresso Nacional de reformas estruturais como a política e tributária
"Discutimos, por exemplo, a reativação do Grupo de Altos Estudos da Câmara, justamente para planejar a pauta a longo prazo e não ficarmos apenas presos no que vamos votar a cada semana. A idéia foi bem aceita por Maia", revelou o líder.

Outra proposta de Maia e que conta com o apoio do PPS é a maior autonomia para as comissões temáticas da Câmara. Há possibilidade, inclusive, de os orgãos contarem com orçamento próprio.
"Hoje, por exemplo, as comissões precisam da aprovação do presidente da Câmara até para emitirem passagens. A descentralização tem o nosso apoio. E, é claro, sem gerar novos custos, já que é possível fazer isso dentro do que já está previsto no orçamento da Câmara", ressaltou o parlamentar.

FONTE: PORTAL DO PPS

Senado italiano pede extradição

Unânime, moção diz que Itália deve tentar "todos os meios"

O Senado da Itália aprovou ontem, por unanimidade e em meio a críticas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma moção que pede a imediata extradição do ex-militante de esquerda Cesare Battisti. De acordo com a agência de notícias Ansa, o texto aprovado solicita que o governo da Itália recorra a "todos os meios possíveis no âmbito judiciário" para que Battisti cumpra sua pena em seu país de origem.

Lá, o ex-militante foi condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos cometidos na década de 1970, quando integrava um grupo de extrema-esquerda.

Os senadores italianos não descartaram no texto a possibilidade de o país recorrer à Corte Internacional de Haia e a "sedes multilaterais europeias", para que sejam aplicadas "ações diplomáticas". Isso se daria por meio de contatos com o governo de Dilma Rousseff.

- É um documento que exprime a indignação de um país inteiro - disse o líder da bancada do Povo da Liberdade (PDL) no Senado, Maurizio Gasparri, à agência Ansa.

O senador Giorgio Tonini, da legenda esquerdista Partido Democrático (PD) e membro da Comissão de Relações Exteriores do Senado, criticou a decisão de Lula de não extraditar o ex-militante.

- O PD simpatizou com Lula durante todos esses anos, primeiro como sindicalista e depois como presidente. Ele lutou pela democracia no Brasil, um país historicamente amigo nosso. E por isso ficamos sem fôlego quando ele negou a extradição de Battisti à Itália - disse Tonini.

FONTE: O GLOBO

STF se baseará em acordo de extradição no caso Battisti—Peluso

Rodrigo Viga Gaier

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai se basear no acordo de extradição firmado entre Brasil e Itália para discutir o destino do ex-ativista italiano Cesare Battisti, afirmou na terça-feira o presidente da corte, Cezar Peluso.

Battisti, de 56 anos, foi condenado à revelia por assassinatos na Itália e cumpre prisão preventiva em Brasília desde 2007. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou sua extradição em 31 de dezembro, alegando que o italiano poderia ter a "situação agravada" caso fosse entregue às autoridades de seu país.

"Sua Excelência (o ex-presidente Lula) apresentou uma série de razões para determinar a permanência do Cesare Battisti no Brasil nos termos do tratado, e o STF vai examinar se de fato essa permanência está ou não nos termos do tratado", disse ele a jornalistas após participar de uma Conferência Internacional no Rio.

"Se o STF determinar que não está, o STF vai dizer que ele tem que ser extraditado", acrescentou Peluso, que não quis adiantar sua posição.

A decisão de Lula foi tomada mais de um ano após o STF autorizar, por cinco votos a quatro, a extradição do italiano. A corte, no entanto, deixou a palavra final sobre o assunto para Lula.

Três dias depois, a defesa do ex-ativista entrou com um pedido de soltura no STF, mas governo italiano em seguida pediu ao tribunal o indeferimento da petição, alegando "absoluta falta de apoio legal" no pedido.

Peluso, então, negou a soltura imediata e determinou que os autos fossem encaminhados ao relator do caso, ministro Gilmar Mendes, que só retorna após o recesso do Judiciário, em fevereiro.

Battisti, que nega todas as acusações, foi condenado por quatro homicídios cometidos na década de 1970 quando integrava a organização Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). O ex-ativista fugiu em 1981 para a França, que acolheu italianos sob a condição de que abandonassem a luta armada.

Ele deixou a França em 2007 após a revogação de sua condição de refugiado e veio definitivamente para o Brasil, onde recebeu do então ministro da Justiça, Tarso Genro, o status de refugiado político.

Na terça-feira, o Senado italiano aprovou uma moção que pede a extradição de Battisti e que o governo da Itália recorra a todos os meios possíveis no âmbito judiciário para que o ex-ativista cumpra a pena em seu país.

