domingo, 8 de janeiro de 2012

Uma nova Lei Fiscal:: Suely Caldas

Em 1998, quando pensou em criar uma lei para controlar gastos e punir abusos na gestão pública, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso chamou dois tarimbados funcionários de carreira, velhos conhecedores das malandragens com o uso político do dinheiro público. Dois anos depois os economistas Martus Tavares e José Roberto Afonso deram vida à Lei de Responsabilidade Fiscal - uma bem-sucedida legislação de ação preventiva e focada em coibir endividamentos excessivos e desequilíbrios fiscais decorrentes de gastanças irresponsáveis de presidentes, governadores e prefeitos, quase sempre em favor de seus partidos políticos, campanhas eleitorais e amigos leais. Martus e Afonso mapearam todos os vícios e velhacarias políticas, as brechas que levavam o dinheiro para o ralo - e os puseram na lei. "Pegamos todas as malandragens. Eles podem até inventar novas, mas as conhecidas não têm mais chance", disse-me na época José R. Afonso.

E não é que ele estava certo? Pouco depois as velhas malandragens já davam lugar a outras, governadores e prefeitos cederam a cena para ministros, deputados e senadores e a tal "governabilidade" passou a justificar o que a presidente Dilma chama de "malfeito".

Convênios com ONGs de fachada, criadas para receber dinheiro público, têm sido a malandragem mais comum, depois que a Lei Fiscal entrou em vigor. O ex-governador Anthony Garotinho deu a partida e canalizou dinheiro da população fluminense para ONGs amigas. Atrás dele vieram outros. Os ministros do ex-presidente Lula descobriram o filão e foram em frente. Pela definição do nome - organização não governamental - essas ONGs deveriam atuar como terceiro setor e divorciadas do governo, mas sua única finalidade é capturar verbas governamentais.

Há outras malandragens, como o tráfico de influência, usado pelos petistas Antonio Palocci e Fernando Pimentel. Em outros tempos os dois condenavam os economistas tucanos que saíam do governo para dirigir bancos. Eles nem cumpriram prazo de quarentena e rapidamente abriram consultorias para ganhar dinheiro influindo em governos.

Em 2011 seis ministros foram afastados por suspeita de corrupção e dois sobrevivem às denúncias. O último concentrou em seu Estado, Pernambuco, 90% das verbas de prevenção de desastres naturais e deixou sem tostão furado Estados como Rio de Janeiro e Minas Gerais, cruelmente castigados pelas enchentes em 2011 e neste início de 2012. Como nos seis casos anteriores - exceção só a Fernando Pimentel -, a presidente Dilma reagiu às denúncias e submeteu à Casa Civil as escolhas de investimento do ministro Fernando Bezerra.

Seria injusto dizer que Dilma traiu a promessa, tantas vezes repetida, de "combater desvios e malfeitos". Afinal, ao contrário do antecessor, demitiu seis ministros. Mas seu comportamento mercurial, ora de apoio, ora de retaliação ao denunciado, gera incerteza e deixa uma dúvida na opinião pública: por que ela só age a posteriori, após a imprensa tornar pública a fraude? Por que não age preventivamente, criando meios de evitar que o mal seja consumado?

Denúncias de corrupção têm sangrado seu governo e não lhe darão trégua nos próximos três anos de mandato se ela não virar o jogo e der rumo diferente à tal "governabilidade". E isso se faz com lei, regras de conduta e punição para quem violá-las. FHC criou a Lei Fiscal numa conjuntura de falência de Estados e prefeituras decorrente de gestões irresponsáveis de seus governantes que gastavam muito, endividavam-se demais e embolsavam dinheiro para seus partidos. A lei acabou com a orgia e hoje Estados e municípios têm orçamentos equilibrados e boa saúde financeira.

Se verdadeira é a intenção da presidente de dar um basta à corrupção e seguir seu mandato construindo, o caminho que realmente funciona é criar uma segunda e atualizada versão da Lei Fiscal, de efeito preventivo e capaz de barrar o malfeito na origem. A corrupção espalha na população descrença nos governantes e desesperança em relação ao futuro. O País precisa de leis que o protejam e ajudem a recuperar a esperança.

Suely Caldas, jornalista, é professora da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Nenhum comentário: