segunda-feira, 11 de abril de 2011

Entrevista: Luiz Werneck Vianna, pesquisador da PUC-RJ

Novo ambiente não permite que Dilma repita Lula

Wilson Tosta / RIO

Mudanças no ambiente político e econômico - no Brasil e no mundo - somadas a diferenças de estilo têm impedido a presidente Dilma Rousseff de repetir o governo de Luiz Inácio Lula da Silva na extensão em que gostaria.

A avaliação é do cientista político Luiz Werneck Vianna. Em balanço dos primeiros 100 dias do novo governo, o pesquisador da PUC-RJ ressalta que a presidente, ao lado de elementos de continuidade em relação à gestão anterior - como um "repertório" econômico que remete ao varguismo, ao regime militar e ao terceiro-mundismo - opera modificações significativas. Uma delas, na política externa. Outra, no relacionamento com o movimento sindical. "A unidade das centrais foi trincada no governo Dilma pela questão do salário mínimo", diz Vianna.

O acadêmico vê crescente afastamento entre Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Força Sindical e entende as revoltas de operários do PAC como mudança fundamental na conjuntura, por se darem no Centro-Oeste e serem centradas na construção civil. Como fator de permanência, aponta a continuação do "capitalismo politicamente orientado" do passado, reabilitado no segundo governo Lula e centrado no estímulo, via Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), a grandes grupos econômicos nacionais. "A Dilma tem essa marca também" afirma o pesquisador.

São 100 dias sem Lula e 100 dias com Dilma. Dá para notar alguma diferença?

Dá. Nas circunstâncias e neles. As circunstâncias se alteraram, em alguns pontos significativamente. A revolução árabe, com que o tema da democracia como valor universal se impõe; com que também a perspectiva dominante durante o governo Lula, de um viés terceiro-mundista, perde muito da sua força. Esse é um ponto. Uma questão interna que também acarreta mudança é a questão sindical e operária. Aí, as mudanças circunstanciais, na contingência e até de personalidade dos atores influem.

De que forma?

O ex-presidente Lula veio dos sindicatos, Dilma não. A questão sindical parece tão desconfortável para a presidente que ela a vem delegando ao Gilberto Carvalho. A questão dos sindicatos no Brasil, com seus matizes e suas nuances, foi como que obscurecida, abstraída, por ser tratada em bloco nas centrais sindicais. Falava-se no governo Lula nas centrais sindicais como uma unidade. Essa unidade foi trincada no governo Dilma com a questão do salário mínimo. Por mais que as centrais, especialmente CUT e Força Sindical, tenham feito força para não estabelecer contrastes, na medida em que o processo andava o contraste se impunha, inclusive no sensível tema da contribuição sindical. Essa é uma questão que vai seguir e deve aprofundar fraturas.

Dilma não está conseguindo lidar com esse afastamento?

Ela não tem partido. O partido dela tem partido nessa questão, a favor do fim da contribuição e a favor da pluralidade sindical. São duas questões que animaram o sindicalismo do ABC e foram responsáveis, no governo Lula, por aquele Fórum Sindical de 2004, quando o (Ricardo) Berzoini apresentou Proposta de Emenda Constitucional pelo fim da unicidade sindical e da contribuição sindical. E que o Lula fez retirar da pauta. A partir daí, as centrais atuaram como central única.

Nesse quadro, onde entram as rebeliões operárias do PAC?

Aí também está subentendida uma disputa entre elas. O sindicalismo daquela região está fortemente sob orientação da Força ou da CUT. Quem ganhar ali vai definir o tipo de sindicalismo que teremos no governo Dilma. A enorme novidade é a seguinte: o deslocamento do centro de gravidade sindical do Sudeste para o Centro-Oeste do País, do setor metalúrgico para o da construção civil. Pode-se dizer que isso não vai ser um processo permanente. Mas na conjuntura é, em função das obras do PAC, das hidrelétricas que se construirão, da Olimpíada, a Copa do Mundo.

Isso é um fator novo desses primeiros 100 dias de Dilma.

Sim, mas esses 100 dias devem se prolongar. No que se refere à construção civil, certamente. Foram milhares e milhares de trabalhadores novos, sem a menor tradição de vida sindical, que estão chegando a um dos principais teatros de operações do capitalismo brasileiro, nas proximidades do agronegócio, em obras estratégicas. Outra questão das circunstâncias é a inflação. O governo Lula não conheceu ameaças de surtos inflacionários, como o governo Dilma vem conhecendo. Inclusive, é ela que está pagando a conta das políticas anticíclicas exercitadas a partir de 2008. Poderemos ter um surto inflacionário que, se vier, varre este ciclo de governos do PT. O mundo que a Dilma conhece é novo em relação ao que Lula conheceu.

A votação do salário mínimo foi um marco da mudança, não? Dilma fincou pé nos R$ 545. Isso foi só ali ou se repete?

Isso tende a avançar, a deslocar o sindicalismo para fora do Estado, devolvê-lo às ruas, ao parlamento. O sindicalismo no Brasil, hoje, está instalado no interior do Estado, não é?

O que o sr. aponta no movimento sindical pode ser replicado? A relação com o MST, por exemplo, fica mais distante?

Já ficou. Tende a se aprofundar.

O PMDB hoje atrapalha menos a presidente que o PT?

O que admito como estratégia para o PMDB é se converter em uma base segura para o governo Dilma, em que ela confie mais do que em qualquer outra configuração. Não estou dizendo que vai ter êxito, mas a meu ver é o sentido desse movimento. Acho uma política esperta.

E a oposição? O que explica a sua desagregação?

A oposição não tem programa. Sempre pode-se dizer que o governo não tem programa, estamos no reino do pragmatismo instrumental. Uma coisa é ser pragmático. Outra é não ter fim algum, é ir tocando.

Na economia, a atuação do governo não aponta para um capitalismo de Estado?

É um capitalismo politicamente orientado.

Esse não é um objetivo estratégico do governo?

É, mas aí teria de ser anunciado em um programa de clara natureza terceiro-mundista, o Estado afirmado programaticamente como instância superior, indutora. Isso não é feito.

Então, se há objetivos estratégicos, são sub-reptícios.

São contínuos às nossas práticas anteriores. Inclusive, com este inesperado ocorrido no segundo mandato do Lula, que foi devolver vida ao repertório da era Vargas e parte do repertório do regime militar.

Quer dizer, na medida em que nós avançamos, em vez de inovarmos, procurarmos repertórios novos, nós consultamos repertórios antigos.

Essa contradição, a meu ver, nos mata, nos imobiliza. A Dilma tem isso, tem essa marca também. Ela não vem do ABC, vem do trabalhismo brizolista.

O que podemos esperar de um governo Dilma, então, é a continuidade disso?

Tem outras forças atuando lá. E o mundo não está favorável a essa inclinação. Imagino um deslocamento maior dessa agenda terceiro-mundista, dessa agenda BNDES, dessa agenda capitalismo politicamente orientado, dessa agenda 1950. Agora, o que a oposição não tem é um programa alternativo a esse e não puramente negativo. A oposição se conforta com a denúncia liberal dessas políticas, e com isso não tem lugar nos sindicatos, na sociedade, não tem lugar nenhum.

O senhor, anteriormente, disse que o presidente Lula comandava um Estado Novo do PT e era um Getúlio havia tempos. Essa relação acabou?

A operação que Lula realizava acabou.

O senhor se refere ao uso do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social para trazer todos os setores sociais para dentro do governo e ficar de cima arbitrando? Isso morreu?

Morreu. Ficou o repertório, a associação via BNDES com grandes grupos econômicos.

Dilma é, então, uma continuação imperfeita de Lula?

Continuação ela é. E provavelmente por vontade própria o seria mais. O que estou tentando sustentar é que ela não tem nem a circunstância, nem o estilo pessoal para levar a cabo essa continuação. O que penso é que cada vez ela vai ser provocada no sentido de criar um governo novo, ter um estilo novo, separando-se assim do governo anterior.

QUEM É

Graduado em Direito pela UERJ e em Ciências Sociais pela UFRJ, Mestre em Ciência Política pelo Iuperj e doutor em Sociologia pela USP, Professor e pesquisador da PUC-RJ. Autor, entre outros, dos livros Esquerda brasileira e tradição republicana, sobre a era FHC-Lula, e a Revolução Passiva: Iberismo e Americanismo no Brasil, ambos publicados pela Editora Revan.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO, 10/04/2011

Bom jogo, deputado!::Ricardo Noblat

“Dizem que é muito saboroso” (Tarso Genro, governador do Rio Grande do Sul pelo PT, sobre fumar maconha)

Então fica combinado assim: nesta quarta-feira, na companhia do filho Vinícius, de 13 anos, de dois assessores e dos colegas Romário (PSB-RJ) e Eduardo Gomes (PSDB-TO), embarca para Madri o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS). Irá assistir ao jogo Real Madrid xBarcelona. Quem pagará a conta do passeio? Nós, contribuintes.

Foi Romário quem convenceu Marco Maia a viajar. Você votou em Romário? Pois é. Ele preferiu bater bola na Barra da Tijuca a participar da primeira sessão da Câmara, este ano. Outro dia, profetizou ao comentar seu desempenho como deputado: “Ainda ouvirão falar muito de mim.”

Torcedor do Grêmio, Marco Maia ouviu Romário falar que seria imperdível o jogo Real Madrid x Barcelona, pela 32a -rodada do Campeonato Espanhol. Romário provou na ele a rivalidade que existe entre os dois times quando jogou pelo Barcelona.

Marco Maia comprou a sugestão de Romário. Mas deputado algum pode viajar para oexterior àcusta da Câmara sem que seja em missão oficial. E sem o conhecimento prévio dos seus pares. Foi dado conhecimento a eles. Quanto ao caráter oficial da missão, deu-se um jeito.

A Embaixada da Espanha no Brasil soube do interesse de Marco Maia em visitar o parlamento espanhol entre os próximos dias 14 e 17—nem

antes e nem depois. E, se possível, em se reunir com o presidente da Câmara dos Deputados de lá, José Bono Martinez, do Partido Socialista Operário Espanhol. A embaixada fez o que lhe cabia.

Real Madrid e Barcelona jogarão no dia 16, sábado. Marco Maia ecomitiva deixarão Brasília no dia 13 com destino a Lisboa. De lá,voarão para Madri, desembarcando às 9h do dia 14 no aeroporto de Barajas. Voltarão ao Brasil na noite do dia 17, domingo.

A Espanha atravessa grave crise econômica a menos de um ano da eleição que renovará os 350 assentos do Congresso dos Deputados (Câmara) eos 208 da Câmara Alta (Senado). O PSOE está no poder há oito anos. Deve perdê-lo. O pri-meiro-ministro José Luiz Rodríguez Zapatero desistiu de disputar mais um mandato.

José Bono Martinez concor-dou em receber Marco Maia e comitiva no domingo dia 17, quando a Câmara não funciona. No sábado, dia do

jogo, também não funciona. Marco Maia visitará a Câmara no dia 14 ou 15. Os deputados espanhóis estão ocupados com as eleições municipais e regionais de maio. Mas sempre haverá alguns na cidade.

Com eles , e também com José Bono, Marco Maia quer bater um papo sobre projetos de energia eólica e as restrições à entrada de brasileiros na Espanha. Empresários espanhóis que investem em energia eólica no Brasil estão sempre por aqui até quando não são chamados. Imagine se fossem!

Nem mesmo o Itamaraty, depois de dois anos de trabalho duro, dobrou aresistência espanhola à entrada de brasileiros no país. De 2006 para cá, triplicou o número de brasileiros que migraram para a Espanha, parte deles de forma ilegal. Sim, Marco Maia aproveitará aestadia em Madri para ser entrevistado pelo jornal “El País”.

O jornal tem correspondente no Brasil. Caso julgasse importante entrevistar Marco Maia o faria daqui mesmo. Daqui, ou de lá poderia entrevistá-lo via Skype. Mas se o deputado prefere ir bater na porta do jornal... problema dele. Problema nosso também, que toleramos transgressões, digamos assim, “menores”. Pecadilhos...

Uma vez, Lula presidente, filhos dele, acompanhados de amigos, pegaram carona no avião presidencial de São Paulo para Brasília. Depois, foram se divertir no Lago Paranoá a bordo da lancha presidencial. Bobagem, não? O piloto de Dilma infringiu regras de segurança dando carona a uma amiga no avião presidencial. Outra bobagem!

Em Cádiz, auma hora de voo de Madri, Lula receberá, na próxima sexta-feira, o Prêmio Liberdade Cortes de Cádiz, criado pela prefeitura local. Quem sabe Marco Maia ecomitiva não aparecem por lá para prestigiá-lo? Dá para ir e voltar sem correr o risco de perder o jogo.

FONTE: O GLOBO

Democracia e liberdade de imprensa :: Denis Lerrer Rosenfield

A América Latina apresenta uma situação bastante curiosa, pois há uma tendência crescente a dissociar a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação em geral da democracia. É como se o fato de realizar periodicamente eleições, frequentemente com abusos de poder ou simulacros de igualdade na competição partidária, fosse suficiente para um país ser, sem mais, qualificado como uma democracia. Mas um aspecto da maior importância é simplesmente desconsiderado: as condições de exercício da democracia, como a liberdade de pensamento e de expressão, no seu sentido mais amplo, terão sido observadas?

Uma democracia, no sentido político do termo, só cobra o seu pleno significado como realização de direitos civis, que são, assim, observados. Dentre eles devemos destacar a liberdade de ir e vir, a liberdade de organização sindical e partidária, a liberdade de pensamento, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação. Um Estado que não observa esses direitos civis, por mais que procure encobrir os seus atos como "legais", nada mais é do que uma ditadura explícita ou em via de se consumar.

Antes, no entanto, de atentarmos para casos próximos a nós, seria interessante recorrer a exemplos históricos das sociedades que fizeram a experiência do socialismo. Tomemos o caso dos países do "socialismo real", como a antiga Checoslováquia, o seu exemplo valendo para todos os demais. No início de suas manifestações, na década de 1960, por mais liberdades, que culminaram com a invasão das tropas comunistas soviéticas, os cidadãos checos não lutavam para eleger seus governantes, mas para poderem livremente expor seus pensamentos. Propugnavam uma imprensa livre, combatiam para poder expressar suas opiniões.

Muito tempo depois, quando do desmoronamento da União Soviética, com seus reflexos em todos aqueles países, muitos dos contestadores do comunismo/socialismo continuavam ainda lutando por direitos civis, por estimarem, naquele então, que as liberdades políticas não estavam no horizonte próprio, oprimidas que se encontravam pelos respectivos Partidos Comunistas e seus aparatos policiais. Para eles, tratava-se de um direito básico, condição, por assim dizer, de todos os demais. Aqueles que se recusavam a conceder tais direitos, pretendendo guardar o monopólio do poder, eram os que temiam a propagação política das liberdades civis assim conquistadas. Não há nenhum país "socialista" ou "comunista" que tenha reconhecido os direitos civis - em particular a liberdade de imprensa e expressão -, salvo em seu ocaso.

Nesse sentido, o mundo político do século 20 tinha uma vantagem sobre o do século 21: a clareza. Os socialistas, com diferentes usos de retórica, eram contra a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação em geral, não escondendo seu propósito de silenciá-los. Os atuais, porém, são mais ardilosos: eles silenciam a liberdade de imprensa em nome da "verdadeira" liberdade de imprensa! Pervertem a democracia em nome da democracia!

Exemplo particularmente paradigmático é o fato de o presidente venezuelano, Hugo Chávez, autocrata assumido, ter recebido da Universidade de La Plata, na Argentina, um prêmio de reconhecimento por seu "trabalho" em prol da liberdade de imprensa. Ou seja, um liberticida é agraciado por "seu apreço pela liberdade de imprensa". Um protoditador que silencia empresas de rádio e televisão, ocupa despudoradamente a mídia, aniquila o Estado de Direito em seu país é "reconhecido" pelos "socialistas" como digno defensor da liberdade de imprensa. O deboche é total. E o pior de tudo é que não se trata de um programa de humor, nem mesmo de humor negro!

O prêmio, ademais, foi concedido por uma universidade, que se desonra, evidentemente, como lugar por excelência da liberdade de pensamento, compactuando com os que procuram, por todos os meios, sua eliminação. Um reitor desse tipo deveria ser nomeado pela presidente Cristina Kirchner para presidir a Comissão Pública de Censura. Pelo menos as coisas estariam no seu lugar!

A própria Cristina Kirchner, aliás, empreende luta ferrenha contra um dos mais importantes conglomerados de comunicação da Argentina, o Grupo Clarín. Recentemente, o jornal El Clarín não pôde circular por causa de piquetes organizados por sindicalistas peronistas, a serviço do mesmo grupo político. Vale simplesmente a força, tendo até ordens judiciais sido descumpridas. A polícia, por sua vez, observou o ato de violência sem agir.

Há uma espécie de tolerância com esse tipo de atos que é extremamente preocupante. Alguns fazem o "torto" - para não dizer "esquizoide" - raciocínio de que, como há eleições nesses países, tudo pode, então, ser resolvido. O problema é, porém, muito mais grave, porque as próprias eleições estão sendo deformadas, graças ao progressivo controle político dos órgãos de imprensa e de comunicação em geral e, de maneira mais precisa, do processo de formação da opinião pública.