Peluso disse que a decisão do STF é soberana e, independentemente do parecer final, ela não poderá ser revertida.

"(Sobre) a decisão do Senado italiano não tenho nada a comentar, nem muito menos a fazer crítica", declarou ele a jornalistas.

"Nenhuma corte internacional tem competência para rever, cassar, reformar ou interferir em qualquer decisão do STF", destacou.

O ministro disse ainda que o processo de extradição de Cesare Battisti "provavelmente" irá ao Plenário do tribunal em fevereiro.

"Isso deve ser decidido em uma única sessão. Suponho que não passe disso", acrescentou.

FONTE: REUTERS

Em Roma, exposição conta história do PCI

Tilda Linhares

Veja aqui o video preparado por L'Unità

A Fundação Instituto Gramsci e a Fundação Cespe (Centro Studi di Politica economica) realizam, em Roma, até o dia 6 de fevereiro, a mostra Avanti Popolo – Il PCI nella storia dell'Italia 1921-1991. A mostra tem por objeto aquele que foi o mais importante partido comunista do mundo ocidental — até sua transformação, por voto majoritário, no rastro da queda do Muro de Berlim e do esgotamento do comunismo histórico, em Partido democratico della sinistra (PDS), hoje Partido Democrático.

O PCI foi fundado no Congresso de Livorno, entre 15 e 21 de janeiro de 1921, e concluiu sua trajetória em 4 de fevereiro de 1991, com o nascimento do PDS em Rimini. A mostra examina os pontos críticos de uma trajetória ao longo da qual, pela ação do velho “partidão vermelho” (e, no outro lado do espectro político, também da Democracia Cristã), lançaram-se as bases da Itália moderna, após o grande desastre nacional do fascismo.

Entre os objetos e documentos expostos, ressaltam os originais dos Cadernos do cárcere e o manuscrito gramsciano sobre A questão meridional, de 1926.

“Escola de massa das classes subalternas”, o PCI não esteve isento de contradições, como aquela que marcou a vida de todos os partidos nascidos no quadro da III Internacional: a realidade da inserção nacional e a da lealdade com a antiga URSS, especialmente até 1956. No entanto, entre os partidos comunistas foi o que melhor compreendeu o terreno democrático como fundamento da política moderna.

Gramsci e o Brasil está profundamente ligado à experiência do PCI e à sua vocação democrática e pluralista, que continuam a ser pontos de referência para o nosso modo de ver e pensar a realidade brasileira, distante de qualquer fanatismo político ou teórico.

Entre 14 de janeiro e 6 de fevereiro, na Casa dell'Architettura, piazza Manfredo Fanti 43 – Roma.

FONTE: GRAMSCI E O BRASIL

Marina volta a defender 3ª via na política nacional

Daiene Cardoso

Destaque no primeiro turno da última eleição presidencial com quase 20 milhões de votos, a senadora Marina Silva (PV-AC) disse que pretende atuar nos próximos quatro anos como uma alternativa ao bipartidarismo do PT e PSDB recorrente nas últimas eleições do País.

"Espero que a gente possa constituir essa terceira via no Brasil. Aí eu quero trabalhar por ela, não necessariamente para eu ser a candidata, mas para que a gente tenha a terceira via como o melhor projeto para o Brasil", afirmou hoje, após palestra na Campus Party, em São Paulo, onde conversou com participantes sobre o uso da internet em sua campanha. Ela também se reuniu com o ex-vice-presidente norte-americano Al Gore, um dos palestrantes do evento.

Em 2010, a candidatura do PV superou as expectativas dos analistas e proporcionou a realização do segundo turno no momento em que a então candidata Dilma Rousseff (PT) tinha chances de vencer a eleição no primeiro turno. Segundo Marina, é preciso continuar quebrando a polarização entre PT e PSDB. "Quando há uma polarização não há escolha, há uma opção entre A ou B. É fundamental trabalhar a terceira via", defendeu Marina, que em duas semanas deixará o Senado para se dedicar à criação do Instituto Marina Silva.

Sobre a possibilidade de ser a candidata à Presidência em 2014, Marina insinuou que outros nomes podem representar a terceira via. "Não trabalho com essa ideia de cadeira cativa de candidato", justificou. Questionada se poderia disputar algum cargo em 2012, inclusive a Prefeitura de São Paulo, Marina foi direta: "Aqui temos excelentes paulistas para serem candidatos. Eu sou do Acre".

Em um balanço sobre as primeiras semanas do governo Dilma, Marina elogiou a disposição da presidente em continuar "debelando a pobreza", mas afirmou que é preciso que o foco do governo transite para programas sociais de terceira geração, capazes de promover a inclusão produtiva das pessoas atendidas pelo Bolsa Família. Marina defendeu o corte de gastos na esfera federal, mas reforçou que a redução precisa ser qualificada. "Não pode ser um corte linear", afirmou.

