domingo, 6 de março de 2011

Reflexão do dia – Romano Prodi - Os políticos e a moralidade pública

O homem político deve ser julgado pelos fatos. Mas entre os fatos há, antes de tudo, o exemplo. O exemplo de um político molda o comportamento cotidiano de todos. Profundamente. Ainda mais hoje, também em virtude dos meios de comunicação, o comportamento pessoal é, cada vez mais, um comportamento público. Além do mais, ao entrar na vida adulta, foi-me ensinado pelos influentes homens da Igreja que se pode agir com a moral apropriada às situações. Quando ouço dizer que certos atos dependem do contexto, me pergunto: o que mudou do ensinamento que tive para hoje? Conservo ainda os conteúdos críticos daqueles ensinamentos.

Romano Prodi, entrevista exclusiva ao ex-premiê e presidente da Comissão Européia. Os políticos e a moralidade pública. Portal do Partido Democrático, Itália, 02 de março de 2011.

Silêncios que falam :: Fernando Henrique Cardoso

Líderes de esquerda e progressistas precisam gritar pela liberdade

Desde quando vivi de muito perto a experiência da "revolta dos estudantes" de maio de 1968 em Paris, comecei a duvidar das teorias que aprendera sobre as mudanças sociais no mundo capitalista. Estas estavam baseadas na visão da História como uma sucessão de lutas entre as classes sociais visando ao controle do Estado para, por intermédio dele, seja manter a dominação de classes, seja destruir todas elas e construir a "sociedade do futuro" sem classes e, portanto, sem que os partidos tivessem função relevante. A qual seria crucial, na visão dos revolucionários do século 20 de inspiração leninista, apenas na "transição", quando se justificaria até mesmo a ditadura do proletariado, exercida pelo partido.

Pois bem, nas greves estudantis da Universidade de Paris, em Nanterre e na Sorbonne (assim como nos câmpus universitários americanos, com outras motivações), que acabaram por contaminar a França inteira e repercutiram pelo mundo afora, vi, perplexo, que as palavras de ordem não falavam em "anti-imperialismo" e só remotamente mencionavam os trabalhadores, mesmo quando estes, atônitos, entravam nos auditórios estudantis "ocupados" pelos ativistas jovens. Falava-se em liberdade, em ser proibido proibir, em amor livre, em valorizar o indivíduo contra o peso das instituições burocratizadas, e assim por diante. É verdade que nas passeatas havia bandeiras negras (dos velhos anarquistas) e vermelhas (dos bolcheviques). Faltavam os símbolos do novo e mais, na confusão ideológica geral, pouco se sabia sobre o que seria novo nas sociedades, isto é, nas estruturas sociais, do futuro. Por outro lado, o estopim da revolta não foram as greves trabalhistas, que ocorreram depois, nem choques no plano institucional, mas pequenos-grandes anseios de jovens universitários que, como num curto-circuito, incendiaram o conjunto do país.

Só que, logo depois, De Gaulle, vendo seu poder posto à prova, foi buscar apoio nos paraquedistas franceses sediados na Alemanha e, com a cumplicidade do Partido Comunista, restabeleceu a antiga e "boa" norma. Por que escrevo essas reminiscências? Porque desde então o mundo mudou muito, principalmente com a revolução informática. Crescentemente as "ordens estabelecidas" desmoronam sem que se perceba a luta entre as classes. Foi assim com o desmoronamento do mundo soviético, simbolizado pela queda do Muro de Berlim. Está sendo assim hoje no norte da África e no Oriente Médio. Cada vez mais, em silêncio, as pessoas se comunicam, murmuram e, de repente, se mobilizam para "mudar as coisas". Neste processo, as novas tecnologias da comunicação desempenham papel essencial.

Até agora, ficaram duas lições. Uma delas é que as ordens sociais no mundo moderno se podem desfazer por meios surpreendentes para quem olha as coisas pelo prisma antigo. A palavra, transmitida a distância, a partir da soma de impulsos que parecem ser individuais, ganha uma força sem precedentes. Não se trata do panfleto ou do discurso revolucionário antigo nem mesmo de consignas, mas de reações racionais-emocionais de indivíduos.

Aparentemente isolados, estão na verdade "conectados" com o clima do mundo circundante e ligados entre si por intermédio de redes de comunicação que se fazem, desfazem e refazem ao sabor dos momentos, das motivações e das circunstâncias. Um mundo que parecia ser basicamente individualista e regulado pela força dos poderosos ou do mercado de repente mostra que há valores de coesão e solidariedade social que ultrapassam as fronteiras do permitido.

Mas ficou também a outra lição: a reconstrução da ordem depende de formas organizacionais, de lideranças e de vontades políticas que se expressem de modo a apontar um caminho. Na ausência delas, volta-se ao antigo - caso De Gaulle - ou, na iminência da desordem generalizada, há sempre a possibilidade de um grupo coeso e nem sempre democrático prevalecer sobre o impulso libertário inicial. Noutros termos: recoloca-se a importância da pregação democrática, da aceitação da diversidade, do direito "do outro".

Talvez seja este o enigma a ser decifrado pelas correntes que desejem ser "progressistas" ou "de esquerda". Enquanto não atinarem ao "novo" nas circunstâncias atuais - que supõe, entre outras coisas, a reconstrução do ideal democrático à base da participação ampliada nos circuitos de comunicação para forçar maior igualdade -, não contribuirão para que a cada surto de vitalidade em sociedades tradicionais e autocráticas surjam de fato formas novas de convivência política.

Agora mesmo, com as transformações no mundo islâmico, é hora de apoiar em alto e bom som os germens de modernização, em vez de guardar um silêncio comprometedor. Ou, pior, quebrá-lo para defender o indefensável, como Hugo Chávez ao dizer "que me conste, Kadafi não é assassino". Ou como Lula, que antes o chamou de "líder e irmão"! Para não falar dos intelectuais "de esquerda" que ainda ontem, quando eu estava no governo, viam em tudo o que era modernização ou integração às regras internacionais da economia um ato neoliberal de vende-pátria. Exigiam apoio a Cuba, apoio que não neguei contra o injusto embargo à ilha, mas que não me levou a defender a violação de direitos humanos. Será que não se dão conta de que é graças ao maior intercâmbio com o mundo - e principalmente com o mundo ocidental - que hoje as populações do norte da África e do Oriente Médio passam a ver nos valores da democracia caminhos para se libertarem da opressão? Será que vão continuar fingindo que "o Sul", nacional-autoritário, é o maior aliado de nosso desenvolvimento, quando o governo petista busca, também, maior e melhor integração do Brasil à economia global e ao sistema internacional, sem sacrifício dos nossos valores mais caros?

Há silêncios que falam, murmuram, contra a opressão. Mas há também silêncios que não falam porque estão comprometidos com uma visão que aceita a opressão. Não vejo como alguém se possa imaginar "de esquerda" ou "progressista" calando no momento em que se deve gritar pela liberdade.

Sociólogo, foi Presidente da República
FONTE: O GLOBO

Fim das ditaduras?:: Rubens Ricupero

O congelamento e confisco das contas bancárias, o julgamento pelo Tribunal Penal Internacional e a aplicação do dever da comunidade mundial de proteger os povos contra crimes dos seus próprios governos são três armas poderosas que poderiam converter as ditaduras numa espécie em gradual extinção.

Na primeira das rebeliões árabes, a da Tunísia, a surpresa geral fez com que se demorasse semanas antes de adotar o congelamento da fortuna no exterior do ditador. No caso seguinte, o do Egito, agiu-se mais rápido, anunciando-se a medida horas depois do afastamento de Mubarak.
Na Líbia, a brutalidade da repressão e o ritmo de câmera lenta em que se desenrola o drama facilitaram a adoção quase imediata de sanções financeiras contra o tirano e seus parentes, de início pela Suíça, seguida por outros países.

Ao mesmo tempo e em resposta à resolução votada pelo Conselho de Segurança da ONU, o Tribunal Penal Internacional abriu investigação para apurar atentados contra a humanidade cometidos em relação à população.

Tudo isso é novo e digno de destaque. No passado recente, esse tipo de medida era raramente aplicado, embora fosse previsto pelas leis internacionais. Existia enorme relutância em apreender as fortunas saqueadas por ditadores mesmo quando eles haviam há muito tempo deixado o lugar do crime.

Os paraísos fiscais não cooperavam. Arrastavam-se por décadas processos como o movido contra o herdeiro de Duvalier, do Haiti, que continuou a viver na Riviera francesa chafurdado na riqueza que roubou de um dos povos mais miseráveis do mundo.

Outra novidade promissora é o fim da impunidade dos culpados de crimes contra seus povos. Cercada de ceticismo no princípio, a Corte Penal conquistou credibilidade ao processar e condenar perpetradores de crimes hediondos na ex-Iugoslávia e na África.

Julgamentos públicos exemplares como o do genocida Milosevic, da Sérvia, e do monstro de crueldade Taylor, da Libéria, começam a mostrar aos déspotas que não haverá mais exílio confortável e garantido para eles.

Falta agora não só apertar o cerco às fortunas ilícitas de ditadores ainda no poder e negar quartel e proteção aos foragidos. É preciso cumprir o compromisso assumido pelos chefes de Estado de todo o mundo na Cúpula das Nações Unidas de 2005. No parágrafo 139, eles se obrigaram a proteger as populações contra genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade por meio de "ação coletiva decisiva e em tempo, caso os meios pacíficos se provem inadequados e as autoridades nacionais falhem em proporcionar a proteção".

A declaração deixa claro que, nos casos de crimes de governos contra seus povos, a comunidade internacional tem a responsabilidade e o dever de intervir.

Cumprir esse dever depende de um sistema internacional em que as decisões podem ser vetadas por um governo chinês que não se dissociou do massacre de Tiananmen, pelo russo, que mantém a repressão no Cáucaso, por EUA e aliados, que fecham os olhos a violações de protegidos. Não será fácil, mas o avanço da consciência moral da humanidade exige o fim das tiranias e não se contentará com nada menos.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Ruptura e alianças :: Alberto Dines

Duas unanimidades inéditas e inesperadas no âmbito da ONU desmentem categoricamente a doutrina da inevitabilidade do conflito entre as civilizações proposta em 1993 pelo cientista político Samuel Huntington. O déspota líbio Muamar Qadafi que sempre encarnou a tese da impossibilidade do convívio entre o Islã e civilização ocidental está sendo o agente da sua negação.

No sábado (26/2), o Conselho de Segurança da ONU sob a presidência da brasileira Maria Luiza Viotti aprovou por unanimidade pesadas sanções contra o governo e os dirigentes líbios. Três dias depois, os 192 membros que compõem a Assembleia-Geral aprovaram sem um único voto contra a expulsão da Líbia do Conselho de Direitos Humanos. Até mesmo o representante líbio (rompido recentemente com Qadafi) votou contra o seu país.

Enquanto a Líbia mergulha numa sangrenta guerra civil, a humanidade representada pela sociedade mundial afirma e reafirma que há pontos de convergência, valores comuns, anseios e horrores assemelhados. A ruptura não está à espreita, há espaço para aproximações.

Estabelecido o primado da vida sobre a morte é possível construir um núcleo de consensos, independente das culturas, sistemas políticos, conceitos morais, ritos religiosos, tradições e costumes. A diversidade não nos conduz obrigatoriamente ao abismo, ao contrário, as diferenças são um estímulo para a construção de pontes.

O apalhaçado e cínico tirano - certamente um dos inspiradores da tese de Huntington - forçou uma situação-limite, letal, sem perceber que ao mesmo tempo incubava os anticorpos capazes de reverter a inexorabilidade do confronto. Mais parecido com Benito Mussolini do que com Adolf Hitler, o coronel Qadafi faz parte do mesmo elenco de bestas-feras cuja brutalidade é tamanha que automaticamente desperta os mais recônditos instintos de sobrevivência e decência.

Os ventos de mudança que sopram no mundo árabe não são fenômenos isolados, nem devem ser vistos como exclusivamente árabes, mediterrâneos ou islâmicos. Chegaram ao Irã que está na Ásia Central e não é árabe. Podem seguir na direção do Extremo Oriente ou dar uma volta e contagiar a Venezuela.

Este sopro não está sendo produzido pelas novas tecnologias de informação, nada tem a ver com Bill Gates ou Steve Jobs. Serve-se das suas maquinetas da mesma forma que no passado, em seguida ao Renascimento, a revolução protestante de Martinho Lutero dividiu a Europa graças ao poder das prensas e tipos móveis desenvolvidos por Johann Gutenberg na Alemanha.

O Choque das civilizações, a mais conhecida obra de Huntington, levou a ONU a criar em 2005, por sugestão do premiê espanhol José Luiz Rodriguez Zapatero, a Aliança das Civilizações que hoje conta com 100 países. E na mesma Líbia onde em 1941 e 1942 travaram-se as colossais batalhas que reverteram os triunfos iniciais do nazi-fascismo as forças de Qadafi ajudadas por mercenários massacram aqueles que ousaram rebelar-se contra ele. Quanto mais sangue for derramado, maior o clamor, mais amplos os vínculos para escorraçá-lo.

O mundo é mais igual e mais unido do que parece.

» Alberto Dines é jornalista

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Nunca antes? Nada disso:: Clóvis Rossi

GENEBRA - Reinaldo Gonçalves é professor titular de economia internacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos raros acadêmicos de esquerda que não se deixou cooptar por uma boquinha no governo ou até por menos, como um convite para jantar com os poderosos de turno.

Fez o que deve ser o papel do intelectual: mergulhou nos dados do IBGE e do Fundo Monetário Internacional para desafiar a propaganda governamental sobre as incríveis façanhas do governo Lula.

Montou tabelas que mostram o seguinte, em resumo apertado:

1 - Os 4% de crescimento médio do governo Lula colocam-no apenas em 19º no campeonato nacional de progresso econômico, entre os 29 presidentes desde a proclamação da República. Perde, por exemplo, para Itamar Franco e José Sarney.

2 - Quando começou o governo Lula, o Brasil representava 2,9% do PIB mundial. Quando terminou o governo Lula, o Brasil representava 2,9% do PIB mundial. Portanto, estagnou na competição global. E ficou longe dos 3,91% de 1980.

3 - Em matéria de variação comparativa do PIB, no período 2003/ 2010, o Brasil fica em humilhante 96º lugar, entre 181 países. Está no meio da tabela e abaixo até da média mundial de crescimento, que foi, no período, de 4,4%.

4 - Em matéria de renda per capita, a do Brasil evoluiu de US$ 7.547 para US$ 10.894, entre 2003 e 2010. Mas a sua posição no ranking mundial só piorou. Estávamos em 66º lugar e caímos para 71º.

Só para cutucar o cotovelo dos "argentinofóbicos", a renda per capital da Argentina é cerca de 50% maior que a do Brasil, com seus US$15.064. E ela melhorou, do 61º lugar para o 51º.

Não quer dizer com toda a numeralha que o governo Lula foi um desastre. Ao contrário. Mas tampouco foi o milagre que a sua propaganda apregoa. Simples assim.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Baile de máscaras:: Míriam Leitão

Se fossem num programa de humor, as escolhas do Congresso pareceriam ironia exagerada. Maluf para a Comissão de Reforma Política; Tiririca para a da Educação; João Paulo, réu do mensalão, para presidir a Comissão de Constituição e Justiça. Ruralistas no comando das comissões de meio ambiente. Atitudes do Congresso brasileiro estão erodindo a fé na democracia.
Vamos por partes neste filme de absurdos, começando pela mais inofensiva delas. Ainda há controvérsias sobre as habilidades do deputado Tiririca na leitura e escrita; mas mesmo que ficasse comprovado que ele não saber ler ou escrever, isso não o transformaria em portador de algo grave e insolúvel. Corrupção é incurável; analfabetismo, não. A dúvida que paira até agora sobre o deputado é do segundo problema e não do primeiro, felizmente. Se ele quiser, poderá evoluir na capacidade e destreza da leitura e será exemplo para milhões de brasileiros. Tiririca tem dito que quando a imprensa fala sobre essas limitações dele está incorrendo em preconceito. Não concordo. Há muito tempo ele faz sucesso e tem tido recursos suficientes para ter voltado aos estudos, que um dia interrompeu prematuramente. Tomara que ele se aplique nos estudos, mas definitivamente hoje ele não está preparado para discutir a fundamental questão da educação. A indicação mostra falha do próprio Congresso.

Há casos muito piores. É cristalino que um réu não pode presidir a Comissão de Constituição e Justiça. Absolutamente óbvio. O deputado João Paulo Cunha está respondendo à Justiça. Na dúvida, sempre se deve estar a favor do réu, ensina o Direito. Isso é completamente diferente de abrigar nessa Comissão pessoas que ainda terão que provar sua inocência em processos a serem julgados no Supremo Tribunal Federal. Há outros réus na comissão. No mínimo, por recato e respeito à Justiça, deveriam aguardar antes de buscar a indicação que obtiveram.

O Brasil tem 22 partidos com representantes na Câmara dos Deputados, a maioria não tem qualquer substância, propósito ou ideias. A fórmula de cálculo eleitoral é tão falha que permite injustiças, como vimos na última eleição. Deputados sem votos levados pelos puxadores de legenda; e políticos com votos, e boas contribuições ao país, como Luciana Genro, fora do Congresso. Há inúmeras evidências de que o sistema de representação política do país não está funcionando bem. Isso é parte do debate nacional faz tempo, mas quando aparece alguma proposta é só para agravar o problema. O voto em lista fechada não tem a qualidade que seus defensores apregoam, de fortalecer os partidos, e tira do eleitor o direito de saber em quem votou. Isso é até pior do que o fenômeno do esquecimento do eleitor em quem votou, como acontece atualmente. Não satisfeitos em receitar remédio que agrava os sintomas da doença, e ainda fortalece os feudos e os caciques partidários, os políticos brasileiros optam pelo deboche puro e simples. Pessoas de passado notório como o de Paulo Maluf, e outros dessa esquisita Comissão, não podem receber a tarefa de reformar o sistema político brasileiro.

O caso dos ruralistas nas comissões de meio ambiente, na Câmara e no Senado, tem natureza diferente. Eles representam um setor econômico importante para o país. Produzem alimentos para o Brasil e garantem o resultado positivo da balança comercial. Geram renda, emprego, impostos. Mas alguns deles têm demonstrado um anacronismo crônico em relação ao tema ambiental, inclusive até negando a existência das mudanças climáticas. Alguns são militantes da causa de que floresta boa é floresta derrubada; são arcaicos e raivosos inimigos da ideia da conciliação da produção com os limites do meio ambiente. Os ruralistas devem estar na comissão. O que está errado é a atitude corsária de tomar a comissão de assalto para impedir o diálogo e os avanços. O Brasil e o mundo estão diante de gigantescos desafios na área ambiental. O melhor para o agronegócio brasileiro é aceitar limites que estão se tornando padrão no mundo dos seus clientes. Uma pecuária que cria seu gado em área desmatada não terá espaço em mercado nobre. Soja comprada de fornecedores com flagrantes de mau comportamento será barrada. As certificações dos produtos aumentarão sua credibilidade. A lista suja dos que praticam trabalho escravo, contra a qual a CNA de Kátia Abreu se insurge, permite avanço do agronegócio e não o contrário. Quem tem mais a perder com a destruição do meio ambiente e suas consequências é exatamente os que usam a terra para produzir.

O custo da destruição ambiental hoje é alto demais. Se a economia soubesse como é econômico ser sustentável, seria sustentável só por economia. As mudanças da legislação têm que levar em conta os riscos que corre hoje a humanidade e os recursos necessários para refazer o que for destruído. Mais do que o acesso ao mercado, as exigências de limites são impostas pelo próprio Planeta. Portanto, ruralistas com visão arcaica devem guardar distância de uma comissão como a de meio ambiente.

A impropriedade de que o Senado seja presidido pelo senador José Sarney não é uma questão pessoal. É institucional. Político algum pode assumir o mesmo cargo pela quarta vez. A eternização nos cargos não é compatível com o bom funcionamento da democracia.

Se tudo isso for um programa de humor e o objetivo for ridicularizar o voto, o cidadão, o sistema de representação política e o Congresso, os parlamentares brasileiros devem insistir nesse caminho. Eles estão sendo bem sucedidos. Só que este filme já vimos: a confiança na democracia morre no final.

FONTE: O GLOBO

Copa e eleições, um passeio:: Eliane Cantanhêde

Dilma ficou calada, enquanto Guido Mantega e Miriam Belchior anunciavam cortes fantásticos de R$ 50 bilhões que, até agora, ninguém sabe, ninguém viu -nem imagina quando, onde e se ocorrerão. Mas há suspeitas de como o governo vai acochambrar tudo: nos preparativos da Copa do Mundo de 2014.

Assim: remenda-se o que foi "cortado" e joga-se tudo no mesmo saco, o saco sem fundos da Copa. Exemplo: as polícias estaduais não terão condições de assumir sozinhas as implicadíssimas operações de segurança país afora. Chamem-se as Forças Armadas!

Obviamente, recompondo os cofres do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

A Copa do Mundo vai servir, portanto, como um guarda-chuva para cobrir receitas e despesas e encobrir cortes que não são necessariamente cortes. Vale para a Defesa como para Cidades e Turismo, por exemplo, que também são fundamentais para a Copa e encabeçam a lista dos mais atingidos pelas tesouradas de Mantega e Belchior. Onde já se viu um empreendimento desse tamanho sem gastar em Cidades? E em Turismo?!

Nem importa, aí, se o ministro de Turismo é aquele octogenário das notas fiscais de motéis em situações e circunstâncias inimagináveis. E que, além disso, ou principalmente, é amigão e conterrâneo do mandachuva e do manda-cargos no governo Dilma tanto quanto foi no de Lula: José Sarney.

O mais impressionante, entretanto, é aquele detalhe que não sai da cabeça da gente: 2014 é ano de Copa, mas é também ano de eleição. Você, que sabe das coisas, pode imaginar que se gasta muito em Copas e que se gasta muitíssimo em anos eleitorais.

Os tribunais de Contas e todos os demais órgãos fiscalizadores vão precisar de muita gente, energia e verba para acompanhar o passeio do dinheiro entre obras e campanhas. Devem se esfalfar tanto quanto os atletas. E bem mais ostensivamente do que os políticos.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Paulinho da Viola - Foi um Rio que passou em minha vida

MULHERES - Socorro Ferraz: “Poucas participam por vocação”

Na próxima terça-feira as mulheres festejam o seu Dia Internacional. No entanto, apesar de estar em crescimento, a presença feminina na política eleitoral ainda é tímida.

A historiadora Socorro Ferraz, diretora do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPE, avalia como “pouco significativa” a participação feminina na política. Mas destaca que a eleição de Dilma Rousseff tem um efeito positivo para o gênero.


JORNAL DO COMMERCIO – Como a senhora avalia a evolução da participação da mulher na política?

SOCORRO FERRAZ – Do ponto de vista partidário/eleitoral é pouco significativa, se levarmos em conta que, desde 1934, a mulher pode votar e ser votada. O fato de termos uma mulher presidente não nos permite afirmar que isto é fruto de uma grande participação feminina na política. O estereótipo da mulher brasileira, que participa da política, é que ela deve ter um perfil de gerente, que administra no grito como se fosse um sargentão. Poucas participam da política partidária no País por vocação. A eleição de Dilma é um fato positivo para o gênero feminino e, dependendo de sua atuação, poderá provocar algumas mulheres a participarem de forma mais efetiva na política.

JC – Muitas mulheres só ganham espaço na política partidária devido a relações de parentesco, por quê?

SOCORRO – A maioria da parentela feminina de políticos, eleita com tarefas determinadas por seus mentores, não ajuda à participação do gênero na política maior de uma sociedade. Isto é comportamento equivocado dos homens e mulheres, que muitas vezes desejam aparecer publicamente, levados por vaidade.

JC – Quais as bandeiras femininas atuais?

SOCORRO – Continuam as mesmas do início do movimento feminista: respeito ao ser feminino, igualdade de oportunidades no trabalho, nos estudos e na vida social, reconhecimento das nossas diferenças de gênero, sem galhofas sobre as nossas características, término da violência contra a mulher. Todas estas reivindicações podem ser desenvolvidas como algo positivo para a humanização das relações entre homens e mulheres e elas podem fazer parte da educação de todos, que se inicia na casa e na escola.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Reforma política tem 300 propostas engavetadas

Uirá Machado

SÃO PAULO - Estima-se que mais de 300 proposições sobre reforma política circularam no Congresso nos últimos 20 anos. No entanto, estudo do cientista político Vitor Marchetti mostra que as principais alterações na estrutura da disputa eleitoral não vieram das mãos de deputados e senadores, mas do Judiciário.

"As mudanças aprovadas pelos congressistas foram sempre pontuais. Alterações mais profundas e impactantes vieram do TSE [Tribunal Superior Eleitoral] e do STF [Supremo Tribunal Federal]", afirma Marchetti.

Ele lista entre as principais mudanças a fidelidade partidária e a verticalização, que valeu em 2002 e 2006 e segundo a qual as alianças dos partidos deveriam seguir os mesmos critérios nos planos nacional e estaduais.

Outra regra importante, a Lei da Ficha Limpa nasceu pela iniciativa popular e sua aplicação, em 2010, foi decidida nos tribunais.

Quando o Congresso de fato produziu uma alteração importante, o STF a considerou inconstitucional. Trata-se da cláusula de barreira, que definia um desempenho eleitoral mínimo para que partidos tivessem acesso a recursos do Fundo Partidário e tempo de TV.

Para Marchetti, "a reforma, quando imposta pela Justiça, não reflete os consensos necessários e não tem legitimidade".

Em parte por isso, outras "imposições" da Justiça foram revertidas pelos legisladores: a redução do número de vereadores e a redistribuição do Fundo Partidário.

De acordo com Marchetti, seria um erro dizer que a culpa é da inoperância dos congressistas. "Uma reforma política, por sua natureza, precisa ser lenta, e a maturidade do nosso sistema é recente."

Mobilização não falta. A presidente Dilma Rousseff, em sua mensagem ao Congresso, afirmou que trabalharia junto para a "retomada da agenda da reforma política". As duas Casas responderam e criaram comissões para debater o tema.

Para Fabiano Santos, professor de ciência política da Uerj, "é provável que não se avance, mas não há nada errado nisso". Ele argumenta que há três dificuldades que param a reforma política.

A primeira é que não há consenso com relação aos fins desejáveis.
A reforma pode melhorar a representatividade dos parlamentares e fortalecer os partidos.

Pode aumentar a transparência e reduzir custos de campanha. Pode tornar o sistema mais simples e valorizar cada voto.

O problema é que cada sistema prioriza alguns desses aspectos, mas não todos (veja quadro baixo), e algumas propostas são mutuamente excludentes (o financiamento de campanha pode ser exclusivamente público ou não, por exemplo).

O segundo problema, diz Santos, é que, "ainda que houvesse um improvável consenso quanto aos objetivos, não há segurança quanto aos meios". Ou seja, é impossível ter certeza de que determinada mudança levará aos fins pretendidos.

Por fim, "há a incerteza dos próprios políticos, que têm receio dos efeitos da reforma", diz Santos.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

"Distritão" e fim das coligações beneficiam os maiores partidos

SÃO PAULO - Grande novidade da discussão sobre reforma política neste ano, o "distritão" beneficiaria os maiores partidos.

A proposta é encampada por políticos de peso, como o vice-presidente da República, Michel Temer, e José Sarney, presidente do Senado.

A ideia é simples: nas eleições para deputados e vereadores, seriam eleitos os mais votados em suas regiões.

Hoje, o sistema é mais complexo. Nas eleições para deputados federais, por exemplo, cada coligação tem direito a um número de cadeiras proporcional aos votos obtidos, e essas vagas são divididas entre os candidatos mais votados da coligação.

A maior crítica ao modelo atual é que, ao votar num candidato, o eleitor ajuda na eleição de outro.
Se fosse aprovado o "distritão", isso não aconteceria. Mas há outro efeito objetivo. Levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar mostra que o PT iria de 88 deputados para 91. O PMDB ganharia 10 vagas, e o PSDB, 12.

Outra discussão envolve o fim das coligações. Segundo o Diap, o PT chegaria a 108 deputados, o PMDB iria para 109, e o PSDB, para 65.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Divergência de interesses impede nova legislação:: Cláudio Gonçalves Couto

Mesmo os insatisfeitos temem que tentativa de conserto agrave problema

Há quatro anos, Lúcio Rennó, cientista político da Universidade de Brasília, publicou um artigo com o sugestivo título de "Reforma política: consensos necessários e improváveis".

Rennó apontava o paradoxo de que a identificação de problemas de governabilidade num sistema político levava à demanda por sua reforma, mas esses mesmos problemas obstaculizavam qualquer tentativa de levar reformas adiante.

Paradoxos similares explicam o porquê de tão frequente e intensamente clamar-se por uma reforma política no Brasil, sem que ela efetivamente saia -ou, ao menos, seja percebida.
A razão do clamor é a insatisfação com o funcionamento das instituições políticas de representação e governo.

Contudo, muitos clamam pela reforma política sem sequer saber o que ela significa ao certo e sem identificar com clareza as causas primeiras da operação insatisfatória do sistema.

É uma situação parecida com a de uma refeição em que todos sabem que a comida está ruim, mas não concordam sobre as razões disso e, portanto, sobre a solução que se poderá encontrar: uns acham que é o excesso de sal e outros, que é a falta; uns dizem que é o tempero, outros, que é a consistência, a temperatura etc. Seu único acordo é que o manjar se tornou intragável.

Em tal situação, mesmo os insatisfeitos temem que a tentativa de consertar o problema acabe por agravá-lo.

Nessa hora, preferem permanecer onde estão -sobretudo se ocupam o dúplice papel de elites que alcançam o poder com as regras vigentes e são as únicas capazes de modificá-las.
Mas não se trata apenas de um problema cognitivo, de desacordos sobre o diagnóstico e a prescrição. Há divergência de interesses, pois os grupos políticos são afetados desigualmente por diferentes reformas: cláusulas de barreira prejudicam partidos pequenos; lista fechada favorece partidos coesos e de forte identidade; "distritão" favorece os candidatos muito endinheirados etc. Como, então, criar consenso?

O que não se tem notado, todavia, é que muitas reformas ocorreram no Brasil nos últimos 20 e poucos anos, pontual e cumulativamente.

Avançaram mais as que tiveram apoio do Executivo, ator político unitário e poderoso (reeleição), e as criadas por meio da judicialização, quando os tribunais inovaram ou agiram de forma voluntarista (verticalização das coligações), ou atenderam a demandas da opinião pública desprezadas pelos políticos (fidelidade partidária).

Também prosperaram iniciativas oriundas da sociedade civil organizada e apoiadas pela mídia (legislação que pune compra de votos, Lei da Ficha Limpa e fim do pagamento por convocação extraordinária do Congresso).

Propostas do Legislativo atinentes ao sistema eleitoral prosperam menos por amplo desacordo, mas há mudanças importantes visíveis em outros campos.

Eleição em dois turnos, mandato presidencial de quatro anos, fim da contagem dos votos brancos como válidos nas eleições proporcionais, prazo mínimo de um ano antes da eleição para a filiação de candidatos e regulamentação das medidas provisórias. Não é pouco.

Cláudio Gonçalves Couto é cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (EAESP-FGV).

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Manobra do Conselho de Ética da época do mensalão do PT ajuda filha de Roriz

Para preservar o mandato de parlamentares envolvidos no escândalo, que tentavam se reeleger, o colegiado, na época comandado pelo atual ministro da Justiça, Martins Cardozo, determinou que só seria aberto processo por atos cometidos após a posse

Denise Madueño



BRASÍLIA - Uma mudança nas regras do Conselho de Ética da Câmara pode impedir a abertura de processo de cassação contra a deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF). Ela aparece em um vídeo - revelado em primeira mão pelo estadão.com.br e de posse do Ministério Público - recebendo dinheiro do pivô do "mensalão do DEM" no Distrito Federal, Durval Barbosa, ex-secretário de Relações Institucionais do Distrito Federal.

Para livrar acusados de envolvimento no escândalo do mensalão do governo Luiz Inácio Lula da Silva, desde 2007, o colegiado passou a levar em conta apenas atos cometidos pelos deputados após a posse para a abertura de processos por falta de decoro.

O vídeo, que mostra a deputada e o marido dela, Manoel Neto, recebendo e colocando na mochila um maço de aproximadamente R$ 50 mil, segundo estimativa feita pelo Ministério Público, foi gravado na campanha eleitoral de 2006. O esquema de corrupção foi revelado pela Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal, e acabou derrubando o ex-governador José Roberto Arruda (ex-DEM).

Operação política. A estratégia política deflagrada em 2007 no Conselho de Ética da Câmara tinha como objetivo garantir os direitos políticos dos deputados Paulo Rocha (PT-PA) e Valdemar Costa Neto (PR-SP). Eles haviam renunciado ao mandato em 2005 para fugir do processo de cassação na Câmara.

O deputado João Magalhães (PMDB-MG) também foi beneficiado nessa operação. Acusado de envolvimento no esquema dos sanguessugas - como ficou conhecido o escândalo de compra superfaturada de ambulâncias com recursos do Orçamento da União - Magalhães não chegou a ser julgado antes do final de seu mandato.

Reeleitos, assim que os três assumiram o mandato, em fevereiro de 2007, o PSOL entrou com novo pedido de cassação, seguindo a regra sempre adotada na Casa: deputados que praticaram atos que ferem o decoro parlamentar em mandatos anteriores poderiam ser julgados ao assumir novo mandato.

A arquitetura governista para salvar os deputados contou com a atuação do então deputado e atual ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo (PT-SP). Ele permaneceu no conselho por sete meses de seu mandato de dois anos como titular no colegiado, mas foi o tempo suficiente para resolver o problema dos acusados que enfrentariam novo processo de cassação.

Absolvição eleitoral. Cardozo deu o voto e os argumentos favoráveis para o arquivamento dos processos, em resposta a uma consulta dos partidos aliados PMDB, PT, PR e PP ao conselho.

Professor de direito, Cardozo considerou que os eleitores, ao eleger os acusados, haviam, de alguma forma, optado por sua anistia. Em sua avaliação, as acusações contra os parlamentares tinham sido amplamente divulgadas pela imprensa e a população pôde fazer a opção de reconduzi-los à Câmara.

Na defesa do arquivamento, Cardozo admitiu a abertura de processo na hipótese de os fatos surgirem após a eleição do parlamentar, mesmo que tenham acontecido antes da posse. "Se os fatos que podem ser qualificados como incompatíveis com o decoro parlamentar já eram de conhecimento público ou notórios no momento da eleição, a abertura de processo de cassação do novo mandato, em regra, não poderá ser admitida", escreveu o deputado em sua argumentação no Conselho de Ética.

O voto de Cardozo foi acolhido pelo relator, então deputado Dagoberto Nogueira (PDT-MS), e a resposta à consulta foi o arquivamento dos processos. A aprovação da nova regra provocou uma crise no Conselho de Ética. Nelson Trad (PMDB-MS) renunciou à sua vaga e o colegiado foi perdendo a credibilidade.

Inoperante. "A medida criou uma jurisprudência nefasta. Uma atitude vergonhosa que deixou o conselho inoperante", criticou o líder do PSOL na Câmara, Chico Alencar (RJ).

Antes de 2007, a Câmara era clara na abertura dos processos. Até então, deputados que renunciavam ao mandato para fugir de cassação e voltavam à Casa estavam sujeitos à reabertura do julgamento disciplinar. Foi assim com o deputado Pinheiro Landim. Em janeiro de 2003, ele renunciou ao mandato para evitar a cassação depois de ser acusado pela Polícia Federal de suposto envolvimento na compra de habeas corpus para quadrilha de traficantes. Quando Landim assumiu um novo mandato, em fevereiro de 2003, o então presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), determinou o desarquivamento da sindicância. Landin renunciou de novo.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

A reforma agrária de Lula:: Editorial/O Estado de S. Paulo

Com o bordão "nunca antes na história deste país", o ex-presidente Lula costumava se jactar de ter feito mais pela reforma agrária do que todos os seus antecessores. À primeira vista os números do Incra pareciam dar-lhe razão: nada menos do que 48,3 milhões de hectares teriam sido incorporados às áreas de assentamento rural, beneficiando 614 mil famílias, no período de 2003 a 2009. Desse modo, o governo anterior seria responsável pela distribuição de 56% das terras objeto de reforma agrária na história do País (85,8 milhões de hectares) e por ter beneficiado 66,4% do total das famílias assentadas (924 mil).

Contudo, um desdobramento desses números, feito pelo geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, professor da USP, revela que os dados divulgados pelo Incra não correspondem à realidade. Ele verificou que 26,6% das famílias dadas como assentadas pelo órgão já viviam e produziam nas mesmas zonas rurais, embora sem contar com o título de propriedade. Outros 38,6% das famílias incluídas na mesma classificação são compostas de trabalhadores que ocuparam lotes abandonados em áreas de reforma agrária já existentes. Feitas as contas, constata-se que apenas 34,4% do total, ou seja, 211 mil famílias foram realmente assentadas nos oito anos de Lula, quase um terço do que dizia o atual presidente de honra do PT.