Tais exemplos deveriam ser levados seriamente em consideração em nosso país, pois no governo anterior eles começaram a ser imitados. Tivemos uma sucessão de iniciativas e conferências nacionais que compartilhavam o mesmo princípio de que deveria haver um controle de conteúdo, de que deveriam ser levadas em conta propostas de uma sociedade civil - manipulada, diga-se de passagem - que instalariam a "verdadeira" liberdade de imprensa. Estamos diante do mesmo ardil, o de suprimir as liberdades em nome da "verdadeira" liberdade. São crias do mesmo projeto autoritário.

Se é bem verdade que o Brasil precisa de uma nova legislação para o setor de audiovisual e telecomunicações, pois as leis dessa área datam da década de 70 do século passado e nesse meio tempo houve toda a revolução digital, por outro lado convém não confundir a necessária modernização do setor com a instauração velada de novas formas de silenciar os direitos civis.

Professor de Filosofia na UFRGS.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O último Judt:: Fernando Barros e Silva

"Há algo profundamente errado na maneira como vivemos hoje. Ao longo de 30 anos a busca por bens materiais visando o interesse pessoal foi considerada uma virtude: na verdade, essa própria busca constitui hoje o pouco que resta de nosso sentimento de grupo. (...) O caráter materialista e egoísta da vida contemporânea não é inerente à condição humana."

Palavras peremptórias demais? É o início de "O Mal Ronda a Terra", o último livro do historiador Tony Judt, que acaba de sair no Brasil.

Morto no ano passado, aos 62, Judt diz ter escrito o seu "tratado sobre as insatisfações do presente" para os jovens da Europa e dos EUA. Seu testamento intelectual é uma defesa abrangente da social-democracia. Mas sua perspectiva não é doutrinária, e sim analítica.

São desmistificadoras as palavras que dedica ao horizonte "individualista" das aspirações libertárias da esquerda dos anos 60. Foi uma geração que se uniu não "em torno de interesses comuns, mas sim das necessidades e dos direitos de cada um". Mas o melhor do livro talvez seja seu inconformismo diante do recuo do debate público e da pasmaceira da política atual.

"Tornou-se lugar comum afirmar que todos queremos a mesma coisa, apenas propomos maneiras um pouco diferentes de atingir os objetivos. Mas isso é simplesmente falso. Os ricos não querem a mesma coisa que os pobres. Quem depende do trabalho para sustentar a família não quer a mesma coisa que quem vive de investimentos e dividendos. Quem não precisa dos serviços públicos não busca o mesmo que as pessoas que dependem exclusivamente do setor público".

Essa proposição, diz ele, era algo evidente, mas hoje "nos estimulam a descartá-la como encorajamento incendiário entre as classes".

Quanto estamos dispostos a pagar por uma sociedade decente? -questiona Judt. Ele faz a pergunta a sociedades que, em grande medida, já são decentes, ou muito mais do que o Brasil jamais foi.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O tucano e seu novo canto no outono:: César Felício

"O Brasil dos nossos dias não admite nem o exclusivismo do governo nem o da oposição. Governo e oposição, acima de seus objetivos políticos, têm deveres inalienáveis com o nosso povo. Mantenha-se cada um inquebrantavelmente fiel aos seus programas e compromissos. Não há por que arriar bandeiras ou renunciar princípios, porque seria uma inqualificável traição, mas que se encontre um terreno limpo e nobre onde todos possamos nos encontrar emancipados de preconceito e liberto de idiossincrasias para obra comum do engrandecimento nacional".

Foi com este discurso que Tancredo Neves se despediu do Senado em 1983, dias antes de assumir o governo de Minas Gerais e a disposição de seu neto Aécio - "homem do diálogo que não foge às suas responsabilidades e convicções; não teme o enfrentamento do debate nem as oportunidades de convergência em torno dos interesses do Brasil", conforme se autodefiniu da tribuna do mesmo Senado na última quarta - em emular o avô é evidente.

O discurso de Aécio na última quarta não foi o lançamento de uma candidatura presidencial, da mesma forma como Tancredo não o fez em 1983. Tanto àquela época como hoje esta condição não estava dada, porque a liderança da oposição estava e está em disputa e a presença de José Serra no plenário do Senado dificilmente terá outra leitura.

"Não se traçou uma plataforma de candidato, mas uma proposta para assumir o bastão da resistência", comentou um dos articuladores do aecismo, o presidente do PSDB mineiro, deputado federal Marcos Pestana. Por isso Aécio apresentou sugestões que podem explorar fissuras dentro da base governista, como questões tributárias do interesse dos municípios e de Estados e acenos à sociedade civil, como ao mencionar o "manifesto de defesa da democracia", um momento da campanha eleitoral do ano passado em que personalidades antes próximas do PT demonstraram seu distanciamento do poder.

Em seu discurso, Aécio praticamente ignorou a existência da presidente Dilma Rousseff e tratou seu governo como o nono ano da administração Lula. Seguiu a leitura correta das pesquisas, de acordo com um consultor do PSDB, o cientista político Antonio Lavareda, da MCI Consultoria, que lembrou que, decorridos cem dias de administração dilmista, as pesquisas de opinião mostram que o governo da presidente ainda não tem um marca. "A ação administrativa mais lembrada é a educação, com 10%. Nos cem dias de Lula, o combate à fome era citado por 32% dos pesquisados", comentou Lavareda, citando pesquisas recentemente divulgadas.

São todos movimentos em um cenário adverso, como costuma ser o panorama de quem está na oposição depois de três derrotas eleitorais seguidas. O próprio Lavareda lembra que, mesmo sem marca, a popularidade de Dilma dá mostras de robustez que não havia no início da administração lulista. Dilma investiu muito na conquista do eleitorado feminino, e eliminou o fosso de gênero que fazia com que o petismo transitasse menos entre as mulheres do que entre os homens.

Ainda aguardando uma resposta do partido, Lavareda não comenta o plano estratégico que apresentou ao PSDB na reunião dos governadores da sigla, realizada em Belo Horizonte, no sábado que antecedeu o discurso do senador. A proposta teve cinco vertentes, segundo relatou Pestana: democratização interna, recrutamento de novos quadros, definição de propostas de apelo popular, ligação com a sociedade civil e investimento em marketing. "O PSDB precisa ser refundado em vários Estados. Precisa ter as características típicas da social-democracia, se ligando com a CNBB, com a OAB. Precisamos fazer abaixo-assinado em praça", disse Pestana.

A necessidade de aumentar a musculatura do partido de alguma forma, até com novas filiações é óbvia. O PSDB polariza com o PT, mas está particularmente debilitado. Em apenas três estados - São Paulo, Minas Gerais e Goiás - o PSDB conta com mais de três deputados federais em sua bancada. Conta com um deputado no Rio Grande do Sul, dois no Rio de Janeiro, dois na Bahia e nenhum no Distrito Federal. Em 1998, em circunstâncias também bastante adversas, o PT estava com mais de três deputados em quatro Estados - Bahia, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Será curioso observar se o PSDB conseguirá uma reversão de tendências tão grande a curto prazo. A oposição emagrece em todo o Brasil, e não apenas em função da criação do PSD do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Dois dias depois do discurso de Aécio, um dos fundadores do PSDB, o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira, anunciou que está deixando a sigla, em entrevista a Maria Inês Nassif, neste jornal. Em linhas gerais, afirmou que o PSDB foi nas últimas eleições "o partido dos ricos", ou a grande agremiação de centro-direita no país. Como disse o aliado do Aécio, fala em buscar a trilha social-democrata 23 anos depois de sua fundação.

Não se vive o panorama de 1983 em que o governismo de então estava dividido, sem comando, impopular e com um horizonte provável de derrota sucessória, independentemente de a eleição presidencial ser direta, como tentou a oposição, ou indireta, como conseguiu que fosse o governo. As perspectivas de sucesso eleitoral em 2014 da oposição são modestas e esta é uma das vertentes que alimenta o crescimento de um partido como o PSD, que nasce sem projeto nacional. A aurora se divisará no horizonte entre os tucanos à medida em que se acumularem as dificuldades do governo federal em encontrar uma fórmula para crescer aceleradamente com inflação baixa.

César Felício é correspondente em Belo Horizonte

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Quanta irritação:: Danuza Leão

Dilma e Lula têm um traço parecido: não se esquecem dos que discordaram de seus pensamentos

Aos cem dias do governo Dilma é impressionante o número de vezes em que saiu na imprensa "Dilma se irritou", "Dilma ficou irritada".

A presidente sempre teve fama de geniosa, mas foram tantas as ocasiões em que seu temperamento virou notícia que não dá para acreditar. É bom que ela seja sóbria e fale pouco, o que está sendo um alívio geral. Mas só assim, de memória: Dilma se irritou quando houve o apagão; se irritou com uma tradutora em NY; se irritou com Henrique Meirelles porque ele teria divulgado que imporia condições para ficar no Banco Central; se irritou quando, durante a campanha, foi questionada sobre a volta da CPMF e sobre o aborto; se irritou com a assessoria quando trocou o nome de uma cidade do Nordeste. Essas são apenas algumas das irritações públicas, imagine as privadas.

Lula falava muito, mas só sobre o que queria; não disse nem vai dizer uma só palavra sobre os passaportes especiais concedidos à sua família ítalo-brasileira. Já o estilo de Dilma é confortável. Como fala pouco, não precisa explicar os gastos dos cartões corporativos da Presidência, que aumentaram 8,2% em apenas cem dias, nem as ações do Ministério da Pesca, minha grande curiosidade há anos. Quais estarão sendo os feitos de Ideli Salvatti?

Quem trabalha para o governo não pode piar, pois algumas das irritações presidenciais acabaram em demissão ou em não nomeação -de quem a irritou, é claro. Dilma e Lula não são iguais, mas um traço de seus perfis é parecido: eles não se esquecem dos que, em algum momento, discordaram de seus pensamentos, e esperam a hora para dar o troco. Quando ela chega, é quase como dizia Maquiavel: a bondade deve ser feita aos poucos, a maldade, de uma vez só. Quase: a diferença é que para os amigos, aliados e correligionários, a bondade é tão grande, que basta uma (para cada).

Será que existe no fundo, lá no fundo, um espírito de vingança? Seria um absurdo achar que Dilma tem, em seu caráter, traços ditatoriais -logo ela, que tanto sofreu com a ditadura militar. Mas dentro de um contexto humano, é compreensível que ela se comporte, agora, um pouco como os militares se comportaram. Eles achavam que podiam tudo, agora é ela quem (acha que) pode tudo; faz sentido. Às vezes sua vontade -ou a do seu partido, não sei- extrapola o aceitável quando se fala de uma democracia plena. Brizola -lembra dele, presidente - disse, na primeira posse de Lula: "isso vai ser uma ditadura stalinista".

Presidente, pegue mais leve. Mesmo tendo recebido uma enorme aprovação, lembre-se que muita gente não votou na senhora. Obrigar o Bradesco a votar pela troca do presidente da Vale -que teve uma atuação brilhante- sob a ameaça de não haver renovação de um contrato que vencerá no fim do ano é inaceitável. E pior: o banco aceitou. Dilma deve estar irritada com as opiniões do ministro Mantega e do presidente da Petrobras, que diferem: um diz que a gasolina vai aumentar, o outro que não vai, e ela não gosta disso.

Não é razoável que um/uma presidente fique irritado/irritada com pessoas que não rezam pela sua cartilha e acham que o Brasil não é um feudo. É um país, e tem dono: pertence aos quase 200 milhões de brasileiros.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO, 10/4/2011

Quem tem medo do doutor Guido Mantega? :: Marco Antonio Rocha

No mercado financeiro e redondezas há quem compare o ministro Guido Mantega ao leão da Metro-Goldwyn-Mayer: ruge bastante, mas, vai ver, é apenas filme...

A taxa cambial tornou-se um avantesma bruxuleante que escapa sorrateiro dos botes do ministro, que sorri amarelo para não parecer assustado enquanto insiste: "Não vamos permitir grandes sobressaltos no câmbio". Isso, depois da última tentativa de "atenuar" a valorização do real, que resultou no dia seguinte numa queda do dólar para R$ 1,58. Há ainda quem ironize, dizendo que o melhor, para evitar novas desvalorizações do dólar, é Mantega parar de tomar medidas, caso contrário ele é capaz de jogar o dólar para R$ 1,2o em pouco tempo. Mas ele não desiste: "Nós vamos continuar a tomar medidas", disse em São Paulo num seminário na sexta-feira.

E há outro tema-assombração que o ministro tem administrado com grande competência: "Vamos continuar travando luta contra a enxurrada de capital" - luta que também tem sido perdida semana a semana.

Gabriel García Márquez dizia que o seu personagem coronel Aureliano Buendía entrou "em muitas revoluções, e perdeu todas". Não diremos do nosso ministro que ele lembra também esse personagem, mesmo porque não entrou em revolução nenhuma. Mas o retrospecto das suas iniciativas sugere resultado análogo. Lembremos, todavia, a bem da verdade, que Guido Mantega não está tendo a vida fácil no cargo, que, dadas as circunstâncias do momento, parece muito a famosa camisa de onze varas - expressão cujo significado é claro para todo mundo, mas cuja origem gostaríamos que alguém nos explicasse.

Uma das varas dessa camisa é justamente a questão do câmbio. Como o dólar se desvaloriza diante do real, os produtos brasileiros, cotados em dólares no mercado mundial, tornam-se cada vez mais caros para o consumidor externo e os produtos importados pelo Brasil tornam-se cada vez mais baratos para o consumidor brasileiro.

Quer dizer, o equilíbrio da balança comercial brasileira com o exterior está cada vez mais ameaçado, como aliás apontou um estudo recente da Organização Mundial do Comércio (OMC). E o nosso déficit em transações correntes, que já é elevado, eleva-se mais. E ainda há o inconveniente de que, dentro do Brasil, os produtos importados vão-se tornando mais baratos do que os produtos nacionais, prejudicando a indústria nacional, mas de certo modo beneficiando o consumidor brasileiro e até ajudando a conter o impulso da inflação, pois muita mercadoria brasileira tem participação de importados.

Mas, já que em teoria o Brasil adotou o câmbio flutuante, o remédio para o problema seria deixar o dólar ir mergulhando à vontade até encontrar um ponto de equilíbrio (ou resistência) que seria dado pelas forças do mercado. Porém, no intervalo, a indústria brasileira poderia ser arrasada, o emprego industrial cairia bastante e o consumidor brasileiro estaria, na prática, contribuindo para a criação de empregos fora do Brasil.

Como se percebe, a charada não tem solução de prateleira. É preciso, como se dizia antigamente, dar tratos à bola - que é o que o ministro anda fazendo, presume-se, sem muito sucesso por enquanto.

Mas está andando na corda bamba, com a inflação nos calcanhares - ela já bateu nos 6,3%, acumulada em 12 meses, pertinho do teto da meta, que é 6,5%. E o acumulado de 12 meses vem subindo desde agosto passado.

A outra fonte de aflição para o ministro é o que ele próprio chamou de "enxurrada de capital". A economia brasileira está bombando, o Brasil paga mais juros do que qualquer outro país e a economia externa está em passo de tartaruga. Nada mais natural, portanto, que haja enxurrada de capital para dentro do Brasil, pois capitalistas gostam é de onde há festa. Só que os dólares que entram têm de ser convertidos em reais, que aumentam a liquidez interna (a quantidade de dinheiro no mercado), o que alimenta a fervura consumista e, indiretamente, o risco de inflação.

Então, o ministro aumenta o IOF tentando conter a enxurrada e, ao mesmo tempo, encarecer os empréstimos e as vendas a prestação, para inibir o consumo. Só que isso também não está dando certo, porque, mesmo com IOF maior, ainda vale a pena operar no Brasil e tomar crédito. O IOF teria de ser gigantesco para ter efeito mais imediato. Só que depois se tornaria eterno, pois quando alguma coisa aumenta a arrecadação do governo, este imediatamente inventa novos usos para o excedente e nunca mais pode dispensá-lo. Todos conhecemos esse filme.

Digamos, portanto, que o avião do doutor Mantega não está cruzando céu de brigadeiro. Está com vento de proa e com cumulus nimbus (CBs) num horizonte mais ou menos próximo. Se ele não encontrar maneira de assegurar ao mercado que a inflação, o déficit em contas correntes e a balança comercial não escaparão da curva, e se não descobrir medidas que tenham credibilidade no mercado, no sentido de retirar, mesmo a médio prazo, os indicadores do mau caminho em que entraram, provavelmente terá de ser substituído, pois é o que um governo faz para exorcizar pessimismo e descrença.

Jornalista

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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MST invade 36 fazendas no interior paulista

Rainha lidera onda de invasões do MST no Estado

Desde a madrugada de sábado, 36 fazendas já foram tomadas no oeste paulista; ação faz parte do ""abril vermelho"" e líder promete outras até dia 17

José Maria Tomazela

SOROCABA - Subiu para 36 o número de fazendas invadidas pelo Movimento dos Sem-Terra (MST) nas regiões do Pontal do Paranapanema, Alta Paulista e Araçatuba, no oeste do Estado, desde a madrugada de sábado. Pelo menos seis áreas foram invadidas na manhã de ontem. As ações fazem parte do "abril vermelho", a jornada de lutas do movimento.