Sobre a briga por cargos entre partidos da base aliada, Marina insinuou que dificilmente Dilma conseguirá controlar os conflitos internos. "O próprio presidente Lula tinha força na opinião pública e era difícil lidar com a base. Imagino que essas dificuldades permaneçam".

Ibama

Perguntada sobre a saída do presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Abelardo Bayma Azevedo, exonerado do cargo na semana passada, Marina defendeu que haja transparência no acesso às informações sobre sua saída e que a sociedade tenha acesso a informações sobre licenciamento de obras polêmicas, como no caso da usina de Belo Monte.

Bayma teria pedido para ser exonerado por motivos pessoais, mas sofreu pressão de outras áreas do governo por conta da concessão de licenças ambientais. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, criticou especificamente o atraso em relação à emissão de licença da usina de Belo Monte, que deveria ter saído no fim de 2010, mas, segundo Lobão, deverá sair apenas em fevereiro.

FONTE: AGÊNCIA ESTADO

Paulinho da Viola - Onde a dor não tem razão

Testamento do Brasil ::Paulo Mendes Campos

Que já se faça a partilha.
Só de quem nada possui
nada de nada terei.
Que seja aberto na praia,
não na sala do notário,
o testamento de todos.
Quero de Belo Horizonte
esse píncaro mais áspero,
onde fiquei sem consolo,
mas onde floriu por milagre
no recôncavo da brenha
a campânula azulada.
De São João del-Rei só quero
as palmeiras esculpidas
na matriz de São Francisco.
Da Zona da Mata quero
o Ford envolto em poeira
por esse Brasil precário
dos anos vinte (ou twenties),
quando o trompete de jazz
ruborizava a aurora
cor de cinza de Chicago.
Do Alto do Rio Negro
quero só a solidão
compacta como o cristal,
quero o índio rodeando
o motor do Catalina,
quero a pedra onde não pude
dormir à beira do rio,
pensando em nós-brasileiros
- entrelaçados destinos -
como contas carcomidas
de um rosário de martírios.
De Lagoa Santa quero
o roxo da Sexta-feira,
quero a treva da ladeira,
os brandões da noite acesa,
quero o grotão dos cajus,
onde surgiu uma vez
no breu da noite mineira
uma alma doutro mundo.
Da porta pobre da venda
de todos os povoados
quero o silêncio pesado
do lavrador sem trabalho,
quero a quietude das mãos
como se fossem de argila
no balcão engordurado-.
Ainda quero da vila
ira que se condensa,
dor imóvel e dura
como um coágulo no sangue.
Da Fazenda do Rosário
quero o mais árido olhar
das crianças retardadas,
quero o grito compulsivo
dos loucos, fogo-pagô
de entardecer calcinado,
a névoa seca e o não,
o não da névoa e o nada.
Da cidade da Bahia
quero os pretos pobres todos,
quero os brancos pobres todos,
quero os pasmos tardos todos.
Do meu Rio São Francisco
quero a dor do barranqueiro,
quero as feridas do corpo,
quero a verdade do rio,
quero o remorso do vale,
quero os leprosos famosos,
escrofulosos famintos,
quero roer como o rio
o barro do desespero.
Dos mocambos do Recife
quero as figuras mais tristes,
curvadas mal nasce o dia
em um inferno de lama.
Quero de Olinda as brisas,
brisas leves, brisas livres,
ou como se quer um sol
ou a moeda de ouro
quero a fome do Nordeste,
toda a fome do Nordeste.
Das tardes do Brasil quero,
quero o terror da quietude,
quero a vaca, o boi, o burro
no presépio do menino
que não chegou a nascer.
Dos domingos cor de cal
quero aquele som de flauta
tão brasileiro, tão triste.
De Ouro Preto o que eu quero
são as velhinhas beatas
e a água do chafariz
onde um homem se dobrou
para beber e sentiu
a pobreza do Brasil.
Do Sul, o homem do campo,
matéria-prima da terra,
o homem que se transforma
em cereal, vinho e carne.
Do Rio quero as favelas,
a morte que mora nelas.
De São Paulo quero apenas
a banda podre da fruta,
as chagas do Tietê,
o livro de Carolina.
Do noturno nacional
quero a valsa merencórea
com o céu estrelejado,
quero a lua cor de prata
com saudades da mulata
das grandes fomes de amor.
Do litoral feito luz
quero a rude paciência
do pescador alugado.

Da aurora do Brasil
- bezerra parida em dor -
apesar de tudo, quero
a violência do parto
(meu vagido de esperança).