Como observou o professor da USP, foi uma medida correta conceder títulos de propriedade às famílias já estabelecidas por conta própria no campo, geralmente em terras devolutas, e incluí-las no Programa Nacional de Fortalecimento à Agricultura Familiar (Pronaf). Mas, em nome da verdade e para evitar manipulação política, "o governo deveria esclarecer que não se trata de assentados pela reforma", como disse o professor Oliveira.

O vezo do governo Lula em considerar que só houve avanços reais no Brasil depois de 2003, levou-o a não reconhecer que muitos assentamentos já tinham sido realizado nos lotes que foram ocupados por famílias que substituíram as que os abandonaram ou os transferiram informalmente a terceiros, uma prática irregular, mas frequente. Adicioná-los ao número de famílias assentadas acarreta dupla contagem. De qualquer forma, isso representa reordenação fundiária e não deveria figurar como novos assentamentos, como ressaltou o professor da USP.

Na ânsia de produzir resultados, o Incra também registrou como assentamentos promovidos pelo governo melhoramentos nas zonas rurais nas proximidades de vilas ou pequenas cidades, cujas populações foram retiradas em razão da construção de barragens para a construção de hidrelétricas. Nestes casos, o governo federal por meio das concessionárias de energia tem construído novos núcleos urbanos, destinados tanto às populações locais como aos operários do canteiro de obras. Àqueles proprietários que desejam permanecer no meio rural, podem ser fornecidos lotes com casas, contando com alguma infraestrutura. Não são poucos, porém, os casos de proprietários rurais desapropriados que preferem realizar seus próprios negócios, utilizando a indenização recebida. É absolutamente incorreto computar essas mudanças como assentamentos.

Como se vê, o conceito de reforma agrária do Incra é elástico. No desdobramento dos números verifica-se que, no governo Lula, só foram feitas desapropriações de áreas particulares para novos assentamentos em 9,3% (4,5 milhões de hectares) dos 48,3 milhões de hectares que o órgão considera como disponíveis para a reforma agrária. Os restantes 43,3 milhões de hectares eram terras públicas, da União ou dos Estados, localizadas principalmente na Região Norte. No entender do professor Oliveira, a ocupação dessas áreas não caracteriza reforma agrária, mas colonização, um termo de que o Incra aparentemente não gosta, apesar de estar entre suas finalidades.

A série estatística do Incra não desce a esses detalhes, como seria de esperar de um estudo sério e competente, sem finalidades políticas e que não se prestasse à bazófia.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Brasileiro dribla preços altos com novas armas

O repique da inflação nos últimos meses está levando os consumidores a mudarem hábitos para enfrentar os preços altos, sem abrir mão de pequenos luxos. A principal arma que vem sendo usada é a "compra picada", ou seja, o brasileiro não está mais estocando produtos, para esperar que entrem em oferta. Além disso, substitui alimentos.

Velha inflação, novas armas

Para driblar repique de preços sem abrir mão de pequenos luxos, consumidor muda hábitos e aproveita promoções

Vivian Oswald


A nova sociedade de consumo brasileira, que recebeu 30 milhões de membros da classe média nos últimos cinco anos, já tem as suas próprias armas para enfrentar o repique da inflação e driblar a alta dos preços dos alimentos - a segunda em três anos. Sem querer abrir mão dos pequenos luxos a que pôde se dar recentemente, não se importa em correr atrás dos dias das promoções nos supermercados ou mudar seus hábitos. O consumidor também tem a seu favor o benefício da chamada "compra picada". Sem necessidade de estocar alimentos, como fazia no passado hiperinflacionário, espera os descontos para determinados produtos e aproveita as ofertas.

Pelo segundo ano seguido, o Brasil vive uma escalada dos preços, embalada pela disparada das cotações das commodities e pelo maior crescimento da economia em 24 anos. Como o IBGE divulgou na última quinta-feira, o Produto Interno Bruto (PIB) teve expansão de 7,5% em 2010, a maior taxa desde 1986. O governo adotou políticas fiscal e monetária para desacelerar esse ritmo, de forma a não favorecer novos reajustes de preços. Mas o consumidor tem armas mais simples do que a complexa equação que mistura juros altos e aperto nos gastos públicos.

Por exemplo, as grandes redes já identificaram que o brasileiro vem comendo mais legumes e verduras - que tiveram deflação - e tem abusado de frangos, deixando para comprar carnes bovinas apenas com desconto. Desde o segundo semestre de 2010, a carne subiu cerca de 30%.

No GBarbosa, rede sergipana de supermercados e quarta maior do Brasil, só em janeiro deste ano as vendas de frango subiram 140% em relação a janeiro de 2010. Nos últimos seis meses, o crescimento foi de 100%.

- Isso não significa que as pessoas tenham caído de padrão. Saíram da carne bovina, mas não foram para os cortes de frango. Estão comprando filé - disse o diretor comercial da rede, José Luiz Tavares de Miranda.

Cliente da classe C é mais racional

De olho no comportamento do consumidor, a cadeia passou a negociar lotes maiores de aves para garantir melhores preços e atender à nova demanda. Além disso, o GBarbosa criou o dia da promoção das carnes bovinas, com descontos de até 30% no produto, dadas as grandes quantidades negociadas.

A aposentada Dana Saldanha já não faz mais compras de mês para aproveitar as ofertas e evitar desperdícios. Ao comprar menos, segundo ela, as chances de economizar são maiores e as de perder alimentos, menores.

- Durante o período da hiperinflação, assim que saía o salário, eu ia direto para o mercado. Passava mais tempo nas filas do que propriamente fazendo compras. Hoje, dá para ir controlando o que se gasta com a compra miúda - disse.

- Somos só dois em casa. Prefiro comprar menos para ter mais alimentos frescos e aproveitar os descontos - conta a professora Luciana Pitanga.

Embora esteja de olho nos preços, o consumidor está comprando mais. O aumento da renda está por trás de novos hábitos. O iogurte, por exemplo, que não fazia parte da lista de produtos que os nordestinos consumiam até recentemente, foi o perecível cujas vendas mais cresceram no GBarbosa. O aumento, que se mantinha em torno de 8% ao ano, já teria chegado a dois dígitos. O mesmo aconteceu com os eletrodomésticos, que, só em janeiro, cresceram 25%.

Especialista no comportamento do consumidor, a professora Eliane Rodrigues do Carmo, do curso de administração da Universidade Estadual do Oeste (Unioeste), do Paraná, diz que o novo cliente da classe C é mais racional e sabe que trabalha com uma renda mais restrita.

Ele quer consumir, mas procura gastar apenas o necessário, e a compra miúda é seu grande aliado. Assim, economiza para realizar desejos como comprar bens duráveis como carros ou a casa própria.

Inflação está no inconsciente coletivo

A equipe econômica se preocupa com a diversidade dos aumentos na economia, mas destaca que não tem como controlá-los, como no passado. Cabe à própria sociedade desenvolver os seus métodos para gastar menos.

- O consumidor tem de pesquisar. Também fazemos uma pesquisa semanal dos 40% principais produtos que vendemos para manter uma média de 5% de vantagem em relação aos concorrentes. O cliente quer bons preços - disse o diretor do GBarbosa.

