sábado, 25 de fevereiro de 2012

Ainda um Boeing

O Carnaval voltou a registrar mais uma triste marca nas estradas brasileiras. Embora, felizmente, tenha diminuído o total de acidentes no último feriado, o Brasil continua a figurar entre as mais macabras estatísticas mundiais. É como se, a cada folia, um Boeing caísse no país.

Segundo balanço divulgado ontem pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), entre sexta-feira passada e a Quarta-feira de Cinzas 176 pessoas morreram em acidentes rodoviários nas estradas federais. Trata-se de queda de 18,5% na comparação com o Carnaval de 2011, que registrara a pior marca da história, com 216 mortes. No geral, neste ano o número de acidentes caiu 22,4% e o de feridos, 25,6%.

É forçoso lembrar, porém, que os dados da PRF dizem respeito só às rodovias federais, ou seja, a apenas 25% das vias pavimentadas do país. Se forem consideradas todas as estradas, o número médio de mortes no país é de cerca de cem por dia, ou 36 mil por ano, segundo o Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos).

A PRF atribui os resultados positivos deste ano a uma fiscalização mais enérgica nas estradas. Trechos mais perigosos - cerca de 600 km - mereceram atuação especial, em conjunto também com polícias militares, civis e municipais. Blitz para flagrar embriagados também foram intensificadas. Tudo indica que tenha sido uma boa estratégia. A questão que fica é: por que não antes?

Todas as reduções nas ocorrências registradas neste ano merecem ser saudadas, mas ainda é muito cedo para comemorar. O Brasil tem uma imensa malha rodoviária, desproporcional até mesmo para suas dimensões continentais. Mas esta opção preferencial pelas estradas de rodagem não encontra nível de segurança à altura.

A realidade é que a estrutura federal de fiscalização e policiamento é caquética. A PRF, por exemplo, está com concurso suspenso desde 2009 para preencher 750 vagas. A instituição admite trabalhar hoje com déficit de 30% em seu efetivo em alguns estados. São comuns nas rodovias postos de fiscalização fechados e balanças - que poderiam evitar abusos no transporte de cargas - inoperantes.

No Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), o quadro não é menos desanimador. O órgão trabalha com metade do número de funcionários considerado ideal, enquanto 43% têm a perspectiva de se aposentar até 2015, como mostrou O Estado de S.Paulo no domingo. Com isso, a execução das obras sob sua alçada é irrisória; ao mesmo tempo, a precariedade abre uma autoestrada para desvios.

Lançado em 2008 para melhorar as condições da malha viária do país, o Programa de Restauração e Manutenção de Rodovias, por exemplo, deveria resultar em intervenções em 32 mil km de estradas. Mas, até hoje, o Dnit só licitou serviços para 5 mil km e somente 700 km têm obras contratadas.

Estado com a maior malha rodoviária federal do país, com 10,3 mil km, Minas Gerais sofre diretamente com o desleixo: foi apenas a 13ª unidade da Federação mais bem atendida pelo governo do PT desde 2003. Segundo o Estado de Minas, "dos 37 editais lançados pelo Dnit desde o início de 2011 para obras em BR no estado, 27 (76%) continuam parados nas gavetas do departamento".

Não é novidade que o investimento público em infraestrutura de transportes seja totalmente insatisfatório no Brasil. Mas o seu baixo nível de execução chega a assustar. De acordo com o Ipea, o país deveria injetar 3,4% do PIB no setor, o que significaria pelo menos R$ 125 bilhões por ano. Em 2010, no entanto, o valor ficou em R$ 23,4 bilhões, mostra hoje o Valor Econômico.

O governo Dilma Rousseff tem indicado que pretende abrir-se mais para investimentos privados em infraestrutura viária, notadamente aeroportos e também rodovias. A diferença de qualidade entre os trechos de estradas já concedidas em estados como São Paulo e a da malha mantida pela gestão federal ilustra a distância que separa aqueles desta. É hora de acelerar para que este abismo não continue a cobrar seu preço também na forma de vidas humanas.

Fonte: Instituto Teotônio Vilela

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