Os militantes, liderados pelo dissidente José Rainha Júnior, reivindicam a retomada da reforma agrária na região, com a criação de assentamentos para seis mil famílias que estão em acampamentos. Querem, ainda, que o governo estadual apresse a obtenção da posse de uma área de 92,6 mil hectares considerada devoluta pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Pontal.

As terras de duas usinas de açúcar e álcool do grupo Odebrecht instaladas em parte dessa área, converteram-se no principal alvo do movimento. Seis fazendas do grupo - Copacabana, Galpão de Zinco, Timburi, Lago Azul, São José e Pontal Agropecuária - foram invadidas em Teodoro Sampaio. De acordo com Rainha, para instalar uma das usinas, o grupo investiu em terras que o governo estadual considera como devolutas. "Parte do investimento foi financiada pelo governo federal, através do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)." Rainha divulgou uma relação das áreas invadidas em 19 municípios dessas regiões. Em Dracena, foram ocupadas as fazendas Turmalina, Santo Antonio, Vista Alegre e Cobras.

Rainha afirma que as ocupações vão continuar até o dia 17, data em que 19 sem-terra foram mortos pela Polícia Militar, em 1996, em Eldorado dos Carajás, no sul do Pará. O "massacre de Eldorado dos Carajás" foi adotado como símbolo da luta pela terra no País. Representantes do grupo de Rainha vão se reunir com integrantes da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) no dia 14 para discutir a questão agrária na região. Em janeiro, os sem-terra liderados por Rainha Júnior já haviam invadido 23 propriedades na região, na ação que ele denominou "janeiro quente".

Deboche. O presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antonio Nabhan Garcia, disse ontem que as invasões são um "deboche" à lei. Segundo ele, Rainha Júnior é um dos poucos brasileiros que possuem "alvará de impunidade". "Ele já foi condenado, tem dezenas de processos, anuncia previamente seus crimes e não vai preso." Para Nabhan, o julgamento das terras devolutas do Pontal não é definitivo. "Há recursos pendentes que podem modificar a decisão do STJ." Ele atribui ao governo estadual a responsabilidade pelo conflito no Pontal. "É o Estado que está dizendo que somos grileiros. O proprietário rural que produz há 100 anos corre o risco de ter de entregar a terra para esses invasores."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Marina ameaça ficar fora de palanques do PV

Terceira colocada na disputa presidencial diz que só se engajará na campanha do partido se houver eleições internas

Roldão Arruda

A ex-senadora Marina Silva (PV-AC) não está disposta a subir em palanques em 2011, para ajudar a eleger vereadores e prefeitos verdes, se o seu partido não realizar neste ano um processo interno de abertura democrática. Terceira colocada na eleição presidencial, com 19,6 milhões de votos, ela acha que não seria coerente retomar o discurso da campanha presidencial, que enfatizava uma nova forma de fazer política, comprometida com a ética e a sustentabilidade, se dentro de casa ela não encontra isso.

"Quero falar para a sociedade sobre coisas que estamos praticando. Não posso falar de uma nova fórmula política se dentro do PV temos uma velha fórmula, se a discussão é cerceada, se as pessoas não podem sequer se manifestar", disse ela no sábado à tarde, em São Paulo, ao participar de um encontro da militância verde, organizado pelo movimento Transição Democrática.

Ontem, no Rio, ele se encontrou com Fernando Gabeira e outros dirigentes estaduais do partido para discutir a questão da nova fórmula de fazer política. Segundo suas explicações, foi possível falar dessa fórmula na campanha presidencial porque havia recebido a promessa, da direção do partido, de que seriam realizadas mudanças em toda sua estrutura, com a realização de debates, convenções e eleições internas, tão logo findasse a corrida presidencial. "Na época era inteiramente coerente", disse. "Agora não é mais."

Revisão. A mudança, segundo Marina, se deve à decisão tomada no mês passado pela diretoria nacional do PV de adiar as eleições para 2012. Foi isso que a levou a se alinhar com a Transição Democrática, que propõe a realização de convenções em abril e eleições em julho.

O encontro no sábado lotou o Auditório Franco Montoro, na Assembleia Legislativa. O discurso de Marina, que havia acabado de chegar de uma viagem a Washington nos Estados Unidos, para uma palestra, foi interrompido várias vezes por aplausos.

Uma das ocasiões ocorreu quando disse que o PV, dirigido há 12 anos por José Luiz Penna, deputado federal por São Paulo, precisa mudar e mostrar "que não discute apenas o poder pelo poder e não faz alianças incoerentes".

Marina tem dito que está disposta a viajar pelo Brasil em 2012, apoiando candidatos das mais diferentes correntes internas do partido, desde que tenham plataformas comprometidas com a ética e a sustentabilidade. Só fará isso, porém, se ocorrerem as mudanças internas.

Ao lado de Marina em São Paulo, o vice-presidente do partido, deputado federal Alfredo Sirkis (RJ), disse que não pretende abandonar a sigla que ajudou a fundar. "Não vamos sair do PV. Vamos transformá-lo, com a legitimidade histórica que temos e a legitimidade dos 20 milhões de votos de Marina", afirmou.

No sábado, no mesmo horário em que Marina discursava na Assembleia, Penna, o presidente do partido, participava de outro evento, do diretório municipal paulistano, no bairro do Tatuapé, na zona leste.

Barrados

Marina Silva tem acusado a direção do PV de barrar a filiação partidária de milhares de simpatizantes da causa da sustentabilidade. A razão da decisão seria o medo de se perder o controle político

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O ""lulômetro"" de Dilma :: José Roberto de Toledo

Na campanha presidencial de 1960, Jânio Quadros repetia sempre o mesmo discurso moralizador em todos os comícios pelas capitais do País. Seu candidato a vice e 17 anos mais velho, o senador Milton Campos lançava um improviso diferente a cada parada da comitiva.

Querendo ser simpático com o companheiro que mais tarde trairia, Jânio puxou conversa com o vice. Demonstrou admiração com a capacidade inventiva do mineiro, sempre inovando o tema dos discursos. E Campos: "Não é imaginação, meu filho; é falta de memória mesmo".

A presidente Dilma Rousseff está mais para Milton Campos do que para Jânio Quadros: especializa-se em moldar as palavras de acordo com a audiência. Não por falta de memória, mas por pragmatismo.

Foram 33 pronunciamentos oficiais no figurino de presidente. Entre as palavras mais usadas, destacam-se "Brasil" e "país". Em terceiro lugar vem "todos", depois "governo" e "grande". São todos lugares-comuns nos discursos de qualquer presidente. Excluídos, abrem espaço para os termos que diferenciam um governante do outro.

Dilma usa mais "mulheres" e "brasileiras" do que o antecessor. Pode parecer óbvio, mas não é. Ela intensificou as referências femininas desde a posse.

Apesar de entrar na história como 1.ª "presidenta" do País, durante toda a campanha eleitoral ela teve mais dificuldades para conquistar o voto feminino do que o masculino. A ênfase agora nas mulheres reforça sua identidade e é estratégica para sua popularidade.

De Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma aprendeu que, ao menos no discurso, "gente" e "povo" são mais importantes do que "milhões" e "bilhões". Sua fala depois de eleita é mais "humana" e menos cifrada.

O melhor indicador do pragmatismo discursivo de Dilma é o emprego que faz da palavra-chave de sua eleição: "Lula". Na campanha, ela usou o nome do patrono tanto quanto pode, para alavancar votos. Depois de eleita, a referência ao antecessor é recorrente, mas seletiva.

Nos seus 33 pronunciamentos presidenciais, Dilma falou o nome de Lula 58 vezes. A média de quase duas menções por discurso afasta insinuações de ingratidão ou de distanciamento entre criador e criatura.

Mas toda média omite detalhes reveladores. Nas duas vezes que foi ao Nordeste e discursou, Dilma esbanjou citações ao padrinho. Seu recorde foram nove "Lulas" ao falar durante o fórum de governadores nordestinos em Aracaju, em 21 de fevereiro.

Pouco mais de uma semana depois, de volta à região, Dilma tascou seis "Lulas" em um discurso em Irecê, na Bahia, e, horas mais tarde, em Salvador, repetiu o nome do antecessor três vezes. Em nenhum outro lugar do Brasil Lula é mais admirado do que no Nordeste.

Mas em um terço dos seus discursos, Dilma preferiu não mencionar Lula. A presidente silenciou sobre Lula em outras situações onde era estratégico demonstrar independência: no seu primeiro pronunciamento em cadeia de rádio e TV, ao discursar no aniversário de 90 anos do jornal Folha de S.Paulo e ao receber a ordem do mérito das Forças Armadas.