O vice-presidente Corporativo do grupo Pão de Açúcar, Hugo Bethlem, diz que há exagero nos temores em relação à inflação:

- O varejo sempre foi o grande freio da inflação e continua sendo. Não compro o que sei que meu cliente não vai pagar.

O desejo de consumir bens duráveis também é um novo traço do consumidor pós-hiperinflação, segundo o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, que já foi diretor do BC. Mas ele avisa que a inflação ainda paira no inconsciente coletivo e que os brasileiros trabalham com expectativas.

- À medida que a inflação fica alta, fornecedores e consumidores vão embutindo nos preços o chamado prêmio de desconfiança. Cabe ao Banco Central entregar a inflação que promete.

FONTE: O GLOBO

Pibão de emergente, com dívida social

Pobreza e desigualdade são mazelas de Brasil e demais Brics, que lideram crescimento global

Fabiana Ribeiro

Na nova ordem mundial, emergentes como Brasil, Índia, China e Rússia (que juntos formam os Brics) são potências econômicas, a despeito de seus enormes passivos sociais. Uma realidade distante do que se via num passado recente, quando poderio econômico vinha junto de bem-estar social. Esta semana, o IBGE informou que a economia brasileira cresceu a uma taxa recorde de 7,5% em 2010. Com isso, o país foi alçado ao posto de sétima maior economia do planeta. China e Índia também tiveram elevadas taxas de expansão no ano passado, de 10,3% e 8,6%, respectivamente. Estima-se que os Brics, em 2050, estarão entre as cinco maiores economias do mundo.

Mas, enquanto os líderes econômicos costumavam frequentar as primeiras posições também no ranking do Índice do Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, os emergentes ainda têm uma longa dívida com os mais pobres - além de uma enorme desigualdade de renda. Se o Brasil hoje é a sétima maior economia, está na 70ª posição no ranking do IDH. A China, segunda maior economia do planeta, está em 89ª em desenvolvimento humano. A Índia tem o décimo maior Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país em um ano), mas o 119º IDH.

Novo padrão global: dinamismo nem sempre traz bem-estar social

Um cenário que leva o economista Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central (BC), a afirmar que a nova dinâmica econômica do planeta não coloca como pré-requisito ter um alto desenvolvimento humano.

- No Brasil, estamos dando um voo de águia, e não mais de galinha. Porém, esse crescimento vem num novo padrão mundial, no qual o dinamismo econômico não traz, na mesma magnitude, o bem-estar social. Mas, quando um país como o Brasil tem perspectivas com, por exemplo, o pré-sal, certamente estamos falando de avanços econômicos, mas também sociais.

Índia e China, que tiveram excepcional desempenho econômico nos últimos anos, aumentaram a desigualdade. O Brasil, nesse quesito, foi no caminho oposto - apesar de ainda ter uma gigantesca dívida social.

- Apesar das mazelas sociais, o crescimento brasileiro traz redução da pobreza. É o crescimento a favor dos pobres. Mas emergentes, como o Brasil, chegarão ao topo com uma alta dívida social. Por isso, torna-se mais do que importante manter taxas de crescimento econômico sustentáveis a longo prazo do ponto de vista social, certamente, e ainda do ponto de vista ambiental. Tudo isso para não comprometer as gerações futuras - afirma Bruno Saraiva, economista de País do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no Brasil.

Para se ter ideia do tamanho do gargalo social no Brasil, a média de anos de estudo no país é igual à do Zimbábue, o pior IDH do mundo. A média de escolaridade para pessoas com mais de 25 anos no Brasil é de 7,2 anos. Pelo critério do Pnud, o ideal seria o que foi registrado nos Estados Unidos em 2000, 13,2 anos.

A Rússia, por sua vez, desmantelou seu estado de bem-estar social após a queda do comunismo. No país que detêm uma das maiores reservas de petróleo e gás do mundo, a expectativa de vida ainda beira os 65 anos. No ranking do IDH, a Rússia aparece na 65ª posição. E o país tem o 11º maior PIB do planeta.

Alfredo Coutino, diretor da Moodys.com para a América Latina, frisa que, se o Brasil crescer numa velocidade de 5% ao ano, já seria capaz de ultrapassar a Inglaterra nos próximos cinco anos.

- Na próxima década, há a possibilidade de ultrapassar a França e ser a quinta economia do mundo.

FONTE: O GLOBO

Mario Covas: A despedida de um símbolo

Em depoimento exclusivo, ajudante de ordens relata momentos finais da luta do então governador de São Paulo contra o câncer

Alberto Bombig

Em 1992, o jovem tenente da Polícia Militar José Roberto Rodrigues de Oliveira viu dois colegas de farda morrerem baleados por um homem que havia invadido uma casa em Pirituba, zona norte de São Paulo. Eram encontros frequentes com a morte, como esse, que motivavam a cada dia o oficial a tentar trocar a violência das ruas pelo trabalho um tanto burocrático na Casa Militar do Palácio dos Bandeirantes.

Quatro anos depois, Oliveira chegaria à sede do Executivo paulista, localizada no outro extremo da capital do Estado, para atuar na segurança do então governador Mario Covas. Como no poema de Bandeira, a "indesejada das gentes", no entanto, também o acompanharia até o novo endereço. O destino o escolheria para, no dia 6 de março de 2001 - há exatos dez anos -, testemunhar o que ele define como "momento histórico" -, a morte do governador em exercício do Estado de São Paulo, após uma luta franca contra o câncer que se tornou pública e mobilizou o País.

Na madrugada daquele dia, Oliveira dava plantão no Instituto do Coração (Incor), em frente ao quarto onde Mario Covas Júnior, nascido em 21 de abril de 1930, em Santos, travava sua batalha final. O câncer na bexiga havia sido diagnosticado três anos antes, logo após a reeleição do governador, que desde então se viu obrigado a seguir uma rotina de tratamentos, crises e internações hospitalares.

Só os modernos aparelhos médicos emitiam sinais de que o paciente ainda resistia naquela madrugada em São Paulo, até que, às 5h32, Oliveira assistiu, conforme seu relato, ao término do embate - o momento em que o coração do governador parou de bater.

"Vi o monitor do computador, que mostra pressão, pulsação, de repente fazer piiiiiiiiii... Eu falei para o médico, tinha um médico intensivista que ficava no corredor observando esses dados aí, de pressão, essas coisas: ‘Doutor, é um momento histórico’. Ele respondeu:

‘Realmente’. Até me arrepio", conta com exclusividade ao Estado Oliveira. "De repente, (os sinais vitais) voltam (a aparecer no aparelho), e eu falei: ‘Doutor, está voltando!’. E ele: ‘Não, não, isso é assim mesmo, vai, volta, mas, infelizmente, ele acabou de falecer", completa o policial, hoje ajudante de ordens do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), então vice de Covas e que, àquela altura, já estava no comando do Estado.

Não deu tempo de Oliveira externar emoção. Sua função exigia que ele comunicasse imediatamente o chefe da Casa Militar que, em seguida, informaria Alckmin da morte de Covas.

Foi o que ele fez. Somente horas depois, quando já era dia, o dever deu lugar ao sentimento. "Nós descemos a (avenida) Rebouças (transportando o corpo) com o carro (funerário). Realmente, esse momento é único (...) Vários helicópteros voando, a rua parando, os seguranças chorando porque ele não era parente, mas a gente viveu como se fosse, nós vivemos a doença dele e procuramos, da melhor forma, minimizar os problemas dele. É um ser humano que estava ali", conta o hoje major, aos 47 anos.

