quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Reflexão do dia – Partido Democrático, Itália

Construir também na Itália uma Administração a serviço dos cidadãos e das empresas, baseada em normas certas e transparentes que favoreçam a garantia dos direitos de todos e a livre competição no mercado. É este o nosso objetivo. O setor público na Itália é frequentemente percebido como um peso morto pelos cidadãos e pela economia. É uma lógica de reversão: uma Administração Pública a serviço dos cidadãos é condição de civilidade e de democracia.

Cf. Um Setor Público de qualidade para tornar a Itália equânime. Proposta aprovada pela Assembleia Nacional do Partito Democrático, na Feira de Roma. (4-5 de fevereiro de 2011).

Roteiro amplo:: Merval Pereira

A pauta de discussão da Comissão do Senado vai além da reforma do sistema eleitoral, tem a aspiração de ser um roteiro mais amplo para uma reforma política que tratará de temas tão complexos quanto importantes, como o voto facultativo, candidaturas avulsas ou reeleição e duração dos mandatos.

O problema maior, como de vezes anteriores, é que os deputados não consideram lógico que a maneira de eles serem eleitos seja decidida pelos senadores, e a Câmara vai fazer também sua comissão.

Se cada uma das duas comissões conseguir aprovar um projeto, será preciso compatibilizar as propostas para que se chegue a um documento comum.

De acordo com o roteiro oficial da Comissão do Senado, existem 11 pontos em que serão centradas as discussões, a começar pelo sistema eleitoral, que está dominando o debate até o momento.

Um dos pontos de maior apelo popular é a definição de suplente de Senador, devido ao verdadeiro escândalo que foi, na última legislatura, quase 1/3 do Senado ter sido ocupado por suplentes sem votos.

O suplente substitui o titular em caso de afastamento temporário para ocupar outro cargo ou de licença superior a 120 dias, e lhe sucede nos casos em que se afasta definitivamente.

Há propostas que estabelecem que o suplente substitui o titular, mas não lhe sucede, ou seja, só assumiria o cargo em caso de afastamento temporário do titular, não assumindo na ocorrência de afastamento definitivo. Nesse caso, haveria novas eleições, exceto faltando menos de 60 dias para a eleição regular, quando o suplente assumiria a cadeira até o fim do mandato.

Há também proposta que estabelece que o suplente de senador será o deputado federal mais votado do mesmo partido, e outra ainda que determina que o candidato a senador derrotado com maior votação será o suplente.

As cláusulas de desempenho, ou de barreira, para limitar a representação de partidos no Congresso, estavam previstas em lei e foram derrubadas pelo Supremo por questões técnicas, mas podem retornar.

Haveria uma exigência mínima de votos para que um partido pudesse atuar no Congresso. Os parlamentares eleitos por partidos que não conseguissem o mínimo exigido pela lei poderiam atuar de maneira independente ou aderir a outro partido.

Há também a proposta de criação da figura do candidato independente.

O acesso ao fundo partidário e à propaganda partidária gratuita no rádio e na televisão seria vedado aos partidos que não atingissem esse mínimo de votação.

Quanto à reeleição, há proposta que proíbe a reeleição dos chefes do Poder Executivo e modifica a duração dos mandatos, provavelmente para 5 anos.

Também há proposta que unifica todas as eleições para o Legislativo e para o Executivo, em todos os âmbitos da Federação, e outra que intercala eleições majoritárias com as proporcionais, em todos os níveis.

A proposta de voto facultativo dificilmente será aprovada pela comissão.

Uma das alterações mais significativas é a do financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais, que poderia ser restrito apenas para as eleições para o Executivo, mantendo-se o sistema atual, onde o financiamento privado é permitido, nas eleições para o Legislativo.

Com relação ao sistema eleitoral, o proporcional que adotamos, de lista aberta, no qual a ordem dos candidatos é definida pelo número de votos obtidos por cada um deles, está em vigor desde 1945, e o Brasil foi pioneiro nessa regra.

Um dos problemas desse sistema está nas coligações nas eleições proporcionais, que permitem que um eleitor vote em um candidato e ajude a eleger candidato de outro partido, muitas vezes de ideologia distinta, já que as coligações partidárias não obedecem a programas, e sim a interesses eleitorais imediatos.

Há proposta de proibi-las, e também a de permitir a "federação de partidos", onde dois ou mais partidos atuam como se fossem um só.

Há outras duas opções: o sistema de listas fechadas e bloqueadas, no qual a lista é definida em convenção partidária, e o eleitor pode apenas sufragá-la ou recusá-la; e o de listas flexíveis, no qual os partidos apresentam suas listas e aos eleitores é permitido, na hora de votar, alterar essa ordem.

No sistema majoritário, os candidatos mais votados são eleitos. Ele é mais popularmente conhecido como voto distrital e tem diversos tipos, sendo os mais utilizados: a) Voto majoritário uninominal, no qual o território é dividido em distritos, e os eleitores de cada um deles elegem um representante na Câmara dos Deputados; b) Voto majoritário plurinominal, onde as circunscrições são divididas em distritos que elegem, pelo voto majoritário, seus representantes.

É o caso do "distritão", que prevê a transformação dos estados em distritos, e a eleição de todos os seus representantes pelo voto majoritário.

O senador Francisco Dornelles, presidente da Comissão, é um defensor dessa modalidade, até mesmo como um primeiro passo para a adoção do voto distrital puro mais adiante, quando os políticos conseguirem chegar a um consenso sobre a maneira de definir os distritos.

Comparando o que existe hoje e o que existiria com o "distritão", ele diz que, assim como no sistema atual, proporcional aberto, o eleitor vota diretamente no candidato e indiretamente no partido, o mesmo acontecerá no "distritão", não existindo, portanto, o enfraquecimento do partido em relação ao que vigora hoje.

Com uma vantagem: no sistema atual, o político endinheirado pode se eleger, e os seus votos podem eleger candidatos "sem voto". Já no "distritão", o endinheirado pode também se eleger, mas os seus votos não são transferidos para os candidatos "sem voto".

No voto em lista fechada, ressalta Dornelles, o endinheirado também pode se eleger, conseguindo até mesmo um bom lugar na lista.

Há também políticos bons de voto que "carregam", com sua votação, candidatos menos votados de sua legenda, como Garotinho, no PR do Rio, e Enéas, no antigo Prona.

No "distritão", esses políticos continuarão se elegendo, mas sua votação não influenciará na composição da bancada.

O sistema distrital misto elege parte dos deputados pelo voto proporcional e parte pelo voto majoritário. Há a sugestão, tanto no Senado quanto na Câmara, de fazer um "distritão" misto.

FONTE: O GLOBO

Falso parâmetro:: Dora Kramer

É má-fé ou falta de informação a alegação do Poder Executivo de que uma proposta de reposição salarial feita pelo Supremo Tribunal Federal ao Congresso servirá de parâmetro para o julgamento da ação de inconstitucionalidade que a oposição apresentará contra a ideia de reajustar o valor do salário mínimo por decreto até o fim do governo Dilma Rousseff.

Como diria aquele petista dublê de réu do mensalão e assessor do Ministério da Defesa: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Primeiro, porque a proposta do STF para o reajuste dos ministros foi um ato administrativo. Não decorreu de decisão judicial e, portanto, é passível de contestação jurídica. Não há entre os ministros da corte unanimidade sobre a constitucionalidade do pleito.

Segundo, porque está em tramitação desde agosto de 2010 na Câmara e até agora só foi examinada pela Comissão do Trabalho. Nem sequer recebeu um parecer da Comissão de Constituição e Justiça. Quer dizer, para efeitos legais não existe, não podendo servir de parâmetro ou tida como jurisprudência para coisa alguma.

Em terceiro lugar, a proposta do STF fala de reposição salarial com base no artigo 37 da Constituição, que prevê a revisão anual dos subsídios, mas submete esse reajuste à autorização anual do Congresso com base nos limites estabelecidos pela Lei Orçamentária. Ou seja, nem de longe se refere a decisões que excluam a instância congressual. Ao contrário, vincula ao Orçamento aprovado pelo Legislativo.

Ademais, sem entrar no mérito da solicitação do Supremo ao Congresso, os subsídios dos ministros não estão constitucionalmente submetidos à necessidade da existência de uma lei específica.

No artigo 7 da Constituição está dito com clareza meridiana que o salário mínimo deve ser "fixado em lei" com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo.

Ora, quem garante que os reajustes anuais dos próximos anos baseados nos critérios estabelecidos no projeto de lei que fixa a política do mínimo - a variação do PIB dos dois últimos anos, mais a inflação do ano anterior - atenderão ao pré-requisito da preservação do poder aquisitivo do salário anterior?

A base governista desta vez aprovou sem problemas o que propôs o Planalto. Mas estamos apenas no segundo mês do governo: quem disse que a situação será sempre politicamente tão favorável?

Ainda assim, a maioria do Legislativo concorda em entregar sua prerrogativa de decidir ao Executivo.

Ocorre que o cumprimento da Constituição não é uma escolha, mas um imperativo. Se a oposição recorrer mesmo ao Supremo, a ação encontrará na corte um ambiente fértil ao entendimento de que o estabelecimento do valor do mínimo por decreto usurpa prerrogativa do Parlamento.

"Interna corporis". No dia seguinte à festa em comemoração pelos 90 anos do jornal Folha de S. Paulo houve uma série de manifestações irritadas - principalmente na internet - de petistas e/ou simpatizantes por causa da presença da presidente Dilma Rousseff na celebração.

Indignados com o que foi interpretado como um gesto de apreço ao "PIG", partido da imprensa golpista como os mais exaltados supõem estarem sendo criativos e ao mesmo tempo agressivos com a imprensa profissional (lato e stricto sensu), não se conformavam com a "submissão".

Qual submissão? O atendimento civilizado a um convite institucional? Ou talvez o problema real tenha sido o teor do discurso da presidente, mais uma vez considerando "imprescindível" a existência de uma imprensa pluralista, livre e investigativa na democracia.

Preferiam o embate permanente do antecessor. Embate este, seletivo. Pois quando o interessava Lula não perdia solenidades semelhantes nem a chance de atribuir o êxito de sua carreira à liberdade de imprensa.

Constatação. Itamar Franco está melhor como senador do que esteve como presidente. Deu um banho.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Piruetas:: Eliane Cantanhêde

Na Câmara, Vicentinho, do PT-SP, foi vaiado semana passada por velhos companheiros sindicalistas ao defender com fervor em seu parecer o salário mínimo, mínimo mesmo, de R$ 545.

No Senado, Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul, deu igualmente uma estonteante guinada ao defender ontem o mesmo mínimo mínimo depois de um encontro com Dilma e o encantador de serpentes, sindicalista, religioso e sem-terra Gilberto Carvalho.

Romero Jucá ser vaiado, tudo bem. Afinal, ele é líder de todo governo, qualquer governo. Mas Vicentinho, que fez toda a carreira política nos sindicatos, na pressão por salário mínimos máximos? E Paulo Paim, que só tem assento no Senado por ser um político de uma nota só, o salário mínimo?

O melhor, ou pior, foi a justificativa de Paim ao sair do palácio: "Se votasse contra, marcaria posição, talvez receberia uma palma ou outra, mas o trabalhador perderia muito, os aposentados também".

O que ele quis dizer? Que há uns 15 anos ele marcava posição, recebia uma palma ou outra e dava de ombros para o que trabalhadores e aposentados perderiam com mínimos máximos? De duas, uma: a explicação de ontem foi mea-culpa ou puro oportunismo para ficar bem com a companheira no poder.

Dilma, aliás, não precisava se esfalfar tanto para ter um voto a mais, nem mesmo dois ou três do PMDB dissidente. Desde sempre, estava prevista uma vitória expressiva no Senado, como fora na Câmara. Então, a investida em Paim e nos peemedebistas não foi pela vitória e sim pela vitória massacrante. Ou pela "simbologia de certos votos", diziam os governistas ontem. Isso costuma ter preço. E alto.

PS - Patriota e Hillary acertaram ajuda mútua para retirar brasileiros e americanos da Líbia e concordaram plenamente na avaliação do que ocorre hoje e dos cenários possíveis para o país. A relação Brasil-EUA evolui a olhos vistos.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Muita briga e pouco debate dentro do PT:: Maria Inês Nassif

O PT não passou incólume por oito anos no poder e, se não alterar a rota, tende a acumular mais desgastes nos próximos quatro anos. Como já não se imaginava mais, o partido foi engrossado, nas bases, por um contingente de militantes lulistas - o partido de classe média intelectualizada, de esquerda, não apenas capturou eleitores na base da pirâmide social, como incorporou parte desse contigente em sua militância. Esse é o sonho de todo partido de trabalhadores, mas isso acontece no momento em que a legenda, totalmente institucionalizada, consolidou um processo de transferência de lideranças criadas na estrutura burocrática para o Parlamento e elas delimitaram territórios, ungidas por um sistema partidário uninominal que é intrinsicamente personalista. Esse descompasso se mostra mais agudo quando a direção nacional afrouxa e perde capacidade de unir a máquina partidária. As bancadas legislativas tendem a ocupar, então, maior destaque. Se não tomar um rumo, o PT pode perder o que tinha diferente em relação aos demais partidos, e a grande chance colocada, nesse momento, de renovação de quadros partidários.

No início de sua vida, o partido vivia o paradoxo de manter uma grande militância de classe média, de esquerda, nas ruas, mobilizá-la em torno das eleições mas, fechadas as urnas, enquadrar a representação parlamentar obtida ao restante do partido. A bancada parlamentar era o elo menos importante da organização partidária e os eleitos petistas, muitas vezes submetidos a decisões de outras instâncias que não tinham lógica na luta institucional. Essa dificuldade interna foi sendo resolvida aos poucos, na medida em que as lideranças passavam a postular cargos eletivos e se consolidava ideologicamente, no partido, o consenso em torno da via democrática de conquista do poder.

Ainda assim, as disputas ideológicas entre as diversas facções políticas mantinham paralelamente um debate político, ou seja, um confronto no campo das ideias. Oito anos de governo Lula, quatro deles sob intensa investida de seus adversários, neutralizaram as disputas políticas. A unidade passou a ser uma questão de sobrevivência e um quesito de governabilidade a partir do episódio do mensalão, em 2005. Houve uma dissidência, a que resultou na criação do P-SOL. Os grupos que se digladiaram nos momentos seguintes à revelação de um caixa dois do partido se recompuseram em seguida. O último Processo Eleitoral Direto (PED) do partido, embora disputado, esteve longe de ser um grande mobilizador de debate ideológico ou político. A escolha de Dilma Rousseff como candidata para suceder Lula à Presidência, pelo próprio Lula, não provocou discordâncias. Lula, afinal, era o grande bônus eleitoral de um partido já totalmente institucionalizado e livre dos debates intensos sobre a melhor via para o socialismo.

O crescimento parlamentar do PT, embora importante sob o ponto de vista da governabilidade e da convivência com partidos da base aliada de perfil tradicional, ocorreu sob um sistema político que é por definição personalista. Enquanto as disputas ideológicas se reduzem internamente, se acirram as disputas individuais por postos de comando. Na base, o PT vive um momento de grande oportunidade de renovação de quadros. Na cúpula, em especial do Parlamento, uma luta para manter os postos nas mãos de lideranças já consolidadas.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sempre teve bom trânsito entre todas as correntes partidárias. No Congresso, a habilidade do deputado João Paulo (SP) também mantinha sob controle as disputas por cargos.

Era mais do que prevista uma reacomodação interna no período pós-Lula. A presidente Dilma, alheia à máquina partidária, tende a colocar as coisas nos seus devidos termos: governo é governo, partido é partido; o partido é do governo mas deve acomodar as suas questões internas no ritmo da dinâmica partidária, e não demandar a mediação do governo para isso.

Esses paradoxos vão se revelar com clareza na hora do debate sobre reforma partidária. A avaliação de um integrante do partido é que se perdeu muito tempo nas disputas internas, quer por cargos no Congresso, quer por posições de governo. Enquanto isso, o vice-presidente Michel Temer, do PMDB, tomou a liderança do debate sobre reforma política, impondo à agenda a ideia do "distritão", que tem o poder de demolir eleitoralmente o PT. Ao mesmo tempo, a grande bandeira do partido, que é o voto em listas partidárias, perde interesse interno na medida em que tem o poder de acabar com os redutos pessoais de votos que foram se criando em torno de políticos petistas, e que produziram votos suficientes para elegê-los e mais alguns de seus colegas, pelo sistema de voto proporcional. O financiamento público de campanha, que é outra bandeira do partido, também interfere no equilíbrio de forças interno de hoje, já que tendem a adquirir muita influência aqueles políticos com maior capacidade de captar recursos financeiros para a sua campanha e para a dos candidatos majoritários do partido num sistema em que o financiamento de campanha é privado.

Se o PT não assumir o debate sobre reforma política, ele ficará restrito a uma bancada no Congresso que foi eleita sob as regras atuais e, como os parlamentares de outros partidos, terá problemas de sobrevivência com as mudanças. A direção das negociações ficará também a cargo das lideranças que se lançaram na disputa inicial por cargos no Poder Legislativo, fortalecendo a burocracia partidária deslocada para o parlamento. O debate ideológico, orgânico, ficará muito prejudicado com isso.

FONTE; VALOR ECONÔMICO

O PT e a Constituição de 1988::Eduardo Fagnani:

Embora tenha contribuído para os avanços sociais, o PT não assinou a Constituição de 1988, tida como "reformista". Passados 22 anos, parece que essas conquistas ainda não foram assimiladas.

Avaliações sobre o inegável êxito de Lula na área social desconsideram a notável transferência de renda fruto da Carta, que desenhou o embrião de projeto inspirado no Estado de bem-estar. A seguridade social -integrada por previdência, saúde, assistência e seguro-desemprego- foi uma das inovações.

Entre 1988 e 2010, seus beneficiários saltaram de 8 para 34 milhões, assim distribuídos: INSS urbano (16 milhões) e rural (8 milhões); assistência social (3,6 milhões) e seguro-desemprego (6,4 milhões).

Para cada beneficiário direto há 2,2 membros da família: desse modo, a seguridade beneficia direta e indiretamente cerca de 100 milhões de pessoas, mais da metade da população do país.

Mais de 75% dos benefícios equivalem ao salário mínimo, cuja expressiva recuperação ampliou a renda transferida.

Isso, somado ao aumento do crédito consignado, explica, em parte, a força do mercado interno -principal motor da economia.

É evidente o papel dos demais programas criados por Lula e do programa Bolsa Família na inclusão social. Todavia, esse programa atinge cerca de 40 milhões de pessoas, e os valores pagos são muito inferiores ao mínimo.

As resistências em assimilar a Carta eram evidentes entre 2003 e 2005. As opções econômicas permaneciam representando limites à inclusão social.

Conviviam no governo forças defensoras da "focalização" exclusiva -aglutinadas na área econômica- e outras adeptas das ações "universais".

A política social permaneceu tensionada entre a manutenção (ou retrocesso) daquelas conquistas e a focalização como eixo central.

Esse quadro mudou após 2006. O crescimento foi reincorporado na agenda, o que não se via há mais de 25 anos. Essa inflexão teve impactos positivos sobre o trabalho e as contas públicas.

O antagonismo entre "focalização" e "universalização" arrefeceu, ampliando o consenso de que são ações complementares.

Assim, Lula começou por completar o pilar inconcluso do projeto de reformas das forças que lutavam contra a ditadura - incluindo o "novo sindicalismo"-, apoiado em três núcleos: Estado democrático; sistema de proteção inspirado no Estado de bem-estar social; e estratégia econômica buscando o crescimento com distribuição de renda.

A Constituição consagrou os dois primeiros, mas a sociedade foi incapaz de viabilizar o terceiro. O Brasil acumulou mais de uma década de ajustes liberais e estagnação.

Faltou a base financeira para a sustentação para a cidadania recém-conquistada.

A inflexão pós-2006 poderá ser aprofundada pelo atual governo.

Abre-se uma oportunidade para a consolidação daqueles avanços.

O PT precisa compreendê-los para aproveitar o ambiente econômico favorável e, sobretudo, para evitar retrocessos.

Eduardo Fagnani é professor do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho) e do Instituto de Economia da Unicamp.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O “antimperialismo” de Muamar Kadafi apela para ou termina em genocídio::Jarbas de Holanda

A amplitude ganha pela contestação social ao controle da Líbia por Muamar Kadafi desdobrou e ao mesmo tempo mudou a qualidade da demanda por democracia nos vários países do Oriente Médio. O enfrentamento de governos autoritários e corruptos mas limitados por relativa liberdade de imprensa e pelo condicionamento de laços políticos, econômicos e culturais com a ONU, os EUA e a Europa (como os da Tunísia, da Jordânia, do Egito, da Argélia, mesmo o do Iêmen e as monarquias do Bahrein e de Marrocos) é alterado, na nova contestação, pelo desafio a um regime totalitário que justifica o arbítrio imposto à sociedade em nome da defesa contra o inimigo externo – o imperialismo norte-americano, sua exploração econômica e suas ameaças de invasão. Arbítrio facilitado, nas relações internacionais, pela expressão da Líbia como fornecedora de petróleo à Europa.

Ao invés da “primavera democrática” (como a imprensa vinha avaliando as manifestações de rua nas cidades da região) já em boa parte vitoriosa na Tunísia e no Egito, defrontando reações policiais e militares responsáveis por centenas de feridos e várias mortes mas intercaladas e contidas por propostas de negociação forçadas pela cobertura da mídia e para atender a pressões externas, em vez disso, o novo e mais importante episódio desse enfrentamento é caracterizado por um banho de sangue de opositores na capital Trípoli e em outros centros urbanos, metralhados por policiais e mercenários e por fuzilaria aérea. Com milhares de feridos e centenas de mortos, em atos de brutal selvageria que não podem ser acompanhados pela imprensa pois os únicos veículos de comunicação permitidos são os do governo. Banho de sangue que Kadafi afirmou que prosseguirá até a liquidação de todos os “ratos” e “gangues” que se manifestem contra ele, ou até a sua mor-te como “mártir do imperialismo”, numa longa e solitária aparição na TV oficial. Cujo cenário era o de uma mão “revolucionária” esmagando um avião dos EUA.

Selvageria apoiada em retórica semelhante à dos quilométricos discursos de Fidel Castro (que se tornam menores e mais raros em face da extrema fragilidade econômica de Cuba); à que era utilizada pela nomenclatura da Alemanha Oriental, até a queda do Muro de Berlim; à que persiste na atômica e miserável Coreia do Norte; à de Ahmadinejad em seu furor contra os direitos humanos e às resistências à implantação do totalitarismo no Irã; às frequentes denúncias de Hugo Chávez contra invasões da Venezuela pelos EUA, como parte de seu projeto do “Socialismo do Século 21”, felizmente em processo de decomposição. Denúncias enfatizadas por Chávez em seis visitas feitas a Kadafi, bem como ao recebê-lo na Venezuela em 2009, com todas as homenagens possíveis e aplauso entusiasmado à proposta do hóspede da criação na América Latina de uma aliança militar contraposta à Otan.

Mas com os celulares e a internet globalizantes cumprindo ao menos parcialmente o papel da imprensa livre proibida aos líbios, o mundo foi tomando conhecimento da extrema violência de Kadafi contra as manifestações populares pelo fim de seu totalitarismo (que também tem alto grau de corrupção). Violência que assumiu a escala de um verdadeiro genocídio, segundo um dos diplomatas líbios que atuam no exterior e que renunciaram à representação. Cujo desencadeamento, por ordem direta de Kadafi, foi repelido por parcela das forças armadas, inclusive dois oficiais da aviação que deslocaram os aparelhos que pilotavam para a ilha de Malta, onde pediram asilo. E cuja prática não impediu mais manifestações em Trípoli, nem a tomada pela população da segunda maior cidade, Benghazi, além da de outras entre a capital e a fronteira com o Egito.

Por outro lado, a amplitude da contestação social, combinada com a repulsa interna e externa ao genocídio (já formalizada no Conselho de Segurança da ONU), provocou a interrupção das atividades das multinacionais petrolíferas e de várias empresas estrangeiras, como a Queiroz Galvão, do Brasil. Está impondo a suspensão das exportações e importações do país. E levou, ontem, o ministro do Interior a demitir-se do governo, com declaração na qual propôs que o Exército se una às manifestações para forçar o afastamento de Kadafi.

Jarbas de Holanda é jornalista

O louco, o sangue e o petróleo:: Clóvis Rossi

A islamofobia que assola o planeta, especialmente Estados Unidos e Europa, faz com que tudo e todos que estejam relacionados ao islamismo sejam vistos como loucos de turbante a ponto de detonar uma bomba.

Pois saiu exatamente de uma liderança islâmica a mais sábia avaliação sobre a realidade na Líbia.

Youssef al-Qaradhawi, presidente da União Internacional dos Sábios Muçulmanos, disse o seguinte, em entrevista à Al Jazeera: "A verdade é que eu não tenho nada a dizer a Gaddafi, porque nós devemos nos dirigir apenas às pessoas razoáveis. As pessoas não razoáveis não devem ser abordadas. Ora, ele não é razoável. Faz tempo que ele é louco".

Simples, curto e grosso. Torna inócuos os apelos de lideranças ocidentais para que cesse o banho de sangue na Líbia. O Ocidente sabe, há muito tempo, que Gaddafi é louco. Prova-o o fato de ter dado respaldo ao atentado contra um avião da PanAm sobre Lockerbie na Escócia (270 mortos).

Adianta fazer apelos a um louco? É louvável o francês Nicolas Sarkozy pedir a imposição de sanções à Líbia e a suspensão de todos os laços econômicos com o reino de Gaddafi. Mas é tarde. Até que sanções façam efeito -se fizerem- o banho de sangue terá sido ainda mais impressionante.

O fato é que o mundo ainda não desenvolveu mecanismos de brecar barbáries. Ações unilaterais (Estados Unidos no Iraque) não puseram fim à violência. Ações das Nações Unidas não impediram massacres nem em Ruanda nem em Srebrenica, na Bósnia.

Talvez porque as forças de pacificação chegam tarde quando muito sangue já correu e muito ódio já se acumulou.

Quem sabe agora que o petróleo passou dos US$ 110 o barril, o Ocidente resolva lidar com um déspota louco com a força, única linguagem que eles entendem.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

No rastro da crise:: Míriam Leitão

A economia americana começou recentemente a entrar no terreno positivo, com sinais de crescimento. A Europa ensaia uma saída da crise que a sacudiu nos últimos meses. Justo agora, um fator perturbador de grandes proporções apareceu no painel de controle: o preço do petróleo. Ele pode elevar a inflação, afetar taxas de juros, abortar recuperações.

A Agência Internacional de Energia (AIE) alertou ontem exatamente para esse risco em cadeia. Os eventos separados têm efeito local, mas juntos eles aumentam o nível de incerteza sobre o suprimento de petróleo. Se o Egito é importante para a logística do produto, por causa do Canal de Suez, a Líbia é o terceiro maior produtor da África e tem a maior reserva do continente. Há outros produtores que podem entrar em ebulição.

O economista-chefe da AIE, Fatih Birol, disse que a recuperação da economia global está ainda muito frágil e que a alta do petróleo pode deteriorar a balança comercial de vários países, elevar a inflação, já pressionada por outras commodities, obrigando os bancos centrais a elevarem as taxas de juros, o que ameaçaria a recuperação.

Pode-se dizer que o risco não é tão alto dado que a Líbia produz apenas 1,6 milhão de barris por dia, ou 2% da produção mundial, mas os estoques podem não ser suficientes para cobrir o suprimento. A ENI, gigante italiana, anunciou ontem que suspendeu parcialmente sua produção de 150 mil barris/dia na Líbia. Fontes ouvidas pelo "Financial Times" calculam que metade da produção do país pode ter sido suspensa.

Mesmo que a Opep consiga elevar a produção para cobrir a falta de um fornecedor no mercado, o que está se espalhando é a incerteza. E nesse ambiente a especulação opera. "Os especuladores podem jogar uma parte do jogo, mas o mais importante é o risco de suprimento. Eles podem detonar uma elevação de preços, mas vão atuar em campo fértil, onde há problema real entre oferta e demanda", disse o economista da AIE, acrescentando que "a estabilidade da economia global está sob ameaça com os preços do petróleo entrando numa área de perigo."

Países da região produtora de petróleo mais importante do mundo estão enfrentando seus dilemas internos. Isso é tão desejável, quanto inevitável. Cada país tem uma situação específica, mas vários deles têm encontros com a verdade: uma população jovem, conectada em redes, querendo emprego, modernização, participação nas decisões do país. Para a economia, no entanto, isso significa incerteza, que representa risco. Neste ambiente, os preços sobem e as decisões de investimento são adiadas. Nada disso faz bem a países que davam os primeiros passos para a recuperação.

A região mais atingida pelo risco Líbia é a Europa. Não apenas porque compra 79% do óleo do país africano, mas porque a Líbia tem muitos investimentos na Itália, como um pedaço da Fiat, por exemplo. O fundo do próprio Muamar Kadafi comprou participações em empresas e empreendimentos italianos. Enquanto os rebeldes chegam cada vez mais perto de Trípoli, outros países começam a fazer concessões. O Bahrein anunciou libertação de presos políticos e o governo da Arábia Saudita anunciou aumento de benefícios sociais para a população.

Os economistas estão dizendo que a escalada de revoltas no norte da África e Oriente Médio cria um novo tipo de risco de contágio soberano. O Bank of America Merrill Lynch calculou que os eventos recentes na Líbia elevaram mais o preço do barril do que a queda do ditador egípcio, Hosni Mubarak. Enquanto o petróleo WTI disparou 8,5% nos dois primeiros dias desta semana, na queda de Mubarak o ajuste foi bem menor, de 4,5%. Ontem, o petróleo americano furou a barreira dos US$100. O Brent foi a US$111. O economista Helder Queiroz, da UFRJ, calcula que os preços podem voltar à cotação de antes da crise de 2008: US$145.

A economista Monica de Bolle, da Galanto consultoria, diz que a Líbia é um país com potencial sistêmico, ou seja, capaz de desencadear efeitos de contágio na economia mundial:

- A Líbia pode se transformar num problema sistêmico, ou seja, com potencial desorganizador da economia internacional porque possui muita reserva de petróleo. Por ser um país tribal, as soluções não são simples.

O mundo começa a se lembrar, uma vez mais, que é excessivamente dependente de um produto que vai se esgotar e que tem grandes reservas numa área conflagrada. David Zylberstajn acha que outras fontes de energia, renováveis, não fósseis, podem se beneficiar de mais uma onda de temor dos países consumidores. Uma das promessas do presidente Barack Obama foi de conduzir a recuperação da economia diminuindo a dependência da energia fóssil. Mas a matriz energética americana não permite maiores esperanças.

Em 2009, o crescimento do consumo de energia a partir de fontes renováveis foi de 8% nos Estados Unidos. O problema é que a base de comparação é muito baixa. Enquanto o petróleo representa 35% da matriz; o gás natural, 25%; e o carvão, 21%; as fontes renováveis são apenas 8%, segundo dados da Energy Information Administration, a agência americana de estatísticas de energia. Em relação ao consumo de energia elétrica, a projeção é saltar de 10% para 17% de fontes renováveis somente em 2035.

A dificuldade, segundo a agência americana, são os custos. Instalar e operar as plantas de geração renovável é mais caro que as de tecnologia convencional. Além disso, as áreas no país propícias para a energia eólica, por exemplo, ficam longe dos grandes centros, encarecendo custos na transmissão da energia.

Esse é o argumento que tem mantido a inércia do combustível fóssil, que aumenta o risco da mudança climática, e produz momentos de incerteza como os que se vive hoje.

FONTE: O GLOBO

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Galeria dos ex-presidentes militares


Governo vence também no Senado

A BATALHA DO MÍNIMO

Projeto da presidente Dilma é aprovado, estabelecendo política de reajuste até 2015
Adriana Vasconcelos e Cristiane Jungblut

Mais uma vez com larga margem de vantagem, a o governo garantiu ontem sua segunda vitória no Congresso, com a aprovação pelo Senado do texto-base do salário mínimo, estabelecendo uma política de reajuste até 2015, inclusive. O texto foi aprovado com voto contrário do PSDB e dos senadores Ana Amélia (PP-RS), Itamar Franco (PPS-MG) e Kátia Abreu (DEM-TO). A aprovação foi em votação simbólica, ressalvados os destaques, submetidos ao plenário, em seguida. O texto-base inclui o valor de R$545.

A emenda pelos R$600, aprovada pelo senador Alvaro Dias (PSDB-PR), foi derrotada com facilidade. Teve 17 votos a favor e 55 contra, com 5 abstenções. Durante o dia, o Planalto enquadrou até mesmo o senador Paulo Paim (PT-RS), que no passado chegou a fazer greve de fome em plenário por aumentos para o mínimo e aposentados. Durante o dia, a expectativa do líder do PT, senador Humberto Costa (PE), era garantir não só os 15 votos de sua bancada a favor da proposta do governo, como também dos demais representantes do bloco liderado por seu partido, que reúne 30 senadores. Seu esforço era para não haver qualquer defecção nas bancadas do PR, PRB, PSB, PDT e PcdoB. Já o líder do PMDB, senador Renan Calheiros (AL), admitia que não havia conseguido garantir o apoio dos 19 integrantes de sua bancada, já que os senadores Roberto Requião (PR) e Jarbas Vasconcelos (PE) já havia anunciado que não seguiriam a orientação do governo. Do PP era esperado ainda um voto contra, o da senadora Ana Amélia (RS).

Senador diz ter sido ameaçado

Logo na abertura da sessão do Senado, Paim anunciou na tribuna que votaria com a proposta do governo de R$545, anunciando que teria recebido a garantia da presidente Dilma de que o governo pretende reabrir a negociação sobre uma política de recuperação das perdas das aposentadorias.

- Me sinto tranquilo ao vir a tribuna para expor minha posição neste tema. Essa política salarial que assumimos juntos é a melhor deste país... Essa é a decisão que eu tinha a tomar. Ficaria com a expectativa que já sabemos - justificou Paim, que evitou se manifestar novamente durante a votação e encarar os sindicalistas que protestavam nas galerias a cada discurso de parlamentares do PT.

No final da noite, o plenário começou a votar três destaques em separado da oposição: um do PSDB por um mínimo de R$600, outro do DEM de R$560 e um terceiro para suprimir o artigo terceiro do texto que autoriza que os próximos reajustes sejam fixados por decreto presidencial.

A oposição ontem se preparava para recorrer ao Supremo Tribunal Federal por considerar que o decreto presidencial vai tirar do Legislativo uma prerrogativa constitucional. Mais até do que as divergências sobre o valor do mínimo, esse foi o assunto que levou os oposicionistas a aumentar o tom das críticas ao governo.

- Vamos virar uma Venezuela? Vamos abrir mão de uma prerrogativa nossa por que? O governo tem medo de que? Ele não tem maioria para aprovar o que quiser aqui? - questionou o senador Demóstenes Torres (DEM-GO).

Na mesma linha, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) indagava as razões do governo para tirar do Congresso um de seus direitos constitucionais.

- Será que, para demonstrar apoio ao governo, o preço a ser pago é a violação à Constituição? Pois isso é que está em jogo. Vamos judicializar essa questão! Se o Parlamento não defende suas prerrogativas, vamos apelar para o Judiciário - antecipou Aécio.

O senador Pedro Taques (PDT-MT) acusou o governo de tê-lo ameaçado, por considerar inconstitucional o artigo terceiro do texto, que autoriza que a presidente Dilma Rousseff fixe os novos valores do mínimo por decreto:

- Disseram que se eu fizesse isso (votasse contra), eu poderia ser retirado da Comissão de Constituição e Justiça, que eu não teria minhas emendas ao Orçamento liberadas e teria retirado dos cargos de segundo e terceiro escalões indicados para o governo. Mas não serão palavras desta ordem que mudarão minha convicção - disse Taques.

Como relator do projeto, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), chegou a ser vaiado por alguns sindicalistas que estavam nas galerias do plenário do Senado. Diferentemente da votação na Câmara, as manifestações eram contidas, inclusive a pedidos do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), que lembrava que havia feito uma concessão ao permitir a presença dos sindicalistas.

FONTE O GLOBO

Senado mantém mínimo por decreto. PPS e PV vão acionar STF para derrubar artigo inconstitucional

Foto: Tuca Pinheiro e Moreira Mariz/Agência Senado

Itamar foi para cima do líder do governo.

Por: Nadja Rocha e Diógenes Botelho

O PPS vai acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir que o aumento do salário mínimo seja definido por meio de decreto até 2015, como ratificou o Senado, na noite desta quarta-feira, por 54 votas a 20, ao aprovar projeto do Planalto que fixou o piso em R$ 545. O objetivo do partido é defender a Constituição e garantir que o Congresso e a sociedade organizada debatam anualmente um reajuste maior para os trabalhadores. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) será protocolada logo após a presidente da República, Dilma Rousseff, sancionar o projeto.

O anúncio foi feito pelo presidente nacional do PPS, deputado federal Roberto Freire (SP), que lembra que o artigo 7º da carta magna estabele que o mínimo só por ser "fixado em lei". A ação será protocolada em conjunto com o Partido Verde (PV), que forma com o PPS bloco parlamentar na Câmara, e pode receber ainda o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Neste quarta-feira, em reunião com Freire, o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, afirmou que, em tese, a fixação do salário mínimo por decreto é inconstitucional. Saiba detalhes

"Traidor da Constituição é traidor da Pátria", disse o senador Itamar Franco (PPS-MG), ao citar o ex-presidente da Câmara Ulysses Guimarães, após a rejeição do destaque da oposição que retirava do texto do governo a fixação do salário mínimo por decreto.No Senado, Itamar fez oposição firme e constrangeu governistasItamar Franco demonstrou durante a votação do salário mínimo que está preparado para o enfrentar o "rolo compressor" do governo. Não deu trégua a José Sarney (PMDB-AP) e ao líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR). Durante quase vinte minutos, Itamar atacou a contradição no discurso governista sobre a política salarial e causou mal-estar em Sarney, ao acusá-lo de manobrar para aprovação do mínimo.

"Gostaria de ouvir alguns esclarecimentos do líder do governo, para entender melhor por que se está interrompendo a série histórica de recomposição do salário mínimo", ironizou o ex-presidente da República, ao se dirigir ao relator da matéria, Romero Jucá.

Em seguida, Itamar, acusou o governo Dilma de usar o discurso de "austeridade fiscal" para não conceder um reajuste maior ao salário mínimo, como reivindicam as centrais sindicais e os partidos de oposição.

De acordo com o senador, durante a campanha o PT apregoava a inexistência de problemas fiscais, que o Brasil vivenciava o "céu de brigadeiro", sem problemas econômicos. "Agora, vem Vossa Excelência (Jucá) dizer o contrário para justificar o aumento zero para o mínimo. Afinal, existe ou não um problema fiscal?", indagou ao líder governista.

.Diante de um Jucá acuado, sem ter resposta convincente, Itamar Franco voltou à carga citando o artigo 7.º da Constituição Federal, que determina que o salário mínimo deve atender às necessidades básicas de uma família.

Em seguida, o ex-presidente da República pediu a Romero Jucá que explicasse os cálculos que redundaram nos R$ 545 e questionou se o valor contemplava o preceito constitucional. "Quanto desse valor será destinado à moradia, à alimentação, à educação, à saúde, ao lazer, ao transporte, à Previdência Social?", perguntou. E obteve como resposta: "É a família que decide como deve gastar...".

Itamar rebateu: "Isso é brincadeira. Como vou justificar ao meu eleitor o valor do salário mínimo. Vou dizer que não sabemos (todos os senadores e o governo) quanto uma família necessita para custear suas despesas? Isso só pode ser brincadeira!".

Jucá não respondeu e Itamar provocou: "Vossa Excelência sabe o que um presidente da República disse ao ser perguntado sobre o que faria se ganhasse um salário mínimo?".

O líder do governo não teve como escapar: "Sei, disse que daria um um tiro na cabeça!".

O presidente em questão foi o general João Baptista Figueiredo, famoso por suas frases destemperadas, embora sinceras.

Embate com Sarney

Antes do embate com o líder do governo, Itamar protagonizou farpas com o presidente da Casa, José Sarney, que colocou em votação simbólica requerimento de urgência do salário mínimo no noite de terça-feira sem consultar todos os líderes partidários. Segundo o senador mineiro, pelo regimento, votação teria que ser nominal ( com registro de voto de todos os senadores).

O líder do PPS ainda acusou Sarney de cercear a voz da minoria. "Nós não podemos ficar ao arbítrio da Presidência da Casa ou de qualquer Senador. Há um Regimento que precisa ser respeitado", disse Itamar, que logo em seguida completou: "Vossa Excelência descumpriu o Regimento. Então, se Vossa Excelência vai sempre descumprir quando lhe interessar ou quando interessar à maioria desta Casa, vai ser difícil nós nos calarmos aqui".

Mesmo negando o pedido formulado por Itamar, o presidente da Casa foi obrigado a se desculpar. "Peço desculpas a Vossa Excelência", afirmou Sarney.

FONTE: PORTAL DO PPS

Itamar constrange Sarney

Ex-presidente denuncia desrespeito ao regimento interno do Senado

Adriana Vasconcelos e Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. No seu melhor estilo de fazer politica com o fígado, o ex-presidente e hoje senador Itamar Franco (PPS-MG) mostrou ontem que será uma pedra incômoda no caminho do governo, mesmo como único representante de seu partido no Senado. Ao apresentar três questões de ordem para tentar anular votação de urgência do projeto do salário mínimo, na véspera, Itamar provocou constrangimentos ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), ao denunciar que o regimento interno da Casa havia sido atropelado pela maioria governista.

Sarney primeiro tentou apelar para a "amizade" antiga com Itamar. Piorou, porque Itamar alertou que era uma discussão institucional. Sarney ficou ainda mais sem graça e não escondia o nervosismo:

- Vossa excelência (Sarney) descumpriu o regimento. Então, se vai sempre descumprir quando lhe interessar ou quando interessar à maioria desta Casa, vai ser difícil nós nos calarmos aqui - reclamou Itamar, citando que o regimento determinava que o requerimento de urgência não poderia ter sido lido durante a ordem do dia do Senado e sem o aval de todos os líderes partidários.

Sem argumento e constrangido por ter sido flagrado no erro, Sarney tentou argumentar:

- Senador Itamar Franco, o regimento não é impositivo. Eu acho que não há, como eu disse a vossa excelência, nenhum prejuízo no fato do requerimento ter sido lido antes ou durante a ordem do dia.

Mas Itamar retrucou:

- Mas, então, para que o regimento? Vai ficar ao arbítrio? Senhor presidente, vou respeitar, mas continuo dizendo que houve uma infringência e gostaria que os anais registrassem isso bem. Houve, houve e houve uma infringência ao regimento da Casa!

Logo em seguida, Itamar levou o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), a admitir da tribuna que o valor de R$545 definido pela equipe econômica para o mínimo está longe de atender a todas as necessidades do trabalhador, como preconiza a Constituição.

FONTE O GLOBO

Dilma protela pagamento de precatórios e alivia caixa

O governo já começou a definir a lista de gastos a adiar para pôr em prática o aperto fiscal. Diante das dificuldades para decidir onde será aplicado o corte de R$ 50 bilhões, a ordem nos ministérios é “postergar despesas”, fazer contingenciamento na boca do caixa. Um exemplo é a decisão de atrasar o pagamento de sentenças judiciais. Os precatórios somam R$ 7,4 bilhões e serão pagos entre maio e julho.

Governo enfrenta dificuldade para cortar gastos e já adia despesas

Discussão com os ministérios não foi concluída e ordem é adiar gastos; pagamento de precatórios de 2011 será adiado até julho

Beatriz Abreu e Edna Simão


O governo da presidente Dilma Rousseff já começou a definir a lista de gastos a adiar para pôr em prática o prometido aperto fiscal. Diante das dificuldades para decidir onde será aplicado o corte de R$ 50 bilhões, a ordem nos ministérios é "postergar despesas", fazer contingenciamento na boca do caixa. Um exemplo dessa estratégia é a decisão já tomada de atrasar o pagamento de sentenças judiciais, os chamados precatórios.

Os precatórios de 2011, que são ordens de pagamento da Justiça contra a União e órgãos da administração direta e indireta, somam R$ 7,409 bilhões e serão pagos entre maio e julho. Em 2010, o cronograma de pagamento foi adiado de janeiro para março, abril e maio. Considerando as requisições de pequeno valor (R$ 5,813 bilhões) - sentenças com valores iguais ou abaixo de 60 salários mínimos -, essa dívida chega a R$ 13,223 bilhões.

Para o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, a postergação dos pagamentos é uma ação estratégica legítima do governo diante da necessidade de controle dos gastos neste início do ano. "Não vejo problema. Mas quanto antes colocar em dia melhor porque os encargos com atrasos nos pagamento de precatórios são altos."

O raciocínio é o mesmo de uma empresa com problemas de caixa ou com necessidade de elevar seu superávit ao fim do ano: despesa adiada é recurso poupado. Nessa lógica se enquadram, por exemplo, os concursados já aprovados. Se o governo adia as novas contratações em alguns meses, o Tesouro faz economia na despesa de pessoal.

As discussões com os ministros para fazer os cortes de R$ 50 bilhões ainda não terminaram. Mesmo começando a pôr em prática o adiamento de despesas, a presidente Dilma disse, em recente reunião da coordenação política do Planalto, que não abre mão de chegar a uma poupança dessa ordem e que serão preservadas as receitas orçamentárias para o Ministério da Saúde e para o Legislativo e Judiciário.

Sem desgaste. O Estado apurou que a presidente decidiu preservar os orçamentos do Judiciário e do Legislativo. Isso evita um desgaste considerado desnecessário com os outros dois Poderes da República.

O detalhamento dos cortes no Orçamento deve estar concluído até o início da próxima semana. Os ministros têm apresentado as propostas, mas muitas delas são rejeitadas pelo Ministério do Planejamento.

O governo não trabalha com a possibilidade de receita extra para sustentar os gastos, nem mesmo para a área da saúde. O orçamento do ministério estará fora dos cortes, mas, por outro lado, não receberá um centavo a mais.

Nem mesmo a possibilidade de parlamentares sugerirem a criação de um novo imposto - semelhante à CPMF - será estimulada pelo Planalto. Os governadores defendem a criação de uma nova receita para custear os gastos com saúde, mas terão de intensificar as articulações com o Congresso porque o governo Dilma não quer ser o autor dessa proposta.

O aperto nos gastos tem relação direta com a expectativa do governo de não ser necessária uma alta significativa na taxa de juros para conter a aceleração da inflação. "O corte nos gastos ajuda um pouco", disse um ministro.