O "lulômetro" de Dilma é a contrapartida do "dilmômetro" de Lula. Entre 2009 e 2010, a intenção de voto em Dilma cresceu na proporção que o então presidente repetia mais vezes o nome de sua candidata. Agora, pode ser um termômetro da relação dos dois. Por ora, indica estabilidade e pragmatismo..

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Secretaria das mulheres sofre com baixa execução

Órgão ligado à Presidência da República desembolsou apenas R$ 10,2 milhões, ou 9% do total disponível para 2011, apesar de o governo ter colocado a área como prioridade

Leandro Kleber

Apesar de insistir que as mulheres terão prioridade no governo, a presidente Dilma Rousseff, por enquanto, pouco mudou o setor. As ações na área ainda caminham a passos lentos na Secretaria de Políticas para as Mulheres, órgão vinculado diretamente à Presidência da República. Os mais de R$ 109 milhões previstos no orçamento da secretaria neste ano pouco foram usados nos primeiros três meses. No total, até agora, somente R$ 10,2 milhões (9%) serviram para bancar programas essenciais, como o de prevenção e enfrentamento da violência contra as mulheres e o de cidadania e direitos. A pasta teve ainda 4% dos recursos contingenciados pelo Planalto no corte de R$ 50 bilhões anunciados no fim de fevereiro.

O percentual de execução da secretaria é superior apenas, no âmbito da Presidência, à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Os demais órgãos, como a Agência Brasileira de Inteligência e as secretarias de Direitos Humanos e de Portos, apresentam índices superiores de aplicação de recursos. “Nós sabemos que a formação da nova equipe do governo demora a engrenar. Mas os recursos já são poucos e muito menores do que necessário”, afirma Guacira Oliveira, integrante da ONG Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea).

A ministra da pasta, Iriny Lopes, ainda tem o desafio de liderar o cumprimento das metas estabelecidas no plano nacional de políticas para as mulheres, lançado em 2008 e que tem 2011 como último ano. De acordo com Guacira Oliveira, a redução da mortalidade materna, o aumento da taxa de atividade das mulheres na economia e a ampliação do número de creches em pré-escola para crianças de 0 a 6 anos ainda estão longe de serem alcançados. “Isso significa que neste ano o governo tem que aplicar muito o recurso do Orçamento para que sejam cumpridas as promessas”, diz.

Novas diretrizes

A assessoria de imprensa da Secretaria de Políticas para as Mulheres atribui a baixa execução orçamentária à mudança na gestão do órgão, que “exigiu um tempo para realinhamento às diretrizes de governo da presidenta Dilma”. De acordo com a assessoria, além da erradicação da miséria, a secretaria quer avançar ainda mais no enfrentamento à violência.

A assessoria informa ainda que o orçamento da pasta sofreu um corte de 4% neste ano e que, como consequência, 16% da verba do programa de cidadania e efetivação de direitos das mulheres foi bloqueada. Porém, segundo a pasta, o programa de prevenção e enfrentamento da violência contra a mulher não sofreu corte.

Além da secretaria, outros 21 ministérios têm programas que beneficiam direta ou indiretamente as mulheres. Mas isso também não significa necessariamente melhorias. Nos últimos 20 anos, os registros de mulheres assassinadas, por exemplo, não param de crescer. “Esse é um dos maiores desafios. O governo Lula, apesar de não ter alcançado metas, teve avanços. Agora, no governo Dilma, nós estamos confiando e apostando mais”, afirma Guacira Oliveira, do Cfemea.

Nestes primeiros três meses, Dilma sinalizou claramente que pretende dar atenção ao mundo feminino. No fim de março, ela lançou o programa Rede Cegonha, que visa melhorar o atendimento de mulheres e bebês na rede pública de saúde.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Mínimo de 2012 ameaça preços

O aumento de quase 14% no salário mínimo previsto para o ano que vem pela lei 12.382, aprovada em fevereiro, vai injetar no consumo das famílias cerca de R$ 9 bilhões e dar mais combustível à escalada da inflação. O reajuste leva em conta o aumento do PIB de dois anos anteriores e a inflação oficial de 12 meses. Economistas alertam que esse valor, equivalente ao PIB do Paraguai, nas contas da LCA Consultores, pode dificultar o trabalho do Banco Central de trazer a inflação ao centro da meta de 4,5%.

Salário mínimo ameaça inflação de 2012

Reajuste de quase 14% previsto para o ano que vem deve injetar cerca de R$ 9 bi no consumo, tornando mais difícil para o BC atingir meta

Márcia De Chiara -

O aumento de quase 14% no salário mínimo previsto para 2012 deve injetar no consumo das famílias cerca de R$ 9 bilhões adicionais, segundo cálculo da LCA Consultores, e dar mais combustível para a escalada da inflação. Essa montanha de dinheiro pode dificultar o trabalho do Banco Central para trazer a inflação ao centro da meta de 4,5% em 2012, alertam economistas.

Mesmo com essa enorme pedra no caminho do BC para combater a inflação, a autoridade monetária revelou em seu último Relatório Trimestral de Inflação que pretende atingir o centro da meta só em 2012. Para este ano, adota uma estratégia mais gradualista para segurar a alta de preços, elevando em ritmo moderado a taxa básica de juros.

O reajuste do salário mínimo é um preço já contratado na economia pela Lei 12.382, de 25 de fevereiro de 2011. Leva em conta o aumento do PIB de dois anos anteriores (no caso de 2012, o crescimento de 7,5% do PIB de 2010) e a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) de 12 meses anteriores ao período do reajuste. Para este ano, a projeção para o INPC é algo em torno de 6%. Isso resultará num aumento do salário mínimo em 2012 de cerca de 14%.

Apesar de a preocupação em relação ao reajuste do mínimo em 2012 não transparecer nos relatórios do BC, fontes do mercado dizem que esse foi um dos principais pontos de discussão em reuniões recentes da autoridade monetária com analistas.

"O reajuste do mínimo de 2012 dá rigidez à inflação e deve manter o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) acima do centro da meta em 2012. No ano que vem, a inflação deve ficar em pelo menos 5%", prevê o diretor da RC Consultores, Fábio Silveira.

Felipe Salto, economista da Tendências, concorda com Silveira. Para ele, com o reajuste do mínimo, "ficará mais difícil atingir o centro da meta de 4,5%em 2012". Ou pelo menos mais custoso. Isto é, se o ajuste fiscal não for feito pelo governo, será necessária uma elevação maior nos juros para conter a inflação.

"O salário mínimo não é um fator definitivo, mas complica a recondução da inflação à meta em 2012", confirma Tatiana Pinheiro, economista do Santander. Ela pondera que o impacto do reajuste do salário mínimo na inflação vai depender do grau de aquecimento da economia no início de 2012.

De toda forma, Tatiana, que projeta um IPCA de 6,1% para este ano e de 6% para 2012, diz que essa regra de aumento do mínimo dá resistência à inflação. É que cerca de um quarto dos preços que compõem o IPCA são os serviços livres, fortemente influenciados pelo salário mínimo. Só os gastos com empregados domésticos, que são salário mínimo na veia, pesam 3,53% no IPCA, quase um ponto porcentual a mais que a participação da carne, alimento básico, no indicador (2,58%).

Indexação. Na opinião de Braulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, e responsável pelos cálculos sobre incremento do consumo provocado pelo aumento do salário mínimo, a regra de reajuste fixada em lei é positiva porque elimina as incertezas que rondavam a economia no início de cada ano.

Mas ele ressalta que há um aspecto negativo nessa regra, porque fomenta a indexação dos preços, especialmente dos serviços, nos quais política monetária tem pouca influência.

Nos cálculos de Borges, o reajuste de quase 14% do mínimo previsto para o ano que vem deve aumentar a inflação dos serviços livres em quase um ponto porcentual em relação ao que poderia ser, caso o aumento do salário levasse em conta apenas inflação do período, na casa de 6%.

O economista, que ao contrário de seus pares projeta um IPCA de 4,5% para 2012, ressalta, no entanto, que a rigidez da inflação provocada pela lei do reajuste do mínimo inviabiliza a redução do centro da meta, hoje em 4,5%, para menos de 4% nos próximos anos. Em outros países que usam o sistema de metas de inflação, o alvo a ser atingido é 3% e não 4,5% como o Brasil.

"É um discurso ultrapassado transformar o reajuste do salário mínimo em agente da inflação", diz o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna. Ele argumenta que o ganho real do salário mínimo de 7,5%, referente ao crescimento do PIB, é relativo ao aumento de riqueza na sociedade, que tem de ser distribuído. Para ele, o governo tem de pensar em outras vias para conter a inflação, como, por exemplo, reduzir os seus próprios gastos. "Não vamos aceitar esse discurso."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Vitrine do PAC expõe trabalho degradante

Uma das principais vitrines do governo Dilma Rousseff, o programa federal Minha Casa, Minha Vida tem trabalhadores vivendo em condições degradantes na região de Campinas (SP), informa Silvio Navarro.

Em alojamentos e obras de casas populares, há operários que moram em locais superlotados, sujos e sem ventilação e saneamento.

Minha Casa, Minha Vida tem trabalho degradante

Operários encaram falta de salário e alojamentos precários no interior de SP

Reportagem flagrou alojamentos lotados, com trabalhadores em condições precárias de saneamento e higiene

Silvio Navarro

Uma das principais vitrines do governo Dilma Rousseff, o programa Minha Casa, Minha Vida tem trabalhadores em condições degradantes em São Paulo. Desde o início do ano, fiscais do Ministério do Trabalho e procuradores do Ministério Público do Trabalho flagraram casos de pessoas do Norte e do Nordeste atraídos pela oferta de emprego nos canteiros de obras, mas que acabam vivendo precariamente e com situação trabalhista irregular.

A maioria dos casos partiu de denúncias do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil da região de Campinas (93 km da capital).

A Folha visitou alojamentos e obras de casas populares do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) onde trabalhadores vivem em locais superlotados, sem ventilação e com problemas de higiene e saneamento.

Nos locais, podem ser vistos colchões ou beliches construídos com madeira da própria obra ao lado de botijões de gás e rede elétrica.

Os operários são contratados por empreiteiros terceirizados de grandes construtoras e ganham abaixo do piso da categoria (de R$ 990 para pedreiro, por exemplo), apesar da promessa de que receberiam o dobro.

As construtoras delegam aos empreiteiros a tarefa de fornecer alimentação, moradia e registro em carteira.

"Eles chegam com a promessa de ganhar R$ 2.000, são registrados por R$ 900 e acabam tirando R$ 500 porque [o empreiteiro] desconta o valor da passagem", afirma Francisco da Silva, diretor do sindicato em Campinas.

O Ministério Público registrou casos de retenção da carteira. A meta do governo federal até 2014 é construir 2 milhões de imóveis para famílias de baixa renda.

Recém-chegado do Piauí, Manuel Edionaldo, 30, disse à reportagem estar há 21 dias com a carteira retida porque o empreiteiro desapareceu.

Mas, por enquanto, não quer nem ouvir falar em retornar ao Estado natal. "Lá está pior, não tem trabalho."

Edionaldo está no alojamento com 12 trabalhadores da Flávio Ferreira ME, que disseram estar há um mês sem salário. Como o empreiteiro sumiu, tentavam resolver com as construtoras. A Folha não o localizou.

No local, estão sendo erguidas 2.380 habitações, com R$ 120,8 milhões, para famílias que recebem até três salários mínimos mensais.

Em fevereiro, a Polícia Federal chegou a prender três pessoas da empreiteira JKRJ, prestadora de serviços da Odebrecht e da Goldfarb, responsáveis pelas obras na região, por suspeita de aliciamento e maus tratos.

"As construtoras deveriam fiscalizar pois podem ser responsabilizadas", diz a procuradora Eleonora Coca.

Predominam nordestinos, que relatam que foram procurados por intermediadores, que negociam com pequenas agências de turismo.

Em Americana (SP), empregados da Cardoso Xavier, subcontratada da MRV Engenharia, ficaram sem salários por 40 dias porque o dono da empreiteira sumiu.

No local, destinado a 670 moradias, procuradores flagraram aliciamento de 24 operários do MA e 22 de AL.

Segundo o sindicato, o fluxo de operários é intenso e os contratados por empreiteiras são 90% do pessoal.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Entrevista - Antonio Barros de Castro - economista

Brasil tem de se reinventar para tratar com a China

Mesmo que país neutralize o câmbio, uma boa parte do sistema industrial ainda seria menos eficiente do que o chinês, diz ex-presidente do BNDES

Claudia Antunes

RIO - O Brasil tem de se reinventar para ser bem-sucedido em uma economia mundial radicalmente mudada pela China, diz o economista Antonio Barros de Castro.

Diante da competição chinesa, afirma ele, não adianta proteger setores industriais para que eles fiquem "um pouco mais sofisticados", como se fez no passado, porque os asiáticos fazem o mesmo com maior velocidade.

"Mesmo se o câmbio e o custo Brasil forem neutros, boa parte da indústria brasileira não é competitiva porque o sistema industrial chinês é mais eficiente."

Barros de Castro diz que o Brasil deve aproveitar a "trégua" oferecida pelo boom de matérias-primas para desenvolver produtos originais, como plástico de álcool e aços especiais usados na exploração de petróleo.

Folha - O sr. vem estudando as mudanças provocadas pela China. Qual a conclusão?

Antonio Barros de Castro - Há seis anos eu comecei a suspeitar que a emergência chinesa representava uma ruptura na trajetória do sistema econômico mundial. Não se tratou de uma mudança só de tamanho, de aumento do peso do país.

Que ruptura é essa?

Nos anos 50, o economista alemão Hans Singer sintetizou assim o dilema da época: "Países industrializados têm o melhor de dois mundos, como consumidores de produtos primários e produtores de manufaturados, enquanto os subdesenvolvidos têm o pior, como consumidores de manufaturas e produtores de matérias-primas".

Ele se baseava na tendência de queda dos preços das matérias-primas, enquanto os dos industrializados ficavam iguais ou subiam.

Com a ascensão do leste asiático, capitaneada pela China, isso virou de pernas para o ar. Países mais atrasados compram manufaturados baratos e exportam matérias-primas cada vez mais caras. Angola, por exemplo, cresce a 15% ao ano. É um movimento tectônico.

Mas o Brasil teme a desindustrialização. Como o país pode se adaptar a isso? Há exemplos bem-sucedidos?

As realidades são diferentes. Uma parte da Ásia evoluiu com a China e não enfrenta os mesmos dilemas enfrentados pelo Brasil.

Outro bloco já havia se especializado na exportação de matérias-primas, incluindo latino-americanos como o Chile. Agora, os clientes pagam melhor, mas historicamente esse caminho tende a ser visto como maldito.

Estados Unidos, Alemanha e Japão ainda podem ser dinâmicos combinando capacidade alta de inovação com a vigilância de seus direitos de propriedade intelectual. Já o Brasil é um híbrido industrial e agrícola.

Mas só o lado agrícola continua competitivo. Por quê?

Nos anos 90 e no início deste século, a indústria brasileira se preparou para competir com os produtos dos EUA e da Europa. Conseguiu bons resultados, basta ver o crescimento das exportações de bens duráveis, como carros e eletrodomésticos, entre 2003 e 2005.

Mas durou pouco. As exportações de produtos primários foram de 30% do total em 2004 para 44% em 2010, e as de manufaturas caíram de 57% para 43%.

Isso ocorreu porque a competição deixou de ser com EUA e Europa e passou a ser com o sistema comandado pela China. Atualmente, um país como o Brasil, que no novo contexto tem vantagens máximas no setor primário e mínimas no industrial, tem que se reinventar.

Como?

Falando de maneira simplificada, temos duas opções. A primeira é proteger a indústria que existe, tentando agregar valor às cadeias de produção, completando-as e sofisticando-as. Foi o caminho entre 1950 e 1980.

Mas havia a premissa, correta na época, de que as economias mais avançadas eram tecnologicamente maduras e tinham crescimento lento da produtividade. Tratava-se de fechar um hiato, atingir um nível em que nossos concorrentes estavam mais ou menos parados ou evoluíam devagar.

Essa premissa hoje não existe mais. Nossos concorrentes ainda estão amadurecendo, estão alcançando novos patamares de produtividade e agora aumentando o esforço tecnológico para acelerar sua eficiência.

A China busca produtos menos poluentes, verdes. Está exportando fábricas para países vizinhos e deslocando outras para sua região oeste, com mão de obra mais barata. É o que chamo de China 2.

A China 1 é a do "made in China" (fabricado na China), e eles deram uma surra baseada em trabalho barato e em imitação tecnológica. A China 2 quer ser a do "created in China" (criado na China).

Portanto, o ataque vem de baixo. Só faz sentido reforçar aquilo em que temos chance de correr mais rápido do que eles, que é a nossa segunda opção. O resto tem que ser redirecionado ou desaparecer.

E temos tempo?

Sem nosso potencial em produtos primários, em longo prazo estaríamos numa situação dificílima.