Treinamento. De fato, todos os oficiais da equipe de segurança de Covas foram obrigados a passar por um treinamento de enfermagem para acompanhá-lo, pois o governador se recusou a sair de cena para se dedicar exclusivamente ao tratamento. Pelo contrário. Mesmo debilitado, ele tentava manter a rotina do cargo. "Ele estava realmente no comando do Estado", relembra Oliveira. "Você percebia nele a vontade de querer que as coisas melhorassem. Ao mesmo tempo, você percebia a fragilidade, porque a doença ia avançando."

A insistência de Covas em não sucumbir à doença foi acompanhada pela imprensa. Certa vez, ele chegou a desabafar com os jornalistas: "Eu estou para morrer, podem publicar", bem ao seu estilo que transitava entre o rabugento e o sincero. No início de 2001, o câncer havia atingido as membranas que revestem a medula cervical e o cérebro, e Covas pediu à equipe de segurança para ir até Bertioga, no litoral paulista. "Vamos até a praia porque é última vez que eu vou vê-la", disse ele, segundo Oliveira.

No helicóptero. No litoral, ele teve uma recaída, e a família mandou Oliveira ir ao Guarujá buscar o médico David Uip, que determinou sua transferência imediata ao Incor, onde se submeteria ao tratamento quimioterápico. O governador, sua mulher, Lila, a filha Renata, o médico e o policial foram de Bertioga para São Paulo no maior helicóptero do governo, que pesa cerca de cinco toneladas. Diante da gravidade do caso, Uip disse que o piloto deveria pousar direto no heliponto no Hospital das Clínicas, ao lado do Incor, cuja capacidade não ia além de três toneladas.

"O piloto manteve o helicóptero ligado sem soltar todo o peso (ao pousar). Nós tiramos ele (Covas) no braço. Era um momento em que não tinha o que fazer. Era emergência mesmo", relembra Oliveira. Segundo ele, momentos antes do pouso, Covas encontrou tempo para brincar. "Ele disse para a dona Lila e para a Renata saírem correndo imediatamente porque o prédio ia despencar." A mesma história é contada por Alckmin para sublinhar o "estilo Covas".

O prédio do hospital resistiu ao peso da máquina, mas Covas desabou, pela primeira vez, em frente a Oliveira. "Realmente eu vi uma fragilidade, ele chorando com a dona Lila porque estava morrendo", relembra. "Foi a última vez que ele falou", conta.

Na quarta-feira, 7 de março, Oliveira voltaria de novo ao litoral, dessa vez na cabine de um caminhão do Corpo de Bombeiros. Na carroceria viajava o corpo de Mario Covas para ser sepultado em Santos. Perto do mar.

DEPOIMENTOS

Aécio Neves, ex-governador e senador do PSDB por Minas Gerais

'Ganhei na Câmara por causa do Covas'

"Mário Covas não se preocupava com circunstâncias, mas com convicções. Ou era admirado ou era temido. Tem um episódio muito marcante na minha vida com o Covas, quando, em 2000, eu tentei fazer uma aliança para me eleger presidente da Câmara. Eu achava que era hora de o partido assumir a presidência da Casa. Mas eu não tinha o apoio do governo, que queria preservar a sua aliança com o PFL. Decidi então ir a São Paulo, falar com o governador. Disse a ele: governador, eu tenho condições de disputar. Ele me perguntou: ‘Você acha que tem chance? Tem os votos? Então dispute’. Numa sexta-feira, já doente, Covas pegou um avião e foi a Brasília. Entrou na sala da liderança, abraçando todo mundo, e disse: ‘E por que é que o PSDB não pode ter a presidência da Câmara? Pode sim. Aécio é nosso candidato’. Eu ganhei a eleição à presidência da Câmara por causa do Mário Covas."

Geraldo Alckmin, governador de São Paulo

'Amava as pessoas e sofria com o problema delas'

"O Mario Covas era um homem que tinha apreço pela democracia porque tinha respeito pelas pessoas e pelo povo. Ele era, às vezes, bravo. Eu me lembro que uma vez, chegando ao gabinete, ele governador, eu, vice, e a dona Ana, a secretária, falou para o Mario Covas: ‘Como o senhor está bem-humorado!’. Ele olhou assim para ela e disse: ‘Não conte para ninguém’. Às vezes, também revia suas posições. Eu fui eleito presidente do PSDB de São Paulo, e o Covas tinha apoiado a Zulaiê Cobra Ribeiro. Veja o que é um homem magnânimo, porque eu não tive o apoio dele, ganhei a eleição e depois ainda virei vice-governador dele duas vezes. Eleito presidente do diretório, fui ao gabinete dele. Tinha lá um jornal pregado na parede: ‘Covas derrotado’. Falei: ‘Olha senador, me dê tempo, e o senhor vai ver que eu serei um presidente do partido’. Três semanas depois, fizemos um almoço para arrecadar fundos para o PSDB. O Covas e a dona Lila foram os primeiros a chegar."

José Serra, ex-governador de São Paulo

'Uma apoiou o outro nas vitórias e nas derrotas'

"Na minha memória, a cada ano que passa, o Mario Covas se torna maior e melhor. Vão ficando seus atributos essenciais: a coragem de defender suas ideias, a dedicação à vida pública, a integridade pessoal. Lembro com carinho do Mario. Eu o conheci em Santos quando eu era presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) e ele, deputado recém-eleito, pela primeira vez, antes do golpe de 1964. Só o revi quando voltei do exílio, no final dos anos 70. Passamos a conviver e batalhar sempre do mesmo lado. Cada um apoiou o outro nas vitórias e derrotas. Devo a ele ter sido relator de vários capítulos importantes de nossa Constituição. O Mario era esquentado. Em comícios, mais de uma vez, ajudei a segurá-lo quando ele se dispunha a descer do palanque e partir para a briga, quando alguém gritava ou exibia algo ofensivo, alguma baixaria. O Mario Covas não tinha casca grossa para absorver ofensas pessoais, o que é incomum entre os políticos."

Bruno Covas,secretário do Meio Ambiente do Estado

'Mais que as obras, ficaram os exemplos'

"Meu avô fazia política 24 horas por dia, sete dias por semana. Em 1995, vim morar com ele em São Paulo para estudar e acabei acompanhando-o nos seis anos de governo. Foi uma grande experiência, que nos aproximou. É impressionante o fato de que em um país como o Brasil, onde ser político muita vezes significa somente coisas ruins, ele ainda seja tão lembrado dez anos depois de sua morte. Muitas pessoas, quando contam histórias dele, se emocionam. Se a gente for ver tudo o que ele fez, muito mais do as obras e outras realizações, ficaram os exemplos. O grande sonho dele era construir uma ponte para reduzir a distância entre ricos e pobres. Uma vez, nas férias, cheguei em casa de madrugada, fazia muito frio e ele estava acordado. Perguntei, de brincadeira, se ele havia perdido o sono. ‘Como você consegue dormir sabendo que há tanta gente que não tem onde morar?’, foi a resposta que deu."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Coral Mocambo - Evocação Nº 1 - Nelson Ferreira

Marcha de quarta-feira de cinzas:: Vinicius de Moraes

Acabou nosso carnaval
Ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações
Saudades e cinzas foi o que restou.

Pelas ruas o que se vê
É uma gente que nem se vê
Que nem se sorri, se beija e se abraça
E sai caminhando
Dançando e cantando cantigas de amor.

E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade...

A tristeza que a gente tem
Qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir, voltou a esperança
É o povo que dança
Contente da vida, feliz a cantar.

Porque são tantas coisas azuis
Há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar de que a gente nem sabe...

Quem me dera viver pra ver
E brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz.