sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Reflexão do dia – José Serra

O PT, fundado como um partido classista, sob a inspiração de partidos leninistas, varreu estatuto e ideário para baixo do tapete ao chegar ao poder e adotou como suas a plataforma e as ideias do adversário. Mas, longe de estar resolvida, após seis eleições presidenciais, sendo três vitoriosas, e dois governos depois, a contradição entre os 'pragmáticos do mercado' e os 'puros-sangues de Lenin' ainda é um dos flancos do PT não devidamente explorados pela oposição, para prejuízo do país."

SERRA, José. "Oposição pra quê?". O Globo, 10 fevereiro. 2011.

A sumidade e o apagão:: Roberto Freire

"Nós também temos uma outra certeza, que não vai ter apagão, é que nós hoje voltamos a fazer planejamento". Esta declaração foi dada, em fins de outubro de 2009, pela então ministra da Casa Civil do governo Lula, Dilma Rousseff, duas semanas antes de um apagão, quando três linhas transmissoras de energia elétrica se desligam na região da divisa entre Paraná e São Paulo afetando 18 estados brasileiros.
Pela primeira vez Itaipu apagou totalmente. Até mesmo o Paraguai ficou sem luz.

Na oportunidade, além das causas climáticas, culpou-se a sempre recorrente herança maldita do governo FHC como o motivo central pelo evento, não tocando em uma questão essencial: o apagão tinha sido consequência de problemas na transmissão de energia.

A falha foi técnica e nada mais, apesar dos ditos investimentos maciços governamentais na área, que evidentemente não ocorreram.

O então ministro das Minas e Energia Edison Lobão, com sua proverbial competência afirmou o seguinte à época: "Esse é um episódio que, Deus queira, não acontecerá novamente".

Esquecendo-se que caberia ao governo, e especificamente ao seu ministério, tomar as devidas providências, para que fenômenos dessa espécie não ocorressem. E não esperar intervenções divinas.

Muito bem. Com o providencial nome de interrupção temporária de energia, mais uma vez um apagão, desta vez no Nordeste, deixou sem energia oito estados por mais de cinco horas, afetando mais de 40 milhões de brasileiros.

O mesmo ministro das Minas e Energia até hoje não sabe exatamente o que motivou esse novo apagão, apesar do pedido de apuração rigorosa da, hoje, presidente Dilma Roussef.

Durante muito tempo sendo apresentada como uma sumidade do setor, pela prestidigitadora propaganda do governo Lula, a presidente Dilma Rousseff, quando ministra das Minas e Energia, agiu dentro dos parâmetros dos interesses do grupo Sarney, que domina o setor elétrico há décadas.

A decantada informação de que nosso sistema elétrico é um dos mais sofisticados e seguros do mundo, não tem assento na realidade, como sabe a população que sofre todos os dias os pequenos apagões de que ninguém fala.

O problema do setor elétrico, além da falta de investimentos na manutenção do sistema, é oriundo do compadrio nas indicações dos responsáveis pelas unidades produtoras regionais, da ausência de um planejamento que priorize as pequenas hidrelétricas, que fortaleça as linhas de transmissão interestaduais, e tenha na geração de energia limpa (eólica, solar, bioenergia, etc.) não apenas um fator de desenvolvimento tecnológico, mas sobretudo a reutilização de resíduos na perspectiva de um desenvolvimento ecologicamente sustentado.

Para tanto seria fundamental quebrar a lógica que ainda orienta o preenchimento de cargos de postos-chave, tanto na parte executiva como na fiscalização, pelo critério político e investir na qualificação de uma gestão técnica de excelência.

No fim das contas o que está mais do que comprovado é que nosso sistema de energia elétrica é extremamente vulnerável e que o governo, se já fez alguma coisa como diz, precisa fazer muito mais. Mas fazer mesmo.

Roberto Freire é presidente do PPS

FONTE: BRASIL ECONÔMICO

Impasse no Egito

Após manter o Egito e o mundo em suspense, num dia marcado por rumores de que finalmente renunciaria, o ditador Hosni Mubarak anunciou à noite que transferirá poderes ao vice Omar Suleiman, mas se recusou a deixar o cargo. Ele assegurou que se mantém presidente até as eleições de setembro. Antes eufórica com a expectativa da renuncia, a multidão que assistia ao discurso num telão, no Centro do Cairo, reagiu com fúria: manifestantes lançaram sapatos para o ar, aos gritos de "Fora!", exigindo a saída de Mubarak. A decisão mergulha o país na incerteza, com novos protestos marcados hoje. O Exército mandou mensagens ambíguas. Militares, que mais cedo declararam apoio aos manifestantes na praça, pareceram recuar após a decisão do presidente. Embora Mubarak não tenha dito quais poderes serão transferidos, o embaixador do Egito nos EUA, Sameh Shoukry, disse que todos eles, inclusive o comando das Forças Armadas, estão nas mãos de Suleiman, fiel escudeiro de Mubarak: "O chefe de Estado é Hosni Mubarak, mas o presidente de fato é Suleiman", disse a CNN.

Da euforia à fúria

A REVOLTA DO MUNDO ÁRABE

Mubarak transfere poderes a vice, mas não renuncia, acirrando os protestos no país

CAIRO –Depois de manter o país em suspense num dia marcado por rumores e declarações controversas, o presidente do Egito, Hosni Mubarak, ignorou centenas de milhares de pessoas que gritavam "Fora!" no centro do Cairo e insistiu em permanecer no cargo até a realização das eleições presidenciais, previstas para setembro. Num discurso populista e paternalista, Mubarak lamentou as vidas perdidas em 18 dias de levante popular, prometeu estudar reformas constitucionais e outorgar alguns de seus poderes ao seu fiel escudeiro, o vice-presidente, Omar Suleiman.

O pronunciamento frustrou as expectativas de renúncia e enfureceu os manifestantes que se aglomeravam na Praça Tahrir, comemorando antecipadamente a vitória da revolta que há 18 dias sacode o país. A decisão do ditador despertou dúvidas sobre o seu real envolvimento no processo de transição. Depois de Mubarak garantir que não aceitará "ingerências externas" no país, o embaixador do Egito nos Estados Unidos, Sameh Shoukry, esclareceu à rede CNN o que o presidente não fez em seu discurso: todos os poderes presidenciais, inclusive o comando das Forças Armadas, estão nas mãos de Suleiman.

- Pela lei, o chefe de Estado é Hosni Mubarak. Agora, no entanto, o presidente de fato é Omar Suleiman - assegurou o diplomata, tentando amenizar o impacto do recado velado enviado à Casa Branca pelo presidente.

Alguns analistas se apressaram em justificar a estratégia como uma tentativa de desestabilizar a oposição e transformar os protestos em desordem e violência. Em seu pronunciamento à nação, que começou com pelo menos 45 minutos após o horário previsto, o presidente também ignorou o fato de que várias facções opositoras já abandonaram as negociações para a transição e destacou avanços. Ele também mencionou cinco artigos que devem ser alterados na Constituição egípcia: 76, 77, 88, 93 e 189.

- Começamos um diálogo nacional construtivo, e isto resultou em harmonia para que consigamos avançar a um cronograma e para que implementemos uma transição democrática até setembro. Falo a vocês, jovens do Egito, a quem aprecio profundamente como símbolo de uma nova geração em busca de um futuro melhor. O sangue de seus mártires não será perdido - afirmou o líder octogenário.

ElBaradei pede que Exército intervenha

Logo depois, foi a vez de Suleiman ir à TV assegurar seu comprometimento com a transição democrática e pedir aos manifestantes que retornassem às suas casas. Recorrendo à estratégia de culpar "forças externas" pelo levante popular contra a ditadura, Suleiman também conseguiu irritar ainda mais os egípcios ao pedir que o povo não dê atenção "às emissoras por satélite que não têm interesse no benefício do país" - numa referência às redes de TV CNN, BBC, al-Arabiya e sobretudo a al-Jazeera, cujo sinal chegou a ser cortado pelas autoridades egípcias.

Enquanto nas ruas as manifestações devem se intensificar hoje, sexta-feira, dia sagrado dos muçulmanos, políticos opositores também reagiram indignados ao discurso de Mubarak. Depois de aparentemente manter-se alheio às negociações por alguns dias, o ex-chefe da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e Prêmio Nobel da Paz Mohamed ElBaradei defendeu a interferência das Forças Armadas para solucionar a crise.

"O Egito explodirá e precisa ser resgatado agora pelo Exército", escreveu ele em sua conta no Twitter.