O cenário mostra que a inflação está em alta e, sem um tranco na economia, há o risco de o ano fechar com uma alta de preços acima do teto da meta, que é de 6,5%.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Embates entre PT e PMDB reduzem chance de aprovar reforma política

Senado e Câmara vão elaborar propostas distintas e voto majoritário coloca os dois maiores partidos do Congresso em lados opostos

Marcelo de Moraes

Apontada como prioritária por senadores e deputados, a proposta de reforma política caminha rapidamente para repetir a fórmula que impediu sua aprovação no Congresso nos últimos anos: excesso de projetos, divergências radicais de posições e falta de acordo entre Senado e Câmara em torno de uma agenda comum. Na prática, os dois maiores partidos da base governista, PT e PMDB, defendem ideias opostas em relação a um dos eixos principais da reforma: a manutenção ou não do sistema de eleição proporcional.

O PMDB quer adotar a eleição por voto majoritário, a chamada "Lei Tiririca" ou "distritão". Por essa regra, quem tem mais votos é o eleito. Já o PT quer manter o sistema de eleição proporcional.

Os peemedebistas defendem a modificação no sistema por entender que existem distorções na utilização do chamado coeficiente eleitoral, que contabiliza todos os votos recebidos pelos partidos e suas coligações e calcula quantas vagas serão destinadas por legenda.

Reação do eleitor. O vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), defensor do "distritão", avalia que a população não entende mais por que um deputado bem votado fica fora do Congresso, abrindo espaço para outro candidato com menos votos (mas cuja legenda teve um coeficiente eleitoral maior).

O PT discorda da posição, pois isso marcaria o fim de uma de suas grandes vantagens, o voto em legenda, que acaba aumentando significativamente seu coeficiente. Na verdade, os petistas acreditam que o voto proporcional fortalece os partidos como instituição.

Independentemente do conteúdo do texto a ser votado, o fato é que, politicamente, a divisão entre os dois maiores partidos do Congresso e da base governista aponta para um impasse em torno dessa discussão.

Desde 1999, quando a primeira discussão organizada sobre a reforma política foi fechada pelo Senado, sempre que um ponto desse tema gerava conflito, a tramitação emperrava.

Trabalho duplo. Outra divergência grave ocorre na tramitação da propostas. As duas Casas terão comissões especiais independentes discutindo o teor da reforma política, em vez de criarem um grupo misto de trabalho. Tudo porque ambos querem ter a liderança na condução das discussões.

Isso acontece por conta do sistema de tramitação de projetos. Se uma Casa (Câmara ou Senado) apresenta o projeto inicial, a outra só poderá revisar essas ideias, já que a proposta terá obrigatoriamente que ser chancelada pela Casa onde nasceu o texto original.

Assim, Senado e Câmara vão apresentar suas propostas de "reformas políticas" e deixar que o impasse se resolva nos próximos meses, quando os debates avançarem. No Senado, a comissão especial foi criada na terça-feira e, na Câmara, isso será feito no dia 1.º de março.

Otimismo. Para não dizer que nada passará, existe grande possibilidade de pelo menos um ponto avançar. Deputados e senadores praticamente concordam com uma importante mudança na lei que instituiu a fidelidade partidária. A ideia é criar uma espécie de "janela de infidelidade" que permita aos políticos trocar uma vez de partido, a seis meses do fim de cada legislatura. Dessa forma, poderiam trocar de legenda para concorrer na eleição seguinte.

Essa proposta tem grandes chances de avançar no Congresso, uma vez que só é rechaçada por setores da oposição, que enxergam na articulação um movimento para atrair parlamentares de seu grupo em direção aos partidos da base governista em troca de espaço e liberação de recursos do governo federal.

Existe também chance de ser aprovado o fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais (para deputados e vereadores). Mas tópicos mais polêmicos, como financiamento público, fim da reeleição, ou adoção de voto em lista fechada, têm chances remotas de evoluir.

IMPASSES

Fim do voto proporcional

Os dois maiores partidos da base governista têm posições opostas na questão. O PT quer manter o sistema atual, com o coeficiente eleitoral.O PMDB defende a mudança para o sistema chamado voto majoritário. Por essa regra, quem tem mais votos se elege, independentemente de coeficiente eleitoral. Isso evitaria o "efeito Tiririca", em que um parlamentar muito bem votado leva vários outros com votação insignificante ao Congresso.

Tamanho da proposta

O vice-presidente, Michel Temer (PMDB), defende uma reforma enxuta com no máximo quatro ou cinco pontos. Mas deputados e senadores planejam apresentar dezenas de emendas.

Duas reformas

Senado e Câmara vão abrir sua própria comissão de reforma política para ter o direito de garantir a palavra final sobre o assunto. Sem consenso, a reforma não avançará.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Militares aderem à oposição; Kadafi apela a mercenários

O regime sustentado pelo coronel Muamar Kadafi ao longo dos últimos 42 anos na Líbia está desmoronando. Ontem, parte das Forças Armadas se juntou aos insurgentes em grandes cidades do leste do país. Militares e mercenários estariam concentrados em um raio de 40 km de Trípoli, onde tentam garantir a sobrevida da ditadura. Entidades de direitos humanos dizem que os mortos já chegaram a 640. A ferocidade da reação de Kadafi aos opositores fez a comunidade internacional se mobilizar para isolar a Líbia. Ontem, a Europa estabeleceu sanções econômicas, e os EUA caminhavam para fazer o mesmo. A Liga Árabe afastou Kadafi de suas reuniões.

Tropas leais a Kadafi e mercenários cercam Trípoli para defender regime

Agentes das forças de segurança da Líbia teriam aderido aos insurgentes que já controlam o leste do país; testemunhas informam que ditador ordenou que seus partidários abram fogo de maneira indiscriminada contra qualquer foco de oposição perto da capital

Andrei Netto

Os sinais de que o regime do coronel Muamar Kadafi está desmoronando na Líbia são cada vez mais claros. Ontem, parte das Forças Armadas juntou-se aos insurgentes em grandes cidades do leste do país, como Benghazi, Tobruk e Ajdabiya, na província de Cyrenaique, que já passou às mãos dos revoltosos. Militares e mercenários estariam concentrados em um raio de 40 quilômetros de Trípoli, onde tentam garantir a sobrevida da autocracia.

Segundo organizações não governamentais, pelo menos 640 pessoas já morreram na mais violenta das rebeliões populares que estão transformando o mundo árabe. Mas testemunhas estimam esse número na casa dos milhares em todo o país.

No leste, próximo à fronteira com o Egito, o controle de imigração foi aberto e a segurança em rodovias e cidades passou a ser feita por manifestantes armados com fuzis AK-47 roubados dos arsenais ou de paus e pedras. Segundo as agências AFP e Reuters, que já ingressaram no país, soldados aliaram-se ao movimento popular em Ajdabiya, a 847 quilômetros da capital, Tobruk e Benghazi, ambas mil quilômetros a leste de Trípoli. Nessa região, vídeos registrados por insurgentes mostram prédios públicos e veículos incendiados, cartazes de Kadafi sendo destruídos e milicianos cercados por militantes.

Já em Trípoli, conforme testemunhos obtidos pelo Estado, a situação é diferente. Em torno da metrópole de 2 milhões de habitantes um anel foi formado pelos setores das Forças Armadas leais a Kadafi para garantir a segurança do regime. Ontem pela manhã, a situação era mais calma e não havia registros de manifestações nas ruas. A calmaria permitiu aos moradores ir às ruas buscar suprimentos. Tiros eventuais eram ouvidos, mas nenhum bombardeio teria sido realizado.

"Há tiros a toda hora e a polícia atira nos manifestantes a mando do governo. Mas não é verdade que a população tenha sido bombardeada na capital", disse o petroleiro tunisiano Mohamed Trizou, que deixou Trípoli e retornou à Tunísia com a mulher e um filho. Em Sabratha, a 70 quilômetros a oeste da capital, as Forças Armadas também teriam enviado tropas para tentar dispersar os manifestantes, que já teriam tomado sedes governamentais e prédios da polícia. Nas rodovias próximas, que cortam o deserto e conduzem a Trípoli, as barreiras policiais se multiplicaram. Nos 207 quilômetros que separam a capital e a passagem fronteiriça de Ras Jdir, na Tunísia, a principal porta de entrada terrestre do país, mais de 20 postos de controle foram montados pelas forças de ordem para controlar a saída e entrada de estrangeiros.

O resultado do conflito armado na Líbia já é o mais sangrento das revoltas árabes que se espalham pelo Norte da África e pelo Oriente Médio. Segundo a Federação Internacional das Ligas de Direitos Humanos (FIDH), de Paris, mais de uma centena de militares teriam sido executados por insubordinação.

Para Abdel Moneim al-Honi, representante da Líbia na Liga Árabe que renunciou ao posto, os dias de Kadafi no poder estão contados, mas o custo humano da revolta vai crescer à medida que o poder se sinta cercado. "Eu creio que seja uma questão de dias, não mais", estimou ao jornal Al-Hayat, da Arábia Saudita. "Ao mesmo tempo, penso que o levante custará caro à Líbia e aos líbios, porque Kadafi é capaz de tudo. Creio que massacres horríveis vão ocorrer."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Petróleo líbio cai à metade e preço dispara no mundo

Praticamente metade da produção de petróleo na Líbia foi suspensa ontem diante do agravamento dos conflitos no país. Até agora, nove petrolíferas, entre elas Shell, BP, a italiana Eni, a francesa Total e a espanhola Repsol, interromperam suas operações. Com a crise, o barril do petróleo em Londres ultrapassou os US$ 111, com alta de 5,6%, Em Nova York, subiu 2,8%, atingindo o maior patamar desde setembro de 2008, quando estourou a crise financeira mundial. A alta do petróleo provocou forte valorização das ações da Petrobras, de até 4,66%. O papel foi muito procurado por investidores estrangeiros, inclusive da China.

Líbia: produção para e petróleo sobe

Metade da extração estaria suspensa no país e barril tem novo dia de forte alta, para US$111,73

LONDRES, NOVA YORK e DUBAI - A notícia, divulgada pelo site do jornal britânico "Financial Times", de que metade da produção de petróleo na Líbia, de cerca de 1,6 milhão de barris diários, já estaria paralisada fez com que os preços do produto voltassem a subir com força ontem. O barril do Brent, referência internacional, ultrapassou os US$111, enquanto o do tipo leve americano chegou a ser negociado a US$100, recuando um pouco depois. Em ambos os casos, os preços estão no maior patamar desde antes do agravamento da crise financeira global, com a quebra do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, e cada vez mais próximos do recorde histórico de US$147, em julho daquele ano.

Em Londres, o Brent avançou 5,6%, para US$111,73. Já em Nova York a alta foi de 2,8%, para US$98,10. Segundo a Bloomberg News, a cotação do leve americano recuou depois de fontes afirmarem que a Arábia Saudita não esperaria a reunião de emergência da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) para elevar sua produção.

E há quem espere mais. A corretora Nomura Holdings afirmou ontem em nota que os preços do barril podem chegar a US$220 se, além da Líbia, a produção parar na Argélia. O maior temor é que os protestos cheguem à Arábia Saudita e retomem no Irã.

- Os preços do petróleo não cairão tão cedo - disse à Reuters Shelley Goldberg, estrategista de commodities da Roubini Global Economics. - Não se trata apenas da Líbia, mas do temor de que esses movimentos se espalhem por todo o Oriente Médio e Norte da África. Estamos provavelmente em um nível intermediário das revoltas, com mais pela frente.

Operações afetadas em 9 petrolíferas

Até agora, nove petrolíferas - BP, Eni, Total, Repsol, Royal Dutch Shell, Statoil, RWE, OMV e Wintershall - suspenderam total ou parcialmente suas operações na Líbia e estão tirando seus funcionários no país. A italiana Eni fechou o gasoduto que abastece a Itália, mas assegurou que tem estoque para atender à demanda.

Já a austríaca OMV viu suas ações desabarem até 7,8% depois de anunciar a paralisação de suas atividades na Líbia, onde obtém 10% de sua produção total. A empresa não tem como compensar essa perda na produção.

O "Financial Times" citou nota da consultoria JBC Energy, segundo a qual o mundo "começa a entrar em um verdadeiro choque do petróleo". Já Amrita Sen, analista de energia do Barclays Capital, disse que a gravidade vai além da perda de barris. "A desestabilização no mundo árabe, onde estão as maiores reservas e produção de petróleo e gás do planeta, é de extrema importância".

Os rebeldes que tentam derrubar o governo de Muamar Kadafi têm consciência da importância da indústria petrolífera para o país. Um dos principais ativistas da cidade de Benghazi, que não se identificou por questões de segurança, disse à agência Dow Jones que os rebeldes que assumiram o controle de regiões produtoras não querem atrapalhar a exploração.

- As operações de petróleo e gás devem continuar como estão. Não faremos nada contra as empresas estrangeiras porque elas estão ajudando a Líbia e fazendo seu trabalho.

Segundo a Dow Jones, citando fontes locais, petrolíferas no Leste da Líbia, como Arabian Gulf Oil Company e Marsa Al Brega Refinery, estão sob o controle de rebeldes pró-democracia. Riad Kahwaji, fundador do think tank Inegma, disse à agência que os líderes tribais não vão depredar as instalações porque sabem que o petróleo é sua maior fonte de renda.

A turbulência na Líbia continuou pesando sobre as bolsas internacionais. Tóquio recuou 0,80%. Londres fechou em queda de 1,22%, enquanto Frankfurt e Paris caíram 1,69% e 0,92%. Em Nova York, o índice Dow Jones recuou 0,88% e a Nasdaq, 1,21%.

FONTE : O GLOBO

Amélia Rabello - Candeia Branca/ Paulo Cesar Pinheiro e Luciana Rabello

O Rio – continuação::João Cabral de Melo Neto

Ou
relação da viagem
que faz o Capibaribe
de sua nascente
à cidade do Recife

Encontro com a Usina


Mas nas Usina é que vi
aquela boca maior
que existe por detrás
das bocas que ela plantou;
que come o canavial
que contra as terras soltou;
que come o canavial
e tudo o que ele devorou;
que come o canavial
e as casas que ele assaltou;
que come o canavial
e as caldeiras que sufocou.
Só na Usina é que vi
aquela boca maior,
a boca que devora
bocas que devorar mandou.

Na vila da Usina
é que fui descobrir a gente
que as canas expulsaram
das ribanceiras e vazantes;
e que essa gente mesma
na boca da Usina são os dentes
que mastigam a cana
que a mastigou enquanto gente;
que mastigam a cana
que mastigou anteriormente
as moendas dos engenhos
que mastigavam antes outra gente;
que nessa gente mesma,
nos dentes fracos que ela arrenda,
as moendas estrangeiras
sua força melhor assentam.

Por esta grande usina
olhando com cuidado vou,
que esta foi a usina
que toda esta mata dominou.
Numa usina se aprende
como a carne mastiga o osso,
se aprende como mãos
amassam a pedra, o caroço;
numa usina se assiste
à vitória, de dor maior,
de brando sobre o duro,
do grão amassando a mó;
numa usina se assiste
à vitória maior e pior,
que é a da pedra curta
furada de suor.

Para trás vai ficando
a triste povoação daquela usina
onde vivem os dentes
com que a fábrica mastiga.
Dentes frágeis, de carne,
que não duram mais de um dia;
dentes são que se comem
ao mastigar para a Companhia;
de gente que, cada ano,
o tempo da safra é que vive,
que, na braça da vida,
tem marcado curto o limite.
Vi homens de bagaço
enquanto por ali discorria;
vi homens de bagaço
que morte úmida embebia.

E vi todas as mortes
em que esta gente vivia:
vi a morte por crime,
pingando a hora da vigia;
a morte por desastre,
com seus gumes tão precisos,
como um braço se corta,
cortar bem rente muita vida;
via morte por febre,
precedida de seu assovio,
consumir toda a carne
com um fogo que por dentro é frio.
Ali não é a morte
de planta que seca, ou de rio:
é morte que apodrece,
ali natural, que visto.