Mas hoje temos três bons problemas: segurar o balanço de pagamentos por 10 ou 15 anos com petróleo, outras matérias-primas e produtos agrícolas; manter a expansão do mercado interno colocando areia para limitar a sua ocupação por importações; e desenvolver o potencial industrial visando não otimizações, mas mudanças.

Não tem que melhorar, tem que mudar. Otimização a China faz melhor.

Quando o sr. fala em colocar areia, significa proteção.

Não estou reproduzindo o discurso de que é atrasado proteger. O que digo é que não adianta proteger quando sua produtividade cresce mais devagar do que a do concorrente.

Um produtor de válvula brasileiro, por exemplo, está condenado. Ele sabe que pode não morrer hoje, mas morre no próximo governo.

É necessário conter as importações não para que algumas indústrias sobrevivam, mas para que possam ser transformadas.

Em que casos apostar?

Esse mapa completo ainda deve ser feito. Seriam setores protegidos pela especificidade dos nossos recursos naturais, por costumes, estrutura industrial e demanda. Áreas em que o chinês não está nem vai estar.

Não proponho uma volta ao agrário. O agrário é uma trégua para você, por exemplo, construir uma indústria ligada ao pré-sal, de satélites, de novos materiais, de aços especiais. É aplicar os conhecimentos existentes para desenvolver coisas próprias e originais.

A química do etanol permite desenvolver plásticos verdes. A indústria automobilística chinesa deseja vir para cá? Vamos fazer um acordo para em dez anos os plásticos serem todos verdes; nós garantimos a evolução do produto. É usar a China como mercado.

É possível mudar os tratores para que eles se adaptem às necessidades do Brasil. Não é pegar o americano e fazer outro um pouco mais sofisticado. É fazer máquinas adaptadas às condições tropicais de solo, clima.

O embaixador chinês, respondendo às críticas ao câmbio desvalorizado do país, disse que cabe ao Brasil se tornar mais competitivo. Ele está certo?

Os chineses acham que se a gente trabalhar mais e for mais sério não teremos problemas. Não é isso, é uma questão de estratégia.

A indústria reclama do câmbio e do custo Brasil (impostos, infraestrutura). Há alguma razão nisso?

Se o câmbio e o custo Brasil forem neutros, boa parte da indústria brasileira não é competitiva porque o sistema industrial chinês é mais eficiente. Até 2004, eles já arrombavam todos os mercados e não tinham câmbio desvalorizado.

Alega-se que antes os produtos chineses eram só mais baratos, porque o salário era ínfimo e a fábrica era um galpão velho. Mas agora são boas fábricas e amanhã serão excelentes. A produtividade sobe tão rápido que, mesmo com a alta dos salários, os produtos ainda podem custar menos.

O real está sobrevalorizado? Claro, sou 100% a favor de botar areia no câmbio. Agora, ou você enfrenta as causas da nossa perda relativa de competitividade ou não vai a lugar nenhum.

Frase

"Hoje temos três bons problemas: segurar o balanço de pagamentos por dez ou 15 anos com petróleo e produtos agrícolas; manter a expansão do mercado interno colocando areia para limitar a sua ocupação por importações; e desenvolver o potencial industrial visando não otimizações, mas mudanças"

Raio X
Antonio Barros de Castro, 73

Atividade
Professor emérito da UFRJ, é consultor do Conselho Empresarial Brasil-China e acaba de fazer viagem de pesquisa àquele país

Carreira
Doutor em economia pela Unicamp, foi presidente do BNDES (1992) e diretor de Planejamento do banco de 2005 a 2007

Livros
"A Economia Brasileira em Marcha Forçada" (Paz e Terra); "No Espelho da China", capítulo de "Doença Holandesa e Indústria" (FGV)

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

BC mira crescimento e mercado vê ameaças

Com Tombini, banco reduz peso de juros para conter inflação. Em 2012, CNI diz que mínimo pode ter reajuste de 14%

Vivian Oswald e Martha Beck

BRASÍLIA. Nos seus três primeiros meses de atuação, o Banco Central (BC) da presidente Dilma Rousseff deixou claro que a equação para lidar com o velho fantasma da inflação agora é outra, e nela a manutenção do crescimento ocupa posição de destaque. Por isso, a autoridade monetária optou por uma estratégia mais gradualista do que o tradicional choque de juros com o qual mercado estava acostumado. A orientação resultou num inédito consenso entre BC e Ministério da Fazenda, que trabalham avalizados pelo Palácio do Planalto. Mas representa um caminho perigoso para muitos economistas e uma atitude "quase leniente" para quem opera o dia a dia do mercado e vive do sobe e desce dos índices. O setor produtivo, por sua vez, mostra apoio à nova forma de atuação.

O BC entende que o cenário hoje é muito diferente daquele de três décadas atrás, requerendo, por exemplo, atenção especial ao impacto que juros muito elevados podem ter sobre o câmbio. Por isso, até segunda ordem, vai atacar o problema com as chamadas medidas macroprudenciais, que, teoricamente têm impacto mais suave no resto da economia mas cumprem o papel de restringir a demanda.

- O governo está arriscando em não ter uma postura mais vigorosa com aumento de juros, que é mais eficiente (no combate à inflação). Está sendo quase leniente. Só não está sendo de fato porque diz que as medidas vão surtir efeito - diz o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, sintetizando a opinião média dos agentes econômicos.

Essa queda de braço travada com o mercado deteriora as expectativas para a inflação. O BC garante não ter abandonado o receituário ortodoxo dos juros. Mas já avisou que não abre mão de esperar os efeitos do pacote de ações adotadas nos últimos meses e sinais externos mais claros antes de calibrar os juros com maior intensidade. O recado do último Relatório de Inflação é que o preço de bater forte na Selic pode ser uma recessão e esse é um mal desnecessário.

- O risco de esperar é que as expectativas contaminem a inflação, gerem indexação - disse o estrategista-chefe do banco WestLB Brasil, Roberto Padovani.

Para alguns, mercado está legislando em causa própria

Mas há quem defenda o BC. Para o ex-diretor do BC e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, o mercado é mais ansioso, porque trabalha em cima de apostas e quer resultados rápidos. Vai continuar pedindo o que considera a "bala de prata" - os juros. Segundo ele, houve uma mudança no olhar do BC, que já não é mais atingir a meta no ano-calendário. Para o mercado, o BC está atrasado.

- Mas, do ponto de vista mais amplo, é ganhar tempo para evitar matar uma mosca com tiro de canhão, prejudicar o setor produtivo e limitar o crescimento da economia - diz.

No início do mês, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) entregou ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, carta apoiando a estratégia oficial. "Reconhece-se que o governo tem procurado, com razão, evitar aumentos mais pronunciados na taxa de juros para não prejudicar ainda mais a atividade econômica, o desequilíbrio das contas públicas e a valorização do real", diz o documento que pede controle de gastos, ações no câmbio e medidas para elevar a competitividade.

Mas a Confederação Nacional da Indústria (CNI) já está preocupada. O economista-chefe da entidade, Flavio Castelo Branco, diz que as medidas macroprudenciais são positivas mas têm impacto sobre o custo do dinheiro e afetam a produção:

- Talvez o horizonte do BC seja mais amplo que o normal. Em 2012, se espera uma pressão forte (sobre a inflação), de 14%, pelo reajuste do salário mínimo.

Para alguns analistas, o mercado está, na verdade, legislando em causa própria. Isso porque, a partir do momento em que não tem sinais de que os juros vão subir, não sabe como apostar:

- Antes, havia o sinal do BC, os operadores trabalhavam no mercado de futuros e os juros acabavam subindo antes mesmo de o Copom fazê-lo oficialmente. Agora, não podem apostar com tanta certeza, se apostarem em alta, tem que ser uma alta menor para não errarem - diz Freitas.

No governo, a avaliação é que o cenário exige alternativas.

- Nos anos 80, o Brasil sofreu com hiperinflação. Nos 90, conseguiu crescer ainda com inflação alta. Nos anos 2000, controlou a inflação. Agora, o desafio é mais difícil, é crescer de forma sustentada. Isso exige criatividade nas políticas - diz um técnico da equipe econômica.

- A inflação é mundial, não apenas brasileira. O combate não é trivial e é preciso saber que dose de remédio aplicar - diz outro membro do governo.

Preocupada com as críticas e feliz com a equipe, o principal objetivo de Dilma é passar pelas atuais turbulências preservando o crescimento. Essa é a mensagem que o comandante do BC, Alexandre Tombini, e Mantega foram orientados a passar em encontros com agentes do mercado e com empresários.

- Tombini foi o primeiro a falar que apenas elevar juros não iria resolver o problema da inflação e ainda pode agravar o quadro cambial, pois atrairia mais dólares ao país, visão compartilhada por Mantega - disse uma fonte do Planalto.

FONTE: O GLOBO