Milhares de usuários também recorreram ao serviço de microblog para expressar sua insatisfação com o ditador. Mais cedo, muitos brincavam com o clima de suspense e a expectativa pelo discurso do ditador e, usando a hashtag #ReasonsMubarakIsLate (motivos pelos quais Mubarak está atrasado), egípcios e estrangeiros atribuíam razões estapafúrdias à demora do esperado anúncio pela renúncia - que acabou não ocorrendo.

Além de raiva, a sensação coletiva era de profunda decepção, já que horas antes do discurso, os egípcios chegaram a comemorar - errônea e antecipadamente - a saída do ditador.

- Ele já tentou dividir o povo antes. Mas o povo já conhece sei jeito de agir - desabafou o jovem Hazem Khalifa, um químico, garantindo que os protestos vão continuar.

No meio de uma multidão que sacudia sapatos no ar - sinal de desrespeito máximo na cultura islâmica - um juiz defensor da reforma política, também pedia a interferência do Exécito.

- O presidente já perdeu sua legitimidade há muito tempo. As Forças Armadas devem interferir e tirá-lo antes que seja muito tarde - advertiu Hisham Bastawisi.

Após o discurso, pelo menos mil pessoas marcharam em direção à sede da TV estatal, a algumas quadras da Praça Tahrir, que acabou cercado pelos opositores no fim da noite.

Boatos de renúncia reforçaram protestos

Os rumores sacudiram o país desde cedo, quando militares do alto escalão se reuniram sem a presença do presidente. Numa entrevista à rede BBC em árabe, o primeiro-ministro Ahmed Shafiq também sugeriu que Mubarak poderia deixar o cargo. Em outro sinal que alimentou a boataria, comandantes foram à Praça Tahrir pela primeira vez em 17 dias afirmar aos manifestantes que "eles teriam suas demandas atendidas" - atraindo ainda mais gente ao centro da capital. Durante todo o dia, o clima foi de euforia. Homens, mulheres e crianças comemoravam o triunfo, agitando bandeiras egípcias, entoando canções de ordem, exibindo o V da vitória, aos gritos de "Deus é grande".

Revolução 2.0:: Merval Pereira

No início da crise que atinge o Egito, o presidente Hosni Mubarak disse ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que ele não conhecia "a psicologia" do povo egípcio, e por isso não entendia que sua saída do poder poderia levar o caos ao país. Quinze dias depois, tudo indica que a permanência de Mubarak no poder, como ele anunciou ontem, é que poderá levar o Egito ao caos.

A chave para entender o que pode acontecer a curto prazo no Egito está no comportamento do Exército, que até o momento teve movimentos de apoio ao ditador Hosni Mubarak, mas de maneira geral tem mantido a Praça Tahrir como um local liberado para os protestos, que agora tendem a ficar mais radicalizados diante da frustração com a decisão de Mubarak de permanecer à frente do governo até setembro.

Nada indica que ele tenha condições políticas para tal, a não ser que os militares aceitem reprimir os manifestantes em todo o país com uma violência que os marcará para sempre.

Embora Mubarak tenha claramente rejeitado no seu pronunciamento as pressões americanas pela sua saída, é improvável que ele se mantenha no poder apenas à custa da repressão política.

Ele perdeu a legitimidade para ficar à frente do poder e ameaça levar consigo a legitimidade dos militares, além de ter perdido o apoio incondicional dos Estados Unidos.

Cidadãos acampados na Praça Tahrir, no Cairo, já não escondem a cara para falar mal diretamente de Mubarak em depoimentos à imprensa estrangeira, e a tônica é de que ele já não os representa mais, já não merece seu respeito.

O gesto ofensivo de mostrar o sapato e a palavra de ordem "nós ficamos, ele sai" resumem bem o estado de espírito dos manifestantes.

Já não há mais praticamente setores da sociedade que apoiem a permanência de Hosni Mubarak no governo, e a prova disso são as diversas greves que estouraram ontem pelo país, numa demonstração de que mesmo quem nos primeiros dias queria a volta da normalidade, para que os negócios continuassem sem ser prejudicados, hoje já considera que a presença de Mubarak no poder se tornou o principal obstáculo à volta da normalidade ao Egito.

Ficou evidente durante todo o dia de ontem que as pressões dos Estados Unidos chegaram ao nível militar e do aparelho de segurança, com o diretor-geral da CIA tendo dito no Congresso que era mais do que provável que Mubarak anunciasse ainda ontem sua renúncia, o que acabou não acontecendo.

Não há indicações seguras sobre que tipo de apoio ainda possui Mubarak para resistir às pressões que vêm das ruas do Egito e dos Estados Unidos, mas o que fica cada vez mais claro é que a frustração e o rancor, que dominam as manifestações em diversos locais do Egito, podem transformar cidadãos pacíficos em ativistas violentos, o que daria à situação uma nova e preocupante moldura.

Há entre os analistas o temor de que Hosni Mubarak tenha decidido radicalizar sua posição justamente para provocar atitudes violentas por parte dos manifestantes, o que justificaria uma intervenção militar a seu favor, para controlar a situação no país.

O que mais aparece nos depoimentos e entrevistas que cidadãos comuns dão às televisões estrangeiras, diretamente da Praça Tahrir, é a disposição de resistir "até a morte".

Wael Ghonim, o chefe de marketing do Google no Oriente Médio e na África, que criou a página "Todos somos Khaled Said" - em referência ao sacrifício do feirante no interior do país que desencadeou essa onda de revolta que já entra no seu 16º dia - deu entrevistas ontem dizendo que não há dúvida de que o Egito está em meio a uma revolução, que ele chama de "Revolução 2.0" por causa da influência da internet na mobilização dos manifestantes.

Ghonim declara que está disposto a morrer para alcançar o objetivo de ter no Egito "mais liberdade", e considera-se um alvo dos serviços policiais que ainda apoiam o ditador Hosni Mubarak.

O que aumentou a frustração dos manifestantes diante da ducha de água fria que foi o pronunciamento à noite de Mubarak afirmando que pretende ficar no poder até setembro, quando haveria a eleição que selaria a transição política no país, foi que as informações enviadas durante todo o dia indicavam o contrário.

Wael Ghonim, por exemplo, a certa altura do dia enviou um tweet para seus milhares de seguidores dizendo: "Missão cumprida".

Diante de milhares de manifestantes reunidos na Praça Tahrir, o chefe do Exército, Hassan al Rowen, havia dito que "todas as demandas da população vão ser atendidas".

A versão oficial, após a reação frustrada e raivosa da multidão, é de que o ditador Hosni Mubarak, embora continue sendo o presidente, já não tem mais poderes reais, que foram transferidos para o vice-presidente Omar Suleiman, que hoje é o presidente de fato.

Para efeitos oficiais, esse arranjo é aceitável, inclusive porque os Estados Unidos trabalhavam com a hipótese de não humilhar Mubarak na sua saída.

Mas, para a multidão reunida na Praça Tahrir, esses arranjos políticos já não satisfazem. Para fazer as reformas, talvez seja possível esse arranjo, mas será preciso dar aos cidadãos amotinados alguma indicação de que a sua Revolução 2.0 não se frustrará.

É pouco provável que a tentativa de permanência de Hosni Mubarak na Presidência resista à fúria das ruas.

FONTE: O GLOBO

A praça vencerá:: Míriam Leitão

Cada vez que o presidente Hosni Mubarak fala, mais enfurece os manifestantes, por isso é de se esperar um aumento ainda maior da força do protesto, hoje. A proposta de passar poderes para o vice-presidente, Omar Suleiman, não é a solução. Os dois são irmãos siameses. No décimo sétimo dia de manifestação, os egípcios pareciam cada vez mais determinados.

Nas horas que antecederam o pronunciamento de Hosni Mubarak, ontem, o Egito ficou cheio de especulações. Até porque ele normalmente grava seus discursos. Ontem, decidiu falar ao vivo. Mas, para todos os observadores, estava claro que, independentemente do que dissesse, a Praça Tahrir tinha vencido a queda de braço de três semanas.

O grande evento definidor tem sido a resistência do povo egípcio. Ele simplesmente não quer desistir. Houve um momento, depois do décimo primeiro dia, em que parecia que a oposição estava num beco sem saída. A praça começou a se esvaziar; a Fraternidade Muçulmana aceitou negociar com o vice-presidente, Omar Suleiman.

Mas a oposição voltou para as ruas e iniciou uma nova tática: greves e ameaças de greves, como a marcada para hoje pelos seis mil trabalhadores do Canal de Suez. Já estão de braços cruzados os trabalhadores das indústrias de cimento, algodão, siderurgia, com os sindicatos, que sempre foram atrelados ao governo, declarando-se a favor da manifestação.

Algumas dessas indústrias produzem insumos para o Complexo Industrial Militar, que é grande no Egito, com direito até a um Ministério da Produção Militar. Esse complexo industrial é formado por várias empresas com algo em comum: são geridas por generais, almirantes e brigadeiros.

A economia nestas três semanas está entrando em colapso. Desabastecimento, falta de papel moeda, cancelamento de projetos de investimento e fechamento de multinacionais passaram a ser parte do cotidiano. A Bolsa está fechada desde o início dos protestos e marcou a reabertura para domingo. O país está sofrendo uma sangria diária com fuga de capitais de estrangeiros e dos militares egípcios.

As manifestações voltaram a ganhar força até nas pequenas cidades. Ontem, em Kharga, uma cidade pequena, num oásis no Sudoeste do país, houve um confronto em que a polícia atirou e matou cinco pessoas e feriu dezenas.

As adesões são diárias, inclusive de jornalistas. Houve vários outros episódios de jornalistas da TV e do jornal do governo se negando a trabalhar e indo para a praça.

Um sinal de que a era Mubarak está chegando ao fim foi dado pelos militares, ontem. Houve uma reunião do Conselho das Forças Armadas. Mubarak é presidente do Conselho e normalmente participa da reunião. Ele não participou. Logo depois dessa reunião, o porta-voz avisou que as Forças Armadas atenderiam aos anseios da população. Casos de adesão ao movimento da Praça Tahrir de oficiais de baixa patente estão se multiplicando.

Passagens de todas as partes do país para o Cairo se esgotaram nas últimas horas, dando sinais de que a manifestação marcada para esta sexta-feira será de grandes proporções. E uma greve geral foi marcada para sábado.

O discurso de Mubarak ontem foi surpreendente porque ele parecia fora da realidade. E enfureceu mais a população. Qualquer tentativa de sobrevida está fadada ao fracasso. A dúvida é até onde vão as mudanças egípcias. Há as eleições presidenciais marcadas para setembro, mas há também a dúvida sobre o Congresso eleito de forma fraudulenta, em novembro, onde 95% de representantes são ligados ao governo. A única forma de recomeçar um novo Egito é com eleições gerais.

O futuro dirá se o Egito vai manter um regime tutelado pelos militares, como tem sido há décadas, ou se caminhará para ser verdadeiramente democrático. Seja como for, nenhuma transição é possível sem que a oposição participe do processo negociador.

Unida pela praça, a oposição vai se dividir durante a disputa eleitoral, evidentemente. O futuro do país é uma esfinge a ser desvendada nas próximas semanas e meses. Mas a tenacidade demonstrada nas últimas três semanas pelos manifestantes em todo o país foi o fato detonador das mudanças que o país passará a viver a partir de agora.

O presidente Mubarak esteve todo o tempo atrás dos fatos. Poderia ter cedido mais cedo, e aí poderia ter encontrado a sua saída honrosa. Poderia ter nomeado alguém mais aceitável do que Omar Suleiman, sua eterna sombra, seu chefe de inteligência, para o cargo de vice-presidente. Poderia ter voltado para a Alemanha para reiniciar o tratamento contra o câncer. Havia várias portas de saída e ele preferiu repetir que fica.

As mudanças no Egito aumentam a incerteza no Oriente Médio. Não se sabe muito como será o futuro. O que já se sabe é que lá, como em qualquer país do mundo, quando a população vai para uma praça de forma corajosa, persistente e determinada, ela muda o curso da História. Vários capítulos ainda não estão escritos, mas o Egito nas últimas semanas inspirou o mundo e ajudou o Ocidente a fazer um curso intensivo para começar a entender as nuances e diferenças entre os países da região.

Os manifestantes da Praça Tahrir empurraram também a política externa americana para a mudança. Dois anos depois de empossado, o presidente Barack Obama tinha alterado pouco a linha em relação ao Oriente Médio. Não tinha ido além das palavras do pronunciamento feito no Cairo. Nos últimos dias, o discurso foi mudando diariamente, ao vivo, e transmitido para o mundo inteiro. Em uma semana, Mubarak deixou de ser definido como um aliado confiável para ser instado por Obama a iniciar a transição. Ele reagiu, insistindo em ficar, mas sua saída é uma questão de tempo.

FONTE: O GLOBO

Politização da Justiça:: Dora Kramer

Na falta de disposição (e vocação) para prestar serviços mais relevantes à Nação, a Câmara dos Deputados resolveu confrontar a Constituição.

Diante do grande número de eleitos que se licenciam dos mandatos para ocupar postos nos Poderes Executivos da União e dos Estados, a decisão "soberana" da direção da Casa foi dar posse aos suplentes usando o critério dos mais votados pelas coligações.

Coligação o leitor sabe o que é: aquele ajuntamento de partidos, mediante o qual nas eleições proporcionais o eleitor atira no que viu e acerta no que não viu. Por essa regra, dos 513 deputados, apenas 86 foram eleitos com votos próprios.

A norma é torta, mas é a que vale. Com base nisso, suas excelências acharam por bem ignorar uma série de decisões da Justiça considerando que os suplentes chamados a assumir os mandatos devem obedecer à ordem dos mais votados em cada legenda.

Por "Justiça", entenda-se o Tribunal Superior Eleitoral, cuja referência é a interpretação do Supremo Tribunal Federal, que, baseado na Constituição, deixou claro que os mandatos pertencem aos partidos e não aos eleitos.

Entre suas promessas de campanha, o novo presidente Marco Maia se comprometeu com os colegas a usar o critério que, a despeito de bater de frente com o entendimento do Supremo - guardião da Constituição, não custa lembrar -, atendia aos interesses da corporação.

Dito, assim o fez. Criou o fato consumado e agora recorre ao sofisma de que, se a coligação vale para a distribuição das cadeiras entre os titulares, vale também para os suplentes.

Ocorre, porém, que a Justiça tem decidido diferente. E tanto essas decisões têm base legal - a Constituição que se sobrepõe a todas as leis - que os deputados resolveram votar uma emenda constitucional que lhes permita contornar a decisão do Supremo. Se houvesse sustentação legal válida, não seria necessário propor alteração.

Na reclamação, os parlamentares lançam mão do argumento de sempre quando querem adaptar as leis às suas vontades. Reclamam da "judicialização da política". Não é a primeira vez que suas excelências ignoram a Constituição, o Supremo e que usam esse argumento que não para em pé.

Trata-se de um sofisma para esconder o que de fato tentam promover: a subordinação da legalidade aos interesses específicos de suas excelências. Em português mais claro, a politização da Justiça.

Poder de veto. O governo sinalizou, e José Sarney vetou, a nomeação do ex-deputado Flávio Dino para um posto no Ministério da Justiça.

Dino foi candidato ao governo do Maranhão pelo PC do B e protagonista de um dos mais graves confrontos entre PT e PMDB na última eleição.

Os petistas queriam apoiar Flávio Dino, mas a direção nacional os obrigou a fechar com o clã Sarney (Roseana) que agora não se conformou com a "colocação" do adversário.

Solução: pode ir trabalhar com Michel Temer na Vice.

No bunker. Reunião ontem à tarde juntou Antonio Palocci, Luiz Sérgio, Henrique Eduardo e Renan Calheiros no gabinete de Temer no anexo do Planalto.

Assuntos: salário mínimo e segundo escalão. O mínimo será votado na própria quarta à noite e ficará mesmo em R$ 545.

Quanto aos cargos, o PMDB fica com diretorias da Eletrobrás e Eletronorte, presidência da Funasa e algumas vice-presidências da Caixa e do Banco do Brasil.

Cessão de direitos. A presidente Dilma tem razões objetivas para não patrocinar as reformas tributária e política no Congresso. A primeira avaliou que é de execução impossível tal a quantidade de conflitos de interesses que, pelo jeito, ela não está disposta a arbitrar.

A segunda deixará que o antecessor patrocine "de fora para dentro". Será o grande estandarte nessa volta de Lula à cena política: uma reforma ao molde da conveniência do PT.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Foto sem retoque:: Eliane Cantanhêde

Dilma Rousseff passa por um teste e tanto na semana que vem, quando o Congresso vai reagir a três dados que se entrelaçam. O resultado será uma foto sem retoque do real equilíbrio de forças, para além da mera soma aritmética de partidos e partidários.

A votação do salário mínimo é prevista para a quarta-feira. O anúncio de pesados cortes nas emendas parlamentares, individuais e coletivas, está para sair. E as centrais sindicais tentam recuperar o espaço perdido como agentes políticos e de reivindicação.

O governo bateu pé e propôs um mínimo de R$ 545, enfiando um "caco" no texto para furar a fila das medidas provisórias que empacam a pauta. Mas a oposição joga para R$ 600, as centrais pressionam por R$ 580, e até as paredes da Câmara e do Senado sabem que o que está na mesa de negociações é R$ 560.

Os cortes recordes no Orçamento vão atingir a maior parte dos R$ 21 bi das emendas parlamentares e deixar enfurecidos os que são de partidos da base aliada, mas não se sentem tão aliados assim. Eles podem jogar a fúria na votação do mínimo, que tem impacto nas contas públicas, na inflação e nos juros.

No meio disso, as centrais, que passaram os oito anos de Lula bem companheiras, já mostram as garras para Dilma. Uma coisa é seus líderes negociando nos corredores do Congresso e nos gabinetes de governo. Outra, bem diferente, é manifestação de trabalhador nas ruas dos grandes centros.

O teste da próxima semana, porém, não é só de Dilma e do governo, mas da própria oposição. Olhando o palco, vão bem, por exemplo, o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza, de um lado, e os oposicionistas Roberto Freire (PPS) e ACM Neto (DEM), do outro. Um negocia, os outros esticam a corda.

E Aécio Neves, o líder natural e principal aposta tucana? Ninguém sabe, ninguém viu. Ou está nos bastidores, ou simplesmente não está nem quer estar.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Democracia sob o sol a pino:: Maria Cristina Fernandes

No papel do artista mambembe Lorde Cigano, da caravana Rolidei, José Wilker monta seu picadeiro no sertão e anuncia que realizaria o sonho de todos os brasileiros. Uma chuva de flocos de algodão cai sobre a maravilhada plateia enquanto Cigano declara: "Agora, como em todo país civilizado, o Brasil também tem neve".

A cena é de "Bye Bye Brasil", de Cacá Diegues. O filme é de 1979, ano em que o Brasil iniciava o último governo da ditadura com desarranjos que levavam parte dos militares e dos civis a acreditar que o vaticínio de Samuel Huntington, se comprovaria.

Conselheiro do governo Médici, o futuro autor de "O Choque das Civilizações" (1997), Huntington advertiu-o de que o relaxamento de controles provocaria uma explosão de demandas sobre as quais o regime não teria controle.

Venceu a tese da abertura gradual, mas a crise econômica que presidiria o governo João Figueiredo e as tensões que marcaram a transição para o governo Sarney deram, até a bomba do Riocentro, sobrevida aos partidários da linha dura.

A lógica ianque, que descria nas chances da democratização brasileira pela ausência de instituições tão desenvolvidas quanto as dos ricos, também influenciaria a visão tupiniquim de que a saída para fazer nevar passa pela cópia de suas instituições. Essa visão alimentou o debate político ao longo dos últimos 30 anos e, ainda hoje, a cada leva de iniciativas reformistas, volta ao asfalto em botas de couro sob o sol a pino.

Seus proponentes, adeptos do voto em lista, distrital, distritão ou bambalalão são movidos pelo desejo de reduzir a competição na política. Não é à toa que as propostas sempre apareçam depois de eleições. Os sobreviventes temem não ter uma nova oportunidade de sobreviver à arena eleitoral. A plateia adere por inércia e sob a ilusão de que um novo sistema eleitoral funcione com pega-ladrão e faça nevar.

Aos reformistas da hora somem-se os analistas, cada vez mais frequentes desde a crise financeira internacional, que levantam preocupações com a possibilidade de os países emergentes terem um peso maior na ordem mundial.

No Valor de ontem, Dani Rodrik, professor de Economia Política em Harvard, foi buscar em Huntington os fundamentos para seu argumento de que o crescimento econômico não apenas é insuficiente para a estabilidade política como pode multiplicar as demandas e provocar mudanças que chamou de devastadoras.

Em outro artigo no Valor (11/10/2010), Rodrik já demonstrara que seu foco vai além dos manifestantes da praça Tahir. Neste texto exibiu sua descrença na estabilidade de uma ordem global em que Brasil, China, Índia e África do Sul tenham maior preponderância. São países que, segundo argumentou, mostraram, até agora, pouco interesse em contribuir para a construção de regimes globais: "Se o centro de gravidade da economia mundial mudar substancialmente para o lado dos países em desenvolvimento, o processo não será suave - e possivelmente nem mesmo benigno".

Professora da USP e organizadora da conferência internacional que, na próxima semana, sob os auspícios da Associação Internacional de Ciência Política e sua congênere nacional, a ABCP, debaterá em São Paulo as mudanças nas relações entre os hemisférios Norte e Sul, Marta Arretche diz que essas análises movem-se como o sarrafo do salto em altura. Imprensa livre, eleições limpas e Judiciário independente já não bastam. Agora os movimentos sociais também têm que estar sob controle.

"Países em desenvolvimento foram condenados pela teoria à incapacidade crônica de incorporar social e politicamente seus cidadãos e agora estão desafiando esse postulado", diz Marta, citando Adam Przeworski, pioneiro na desconstrução da teoria de que a democracia só sobrevive sob a neve.

Há imperfeições em toda parte, diz, mas ninguém acredita que a democracia americana esteja em risco porque um juiz da Flórida indeferiu um pedido de recontagem de votos que deu vitória a George W. Bush sobre Al Gore. Tampouco há sinais de descontrole num país em que um jovem, insuflado à violência pelo ultrarreacionarismo do Tea Party, atira numa deputada do Partido Democrata que votou pela reforma da saúde. E, finalmente, não se manifestam dúvidas de que a governança mundial está segura sob a liderança de um país em que o medo do perigoso comunista Barack Obama inflacionou a venda de armas.

A xenofobia tem inspirado política de governos e a eleição de parlamentares em toda a Europa e, nem por isso, alardeia-se déficit democrático no continente. É o superávit de neve que parece equilibrar essa balança institucional.

Um dos convidados da conferência, Peter A. Gourevitch, da Universidade da Califórnia, não vê modelos a serem transplantados aos países em desenvolvimento. Otimista em relação ao esforço regulatório das finanças mundiais, Gourevitch diz que a economia americana recupera-se numa esfera marcada pela consolidação do multilateralismo.

Em artigo publicado no ano passado ("The Politics of Stock Market Development", Review of International Political Economy) Gourevitch analisou o desempenho das bolsas de valores de 82 países entre 1975 e 2004 e constatou que aqueles governados por coalizões de centro-esquerda promoveram políticas de transparência e proteção aos acionistas mais atraentes ao investidor do que aqueles presididos por alianças orientadas à direita. O artigo cita o Brasil governado pelo PT.

A numeralha de Gourevitch engrossa a percepção de que se a democracia sobreviveu num país sem neve ao longo dos últimos 26 anos é porque a maioria levou vantagem.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Risco de dar um passo para trás:: Alberto Carlos Almeida

Há reformas que levam o nome de reformas. Existem muitos exemplos dessa modalidade de mudança na agenda de privatizações do governo Fernando Henrique. FHC disse que iria fazer reformas e as fez. Há também aquelas reformas que são profundas, mas não levam o nome de reformas. Foi assim com a aprovação da reeleição. O instituto da reeleição, já está muito bem provado por vários estudos acadêmicos, fez com que nossos governantes se tornassem mais responsáveis do ponto de vista fiscal. O PT passou por uma enorme reforma interna, que não levou esse nome, mas teve um formidável impacto no funcionamento do sistema político brasileiro. O PT no governo, já no primeiro mandato de Lula, se reformou inteiramente, deixou de ser um partido obrista e radical para ser um moderado partido social-democrata.

Estamos agora diante de propostas de reforma que são, na realidade, antirreformas. Elas significam mais um passo para trás do que para frente. São várias as propostas na direção de mexer naquilo que vem funcionando razoavelmente bem nos últimos anos. Uma dessas é a ideia não testada do distritão. Aliás, que nome infeliz! Distritão rima com mensalão. O tal distritão não é adotado em nenhum país do mundo. Se não me falha a memória, foi o nosso sistema no Brasil Império, quando não tínhamos partidos políticos. A proposta básica é que os Estados sejam distritos eleitorais e os candidatos mais votados sejam eleitos deputados. Feito isso, de fato poderemos abolir os partidos políticos. Se um Estado elege 50 deputados estaduais, teremos 50 minigovernadores que para ser eleitos dependeram apenas de seu esforço.

A minha principal crítica a propostas dessa natureza é uma crítica tipicamente conservadora, inspirada em Edmund Burke, o grande pensador conservador que escreveu o famoso livro "Reflexões sobre a Revolução em França". O argumento conservador é muito simples. Nós, individualmente, quando cuidamos de nossa vida, tendemos a ser conservadores. Tomem-se as nossas relações pessoais e de amizade. No decorrer dos anos elas mudam, porém de maneira incremental. Nós não trocamos de um ano para o outro todo o nosso conjunto de amigos e conhecidos. Isso não é feito porque causaria uma enorme disrupção, de consequências imprevisíveis, em nossa vida. Mais ainda, caso quiséssemos voltar atrás, seria muito mais difícil do que se a mudança tivesse sido incremental.

Como somos conservadores e prudentes quando o que está em jogo é cada um de nós, o que dizer então quando se trata de coisas que têm impacto sobre a vida de milhões de pessoas. As instituições políticas, em particular as de representação, têm um enorme impacto sobre a vida de 135 milhões de eleitores brasileiros habilitados a votar. Mexer em tais instituições é mexer com a vida de todas essas pessoas. A ideia de reformar inteiramente um sistema eleitoral, abandonando o já testado sistema proporcional e adotando o distrital (com ou sem distritão) é resultado do espírito de inovação. É resultado não de um saber coletivo e social, mas de um saber egoísta e intelectual.

Alguns intelectuais leram alguns livros e aprenderam que há países que adotam o sistema distrital. Além disso, tais intelectuais pressupõem que o sistema brasileiro funciona mal. Nem sequer investigaram quais são as críticas em seus respectivos países ao sistema distrital. Há atualmente na Grã-Bretanha, que deu origem ao sistema distrital, uma grande discussão para que haja algum tipo de voto proporcional. Ou seja, tais intelectuais querem adotar aquilo que os seus criadores estão pensando em modificar. Continuando o raciocínio, tais defensores do voto distrital idealizam positivamente o que acontece nos países que adotam esse sistema e idealizam negativamente o que acontece no Brasil com o voto proporcional. Aí é fácil concluir que nós precisamos adotar o sistema distrital.

É preciso deixar as idealizações de lado. Elas levam com muita frequência a propostas mirabolantes que desconsideram o saber prático já acumulado nas instituições existentes. É preciso admitir que há alguma boa razão para o Brasil adotar o sistema proporcional, senão ele não seria tão longevo em nosso país. Aliás, cabem aqui os parênteses: o que realmente importa na discussão sobre a reforma de nosso sistema eleitoral é se queremos um sistema proporcional, tal como é hoje, ou se queremos um sistema não proporcional, o que é o caso do distrital. Devemos saber as consequências dos dois sistemas. Quando se adota o sistema distrital, caminha-se para uma disputa somente entre dois grandes partidos. É comum também que o partido mais votado, caso fique com 40% dos votos, eleja 55% ou mais dos deputados. Se quisermos isso, então devemos modificar nosso atual sistema.

Mais interessante ainda foi o que aconteceu com a maior parte dos países do mundo. É extremamente comum que um país inicie sua jornada pelo mundo democrático com o voto distrital, mas depois de alguns anos reforme o sistema caminhando para o sistema proporcional. Ou seja, abandonar o distrital e adotar o proporcional é muito comum. Não se pode afirmar o mesmo da trajetória inversa. São muito raros os casos de países que tinham sistemas proporcionais e passaram para o sistema distrital. O motivo é simples: como há uma grande redução do número de partidos importantes, há um poderoso veto a uma reforma nessa direção. É justamente isso que estamos vendo no Brasil. Caso o nosso sistema se transforme no distrital, devemos dar adeus o quanto antes ao PDT, PSB, PC do B, PV, PPS e muitos outros partidos que têm poucos deputados. O distritão provavelmente teria o mesmo efeito.

O mais interessante é analisar a lista de países que adotam o sistema distrital. Na sua forma pura, os países que o adotam são Grã-Bretanha, Estados Unidos, Canadá, Índia, Paquistão, Bangladesh, Nepal, Malaui e Zâmbia. Desnecessário mostrar que há uma forte correlação entre influência anglo-saxã e adoção do sistema distrital puro. Os outros países que adotam esse sistema com algumas variações são França, Mali, Austrália, Tailândia e Filipinas. No total, 14 países optaram, baseados em sua história, seus costumes, suas influências coloniais, pelo sistema distrital.

A lista de países que optaram pelo sistema proporcional é muito mais longa. Além do Brasil, ela conta com África do Sul, Argentina, Áustria, Bélgica, Bulgária, Colômbia, Costa Rica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, Grécia, Holanda, Israel, Madagascar, Moçambique, Noruega, Paraguai, Peru, Polônia, Portugal, República Tcheca, Suécia, Suíça, Turquia, Uruguai e Irlanda. São 27 países. Quase o dobro da primeira lista os países de voto distrital.

O mais interessante diz respeito aos países que adotam os sistemas batizados de mistos, isto é, combinam características do sistema eleitoral distrital e do proporcional. São 13: Coreia do Sul, Equador, Japão, Rússia, Taiwan, Ucrânia, Alemanha, Bolívia, Hungria, Itália, México, Nova Zelândia e Venezuela. A Nova Zelândia, apesar da influência anglo-saxã, abandonou o sistema distrital puro que adotava no passado.

A Alemanha é sempre mencionada no Brasil como um grande exemplo de sistema eleitoral. Há aí mais uma idealização. Em que pese o nome de sistema misto, no sistema alemão a proporção ou número de cadeiras no parlamento que vai para cada partido é definido pela regra da representação proporcional. Os nomes de quem ocupa as cadeiras são distribuídos 50% para políticos eleitos em distritos e 50% para políticos eleitos na lista partidária. Isso significa que o sistema eleitoral alemão é, em seu espírito, um sistema proporcional, repito, o tamanho de cada partido é definido pela regra proporcional.

Os argumentos a favor da representação proporcional que adotamos são os seguintes: é o sistema que vem sendo utilizado no Brasil em todos os períodos democráticos que vivemos, ele está baseado na nossa experiência social e na demanda de nossos representados e representantes e, ainda que tenha muitos defeitos, a sua mera longevidade indica que tem alguma funcionalidade no nosso contexto. Além disso, a maioria das democracias utiliza o sistema proporcional. Mais ainda, é comum que um país mude do sistema distrital para o proporcional, mas não o inverso. Isso também diz alguma coisa: a pressão por proporcionalidade é sempre mais forte do que pelo seu oposto.

O argumento a favor do sistema distrital, com distritinho ou distritão, se resume a afirmar (mas não necessariamente a provar empiricamente) que o nosso é ruim, que ele é um desastre e que precisa ser modificado para algo realmente diferente. Convenhamos, trata-se de um argumento muito fraco. Melhor do que uma proposta mirabolante para nosso contexto histórico e social é simplesmente fazer mudanças incrementais em nosso sistema: proibir coligações, criar algum tipo de cláusula de barreira e até mesmo fazer uma lista fechada permitindo ao eleitor alterar a ordem da lista. Essas seriam propostas realistas que provavelmente resultariam em uma efetiva melhora de nossa representação. Caso isso não acontecesse, teríamos como voltar atrás sem grandes consequências negativas para o sistema. O mesmo não se pode dizer, infelizmente, do sistema distrital.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo".

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Inflação: o jogo está feito!:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

Com a definição dos cortes no Orçamento de 2011, o governo Dilma se diz preparado para enfrentar a aceleração da inflação que já assusta os mercados. Essa é uma herança do último ano do período Lula, quando todos os instrumentos possíveis foram usados para estimular o crescimento e, com isso, ganhar as eleições do ano passado.

A expansão agressiva do crédito nos bancos públicos -principalmente no BNDES- e uma expansão "nunca vista neste país" de gastos do governo fizeram com que a economia entrasse em 2011 com a inflação ameaçando o limite superior do sistema de metas.

A decisão de agora faz parte do plano de batalha estabelecido pelo Banco Central na última reunião do Copom: aumento moderado dos juros Selic, medidas administrativas para reduzir a expansão do crédito bancário e redução dos gastos do governo. Com esse elenco de medidas, o Banco Central acredita que 1,5 ponto percentual de aumento dos juros será suficiente para estabilizar a inflação em 4,5% ao ano ao longo de 2012.

Embora fazer uma avaliação das chances de isso ocorrer seja hoje muito difícil, vou pelo menos tentar trazer ao leitor da Folha algumas certezas que tenho. Aprendi com a vida que, em uma situação de insegurança, como a que vamos viver nos próximos meses, é importante definir o que pode ser previsto e deixar o resto apenas no campo das alternativas.

Em primeiro lugar, podemos esperar mais dois aumentos de 0,5 ponto nos juros Selic nos próximos três meses. Com a decisão de reduzir os gastos do governo, o BC perdeu a capacidade de surpreender o mercado com uma política de juros mais agressiva. E, se o BC sentir necessidade de reduzir ainda mais o crescimento do crédito bancário, deverá utilizar -mais à frente- medidas administrativas para fazê-lo.

Outra questão que foi respondida de forma clara com a decisão de corte do Orçamento diz respeito ao compromisso da nova presidente com o controle da inflação. Da mesma forma que Lula sempre liberou o BC para agir nesses momentos, Dilma dá agora sinais claros de seguir essa mesma cartilha.

Outra informação de natureza política que pode ser extraída desse evento é a de que o ministro Palocci realmente está por trás da ação do governo sobre a economia, deixando para o ministro Mantega a missão de porta-voz.

Aliás, esse é outro ponto que deve causar problemas à frente. Até as pedras sabem que, para combater a aceleração da inflação no Brasil de hoje, será preciso uma forte redução do ritmo do crescimento econômico.

E digo isso não por masoquismo ou revanchismo político, mas, sim, por um simples raciocínio econômico básico. Existe um forte componente de excesso de demanda -sempre em relação à oferta existente- na dinâmica da inflação de hoje.

E, o que é pior, um dos canais mais relevantes nesse processo -como tenho afirmado neste espaço- tem sido o mercado de trabalho. Sabemos pela experiência de outros países que, quando a situação de escassez de mão de obra qualificada se estabelece no mercado de trabalho, em uma situação de demanda pressionada, podemos estar entrando em uma região em que o aumento da inflação pode passar a ser exponencial.

Por isso, os comentários do ministro da Fazenda, ao tornar pública a decisão sobre o Orçamento de 2011, são perigosos. Ao garantir que os cortes não vão reduzir o crescimento deste ano -e que, segundo sua previsão, será de 5%- de duas, uma: ou a decisão tomada não é para valer, ou ele está falando da economia em Marte.

Não por outra razão vários analistas do mercado financeiro vêm expressando a opinião de que os cortes não serão totalmente realizados.

Esse ceticismo acaba por diminuir a eficiência das medidas adotadas, pois elas dependem da confiança dos agentes econômicos para serem bem-sucedidas. O ministro deveria pelos menos reconhecer a necessidade de uma moderação no ritmo da economia para acomodar as tensões inflacionárias. As coisas ficariam mais fáceis.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 68, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O que pensa a mídia

Editoriais dos Principais jornais do Brasil
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Executivo cria fórmula para furar fila de MPs na Câmara

Governo enviou projeto de lei que, além do reajuste do mínimo, trata de crime tributário; matéria penal não pode ser votada por MP

Lu Aiko Otta

BRASÍLIA - O governo encontrou uma fórmula para driblar a fila das medidas provisórias na Câmara e acelerar a votação da proposta que definirá o valor do novo salário mínimo. O texto enviado pelo Executivo, além da definição da política de reajuste até 2015, traz normas sobre o encaminhamento, ao Ministério Público, de denúncia contra pessoas e empresas que cometeram crime tributário, mas que parcelaram suas dívidas com a Receita Federal.

Esses artigos foram incluídos no texto porque tratam de matéria penal, que só pode ser regulada por projeto de lei, e não por medida provisória. Foi a forma que o governo encontrou para propor o novo mínimo por projeto de lei, uma vez que já tramita no Congresso uma MP propondo piso de R$ 540. O salário de R$ 545 começará a ser pago no mês seguinte à sua aprovação e sanção.

Tal como acordado com as centrais sindicais em 2006, o valor do piso salarial será reajustado a cada ano pela inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano anterior. Além da inflação, o mínimo terá garantido um ganho real (acima da inflação), igual ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Essa regra, segundo cálculos da área econômica, garantirá um crescimento real do mínimo da ordem de 30% nos próximos cinco anos.

Até 31 de dezembro de 2015 será enviado ao Congresso um projeto de lei regulando a valorização do salário mínimo no período de 2016 a 2019. Será instalado ainda um grupo interministerial, liderado pelo Ministério do Trabalho, para criar uma sistemática para avaliar a política de valorização do salário mínimo.

Se o projeto de lei não for aprovado este mês, como espera o governo, a despesa adicional para 2011 será de R$ 1,36 bilhão. Esse dado já estava presente nas contas que levaram ao corte de R$ 50 bilhões.

Ao falar desse corte, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, já havia deixado claro que o valor do mínimo não estava mais em negociação - o que está sobre a mesa, na conversa com as centrais sindicais, é o apoio delas à regra de cálculo do mínimo.

Se as centrais apoiarem os R$ 545, o governo discutirá a correção da tabela do Imposto de Renda de Pessoas Físicas.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

PPS oficializa pedido para que Câmara devolva ao Planalto projeto do mínimo

Para Freire, manobra do governo para aprovar mínimo de R$ 545 é "molecagem"

Valéria de Oliveira

O deputado federal Roberto Freire (SP), presidente nacional do PPS, protocolou no fim da tarde desta quinta-feira requerimento (leia íntegra abaixo) para que a Câmara devolva ao Executivo o projeto de lei que trata do salário mínimo e que tem como subterfúgio uma matéria penal para "furar a fila" das medidas provisórias, inclusive daquela que trata do próprio piso salarial do país. O requerimento de Freire afirma que o PL é "manifestamente antirregimental e ilegal".

O projeto do governo chegou no final da tarde, pouco antes de Freire entregar o pedido de devolução. O deputado classificou a manobra do governo de "molecagem" e rechaçou o fato de o Congresso Nacional ter sido alijado do processo de reajuste do salário mínimo, que, conforme o projeto, será definido por decreto até o fim do mandato de Dilma. "Se a Mesa não devolver, significa compactuar com o fura-fila, com a molecagem".

O governo quer aprovar um mínimo de R$ 545 e o PPS defende R$ 600.

Dignidade

Freire ressaltou que um dos aspectos fundamentais para o apoio do PPS ao então candidato a presidente da Câmara Marco Maia era o resgate da dignidade do poder Legislativo. A Câmara tem sido apenas "referendadora de medidas provisórias", não uma casa legislativa, lamenta. Com o projeto frankenstein do Planalto, diz Freire, é uma boa hora para Maia honrar o compromisso com a dignidade da Casa.

Fura-fila


Para furar a fila das MPs e votar rapidamente o mínimo que deseja, o governo incluiu um dispositivo que não tem nenhuma relação com o assunto: um artigo que disciplina "a representação fiscal para fins penais nos casos em que houve parcelamento do credito tributário". Essa manobra se deve ao fato de o assunto não poder ser tratado por medida provisória, o que "justifica" o PL e o consequente fura-fila.

"Em vários casos, estamos assistindo a um conflito de interpretação, como é o caso agora da suplência. E esta Casa precisa se afirmar. Como faremos isso? Do Executivo, não precisa nem trazer lembranças", disse Roberto Freire.

Freire chamou de excrescência o projeto do Executivo. "Para fugir da fila das 10 MPs que estão trancando a pauta na Casa, ela (Dilma) cria um fura-fila: insere uma matéria penal. Que desrespeito ao Congresso Nacional! Espero que a Câmara não aceite esse passa-moleque!".

REQUERIMENTO DE DEVOLUÇÃO DE PROPOSIÇÃO

(Do Sr. Roberto Freire)

Requer a devolução do Projeto de Lei nº 382, de 2011, ao Poder Executivo, por conter matéria flagrantemente ilegal e antirregimental.

Senhor Presidente,

Requeiro, nos termos § 1º do Art. 137 combinado com o Art. 125, ambos do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a devolução ao autor do Projeto de Lei nº 382, de 2011, por conter matéria estranha ao seu objeto, configurando-se como manifestamente antirregimental e ilegal.

JUSTIFICATIVA

O Projeto de Lei nº 382, de 2011, encaminhado hoje ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo, trata do novo valor do salário mínimo, e contém um dispositivo que não se relaciona de forma alguma com o seu objeto: trata-se do artigo que “disciplina a representação fiscal para fins penais nos casos em que houve parcelamento do crédito tributário”, certamente incluído no projeto por força de recente entendimento da Mesa, segundo o qual a matéria que não possa ser objeto de Medidas Provisórias passe a ter precedência sobre as mesmas na ordem de votação. Incluiu-se, assim, matéria relacionada a tributos com fins de ordem penal, a fim de que todo o projeto possa ser votado antes das 10 medidas provisórias que atualmente trancam a pauta da Câmara dos Deputados.

Ocorre que a “estratégia” é flagrantemente injurídica, por confrontar ordenamento previsto no inciso II do Art. 7º da Lei Complementar nº 95/98, que estabelece um mínimo de uniformidade às leis, conforme vemos a seguir:

“Art. 7º, II. A lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão.”

Ademais, o próprio Regimento Interno faculta ao Presidente devolver matéria antirregimental, o que entendemos também ser o caso em tela, pois o próprio Art. 125, adotado subsidiariamente para devolução de proposições, prevê que:

“O Presidente da Câmara ou de Comissão tem a faculdade de recusar emenda formulada de modo inconveniente, ou que verse sobre assunto estranho ao projeto em discussão ou contrarie prescrição regimental.”

A norma tem sua razão de ser, não só em função do aspecto da análise parlamentar do texto em questão, como principalmente da ordenação das leis, segundo a qual cada lei tratará de um único objeto, a fim de seguir a um princípio básico de organização, especialmente levando em conta que o principal destinatário é o cidadão, que a deve localizar, compreender e manusear, de forma clara e sem maiores dificuldades.

A existência de diversos dispositivos sem conexão alguma em um mesmo instituto legal proporciona um grande imbróglio jurídico, com um único assunto sendo tratado por leis variadas, e o pior: fruto de sua utilização conforme a conveniência e oportunidade do Poder Executivo, seja esta aproveitar o momento ou facilitar sua aprovação.

Lamentavelmente, não é de hoje que as mensagens do Poder Executivo chegam ao Legislativo com esse vício legal. As Medidas Provisórias demonstraram ser a arena predileta para tal prática, que foi até mesmo defendida em 2008, nesta Casa, pelo então Advogado-Geral da União, Jose Antonio Dias Toffoli, que disse ser usual a inclusão de vários dispositivos em uma só Medida Provisória e chegou , ainda, a afirmar que “Vai se editar uma medida provisória árvore de Natal, e quem vai dizer se aquela bola faz parte da árvore é o Judiciário”.

Ora, não podemos mais aceitar que o Executivo dite as regras do processo legislativo, e muito menos que tenhamos que recorrer ao Judiciário para sanar adversidades que são de nossa competência constitucional. Já é hora de o Poder Legislativo não mais aceitar tais práticas abusivas e ilegais vindas do Poder Executivo, negando-se a receber os projetos eivados de vícios, com propósitos espúrios, que só diminuem a envergadura do Congresso Nacional.

Sala das Sessões, em 10 de fevereiro de 2011.

Deputado ROBERTO FREIRE
PPS/SP
FONTE: PORTAL DO PPS

Sem esperar o Supremo, PT prepara volta de Dirceu

Partido fará mobilização a favor de deputado cassado no mensalão

Gerson Camarotti e Isabel Braga

Antes do evento festivo da comemoração dos 31 anos de fundação do PT, uma plenária especial na sede do partido decidiu lançar uma mobilização nacional em defesa do deputado cassado e ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu, no processo do mensalão. No processo no Supremo Tribunal Federal, Dirceu é acusado de ser o chefe da "organização criminosa" montada para comprar o apoio de partidos da base em troca de apoio ao governo Lula.

A mobilização foi definida porque o processo deve ser julgado este ano pelo Supremo. Dirceu também disse que já há um pedido formal do ex-tesoureiro Delúbio Soares para ser reintegrado aos quadros do PT, de onde foi desfiliado no auge do escândalo do mensalão.

- Quero ser julgado. Não quero que prescreva, quero que julgue antes. Sou contra julgar depois da prescrição, quero que julgue antes, confio no Supremo, confio na Justiça, nunca tive medo da Justiça. Enfrentei, nesses cinco anos, de peito aberto e cabeça erguida o país. Em todo lugar que vou discuto, debato. Vou em qualquer lugar, não tenho medo - disse Dirceu.

Na plenária lotada, que contou com representantes de todas as tendências do PT, Dirceu fez um relato do processo desde que surgiu o escândalo, em 2005. Segundo petistas presentes, ele disse que o seu caso foi o resultado de um processo de desestabilização política do governo Lula, e que há uma acusação sem provas.

- Nesses anos todos, nada provaram contra mim. Nem mesmo a acusação mais grave, de formação de quadrilha, foi provada.

PT promoverá atos ao longo do ano

O ex-presidente Lula afirmou, no fim do ano passado, que quando saísse do governo ajudaria a desmontar o que chamou de "farsa" do mensalão e a recuperar os direitos políticos de Dirceu. Na plenária, o entendimento é que houve uma montagem contra Dirceu e haverá um linchamento político do petista como desdobramento do julgamento do caso no Supremo.

A intenção do PT é fazer uma reação nacional e tentar mostrar o suposto processo político contra Dirceu. Estão previstos atos ao longo deste ano em defesa de Dirceu. Ele assumiu o compromisso de viajar pelo país para encontros com militantes.

- O partido tem que se preparar para defender os seus quadros. Ficou a imagem para o PT que esse é um processo político. Estamos preparando a militância para acompanhar esse processo no Supremo. O partido tem que esclarecer o que foi o mensalão e tem que se preparar para esse debate - disse o deputado licenciado Geraldo Magela (PT), secretário de Habitação do Distrito Federal.

Segundo relatos, Dirceu fez um agradecimento especial ao PT e disse que "se não fosse a militância não estaria onde está". A plenária especial ocorreu depois da reunião do Diretório Nacional. Estiveram presentes outros citados no caso do mensalão, como o ex-deputado Paulo Rocha (PT-PA) e o deputado Josias Gomes (PT-BA).

- Dirceu agradeceu de forma muito firme o apoio da militância. O PT vai fazer a defesa dele. E fica claro que esta defesa não é do Zé Dirceu, mas de todo o projeto do PT - disse Josias Gomes.

Membros do PT temem, porém, que a mobilização possa reabilitar outros envolvidos no mensalão. O ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, que foi expulso, tenta a refiliação. Nos últimos meses, vários dirigentes do partido saíram em sua defesa, como o presidente da legenda, José Eduardo Dutra, e o secretário Nacional de Comunicação do PT, deputado André Vargas (PT-PR). O argumento é que ele não pode ter uma pena eterna. A expectativa é que o caso seja analisado no Diretório Nacional em abril. Ontem, Dirceu confirmou que o assunto entrará na pauta.

- Vai ser colocado na pauta porque tem um pedido formal e o diretório vai analisar. Já existe o pedido formal. O diretório vai marcar uma data e analisar - disse Dirceu. - (Ele) já fez o pedido ao PT.

- Se tem pedido de Delúbio para voltar ao PT, ainda não chegou a mim - disse o presidente do PT, José Eduardo Dutra.

FONTE: O GLOBO

Repercussão do artigo de Serra

Artigo de Serra acentua divisão interna no PSDB

Entre críticas e elogios ao texto, tucanos e seus aliados concordam com a necessidade de unir mais a oposição

Adriana Vasconcelos e Flávio Freire

BRASÍLIA. Ao cobrar ontem, em artigo publicado no GLOBO, uma ação mais vigorosa da oposição, o ex-candidato tucano à Presidência José Serra acabou acentuando a divisão interna no PSDB. Embora o presidente do partido, deputado Sérgio Guerra (PE), tenha elogiado Serra, ressaltando a importância de sua participação ativa no cenário político nacional, as observações de Serra não foram bem recebidas por alguns setores do PSDB.

- Serra reclama da falta de oposição, mas, na campanha dele, ano passado, o slogan foi "O Brasil pode mais", que passava a ideia de continuidade do que vinha sendo feito por Lula. Essa foi a oposição que ele fez - criticou o deputado Márcio Bittar (PSDB-AC).

Para Guerra, porém, as ponderações de Serra merecem a reflexão de todos os tucanos. Ele discordou que o PSDB esteja vivendo uma crise interna. No artigo, Serra acusou o partido de não saber fazer oposição e destacou o risco de a legenda se apequenar, frustrando os 44 milhões de eleitores que votaram nele no segundo turno. E condenou disputas entre companheiros.

- Não vejo essa tal crise no PSDB. Agora mesmo, acabamos de eleger os líderes das nossas bancadas na Câmara e no Senado por unanimidade. Uma parcela grande de deputados e senadores me indicou para disputar a reeleição para a presidência do partido. Agora, a preocupação de Serra em unir a oposição é sensata. Aliás, o partido não quer nada diferente disso - disse Guerra.

O líder do PSDB na Câmara, deputado Duarte Nogueira, concordou com a preocupação de Serra quanto às divergências internas.

- Mas é natural que, num partido como o PSDB, com tantas lideranças, se acabe gerando expectativas sobre um ou outro - disse.

Para o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), o artigo de Serra mereceu apenas elogios:

- Muito bom. É o Serra velho de guerra de volta, animado e combativo.

Já o presidente nacional do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), foi irônico:

- Fico feliz que o Serra esteja falando isso agora. Muitas das matérias que queríamos ter votado no Congresso no ano passado, em favor dos aposentados e dos trabalhadores, não foram levadas adiante por causa do Serra, que, como candidato à Presidência, pediu para que não votássemos.

O senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), que se candidatou ao governo do estado apenas para dar palanque a Serra em Pernambuco, chegou a ler o artigo no plenário do Senado.

Para Roberto Freire, presidente do PPS, partido que formou aliança com Serra, a oposição, "embora dividida", está exercendo seu papel:

- A oposição está, sim, um pouco dividida, mas a oposição está presente. Seja na discussão do salário mínimo, nas críticas à ausência de investimento e aos apagões.

O líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza, ironizou o artigo de Serra. Segundo o petista, a discussão colocada pelo tucano parece mais "um acerto de contas dele com seus aliados".
FONTE: O GLOBO

O Brasil não foi inventado por Lula, diz Itamar

No Senado, Itamar quer propor o fim da reeleição

Ex-presidente, que está na comissão de reforma política, quer acabar com a "ditadura partidária"
BRASÍLIA. Em sua segunda semana de Senado, o ex-presidente Itamar Franco (PPS-MG) mostrou que não aceitará o papel de coadjuvante. Indicado pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), para integrar a comissão especial da reforma política, Itamar adiantou que defenderá o fim da reeleição, que, em sua opinião, representa um dos maiores absurdos criados no país. Ele disse que a reeleição provocou o aumento da corrupção.

Além disso, Itamar promete estudar uma fórmula para acabar com o que chama de "ditadura partidária", onde um pequeno grupo comanda as legendas. Sua ideia é permitir candidaturas avulsas de pessoas em qualquer filiação, a qualquer cargo eletivo.

- Vou propor o fim da reeleição, ainda que tenhamos de estabelecer um mandato maior para os governantes, de cinco anos - disse Itamar.

Itamar não pretende ouvir calado colegas, especialmente do PT, que, segundo ele, acham que o Brasil foi inventado no governo do ex-presidente Lula. Ele interrompeu um pronunciamento no qual o senador José Pimentel (PT-CE), falando sobre os 31 anos do PT, ressaltava conquistas do governo Lula.

- Daqui a pouco, Vossas Excelências vão dizer que foi o presidente Lula que abriu os portos e não Dom João VI.

Mais tarde, já no cafezinho do Senado, Itamar foi surpreendido com um abraço por trás do senador Fernando Collor. Em seguida, ao ser abraçado do mesmo modo pelo senador Lindberg Farias, brincou:

- Quando me abraçar pelas costas, fale logo o nome.

FONTE: O GLOBO

Senador Jarbas faz “chamamento” à oposição

O senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) voltou à tribuna do Senado ontem, desta vez para fazer um “chamamento” à oposição, para que os partidos do bloco se unam e discutam uma agenda conjunta de ações. Jarbas tomou como base para o seu discurso um artigo do ex-governador José Serra (PSDB-SP), publicado ontem, intitulado “Oposição pra quê?”, no qual o candidato derrotado à Presidência da República critica a briga entre grupos de tucanos pelo controle do partido, já de olho nas eleições de 2014, e cobra da própria legenda unidade e uma posição mais clara de oposição ao governo Dilma Rousseff.

“A verdade é que, entre 2007 e 2010, as reuniões envolvendo oposicionistas foram raras, muito raras. Aliás, em uma das poucas vezes em que nos reunimos, a oposição reuniu os partidos e os dissidentes que faziam oposição nesta Casa e nós conseguimos derrotar, neste plenário, a CPMF”, afirmou o peemedebista. “O que a oposição tem que fazer é se organizar”, prosseguiu.

Foi a segunda vez que Jarbas foi à tribuna no início do ano Legislativo. A primeira aconteceu anteontem, quando cobrou a aprovação de uma proposta de emenda constitucional para pôr fim às coligações proporcionais. No pronunciamento de ontem, ele leu todo o artigo de Serra, enfatizando que a oposição saiu das urnas com tanta legitimidade e responsabilidade quanto o governo, e que o bloco não deve “se omitir”.

“Se a oposição não se fizer presente agora, então quando? Fazer oposição por quê? Porque o País experimenta um óbvio desequilíbrio macroeconômico, que reúne a inflação em alta, juros estratosféricos, câmbio desajustado, vertiginoso déficit do balanço de pagamentos e infraestrutura em colapso”, declarou Jarbas, citando um trecho do artigo escrito por Serra.

O peemedebista endossou todas as críticas de Serra às gestões de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma, recém-iniciada. Citou a briga pública por cargos no setor elétrico entre os aliados – no caso entre peemedebistas –, a elevada carga tributária, a “imperícia” na não prevenção de desastres naturais e até “as trapalhadas no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio)”.

“O ex-governador José Serra dá uma imensa contribuição ao processo político brasileiro, no momento em que escreve um artigo como o de hoje (ontem), para que possa sensibilizar grande parte da população, mais de 40% da população que nele votou, e sensibilizar, sobretudo, nós oposicionistas”, afirmou o peemedebista.

Jarbas considerou o artigo do ex-governador deve servir como “um norte” à atuação da oposição.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Sindicatos: "Equívoco total"

Entre os sindicatos ligados ao funcionalismo, as reações contrárias ao enxugamento orçamentário foram imediatas. Para as entidades, ao não realizar seleções, represar as chamadas dos aprovados e reduzir espaços para possíveis reajustes salariais, o governo assume riscos que podem fazer com que a máquina estatal trave ou funcione mais lentamente.

Para o secretário-geral da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB), Sebastião Soares, a medida é um “equívoco total e absoluto”. “O governo vai provocar um sucateamento de setores que já apresentam deficiências, como saúde e segurança”, ressaltou. As preocupações dos representantes dos servidores incluem ainda as negociações em torno do contracheque. “As conquistas obtidas em rodadas anteriores não serão implementadas”, resumiu Soares.

José Carlos Oliveira, secretário-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União (Fenajufe), disse que o corte de R$ 50 bilhões prejudica a aprovação do projeto de lei que prevê aumento médio de 56% para os servidores da Justiça federal. “É mais um elemento que vai na contramão do que defendemos, que é a valorização do servidor”, explicou. Em 23 de março, os funcionários do Judiciário vão realizar um dia de mobilização para cobrar a aprovação da proposta. “Estamos sendo usados como bodes expiatórios”, completou Josemilton Costa, secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef). (DA)

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Daniel Marques- "Ponteio" (Edu Lobo/Capinam)

O Rio – V::João Cabral de Melo Neto

Ou
relação da viagem
que faz o Capibaribe
de sua nascente
à cidade do Recife

De Poço Fundo a Couro d'Anta

A gente não é muita
que vive por esta ribeira.
Vê-se alguma caieira
tocando fogo ainda mais na terra;
vê-se alguma fazenda
com suas casas desertas:
vêm para a beira da água
como bichos com sede.
As vilas não são muitas
e quase todas estão decadentes.
Constam de poucas casas
e de uma pequena igreja,
como, no itinerário,
já as descrevia Frei Caneca.
Nenhuma tem escola;
muito poucas possuem feira.

As vilas vão passando
com seus santos padroeiros.
Primeiro é Poço Fundo,
onde Santo Antônio tem capela.
Depois é Santa Cruz
onde o Senhor Bom Jesus se reza.
Toritama, antes Tôrres,
fez para a Conceição sua igreja.
A vila de Capado
chama-se pela sua nova capela.
Em Topada, a igreja
com um cemitério se completa.
No lugar Couro d'Anta,
a Conceição também se celebra.
Sempre um santo preside
à decadência de cada uma delas.