sexta-feira, 30 de março de 2012

Quando tirarem Demóstenes da sala:: Maria Cristina Fernandes

Uma das mais eloquentes lideranças da oposição virou reú no Supremo Tribunal Federal na mesma semana em que o governo saiu vitorioso em dois dos principais projetos de sua pauta legislativa do ano, a criação do fundo de previdência complementar dos servidores e a Lei Geral da Copa.

Não há causalidade entre um e outro fato. E isso explica por que uma crise que parecia tão aguda nas relações da presidente Dilma Rousseff com o Congresso se desfez de uma hora para outra.

O ocaso do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) pouco afeta a governabilidade de Dilma. E não apenas pela condição minoritária de seu partido, mas porque não é na oposição que o projeto de poder da presidente é posto em xeque, mas dentro de sua própria base. Quando um parlamentar como Demóstenes cai em desgraça, as bandeiras que defende passam a depender mais de seus simpatizantes na base aliada do governo, o que lhes aumenta os antagonismos.

Ao virar o jogo no Congresso, Dilma mostrou que ainda dispõe dos recursos políticos - e orçamentários - para conter essa soma de interesses antagônicos que a sustenta.

À distância, deu condições aos seus novos líderes na Câmara e no Senado de promover a troca de guarda e autonomia aos ministros para negociar com os parlamentares. Articulados com o presidente da Câmara, Marco Maia, e a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, promoveram os acordos que levaram à aprovação dos projetos.

A chance dessa pax parlamentar perdurar é diretamente proporcional à disposição do governo de cumprir acordos como aquele que fixou para depois da Páscoa a votação do Código Florestal. O entendimento também tem mais chance de prosperar se os compromissos firmados entre os ministros e os parlamentares forem cumpridos.

Isso certamente passa pela liberação de emendas. Enquanto não inventarem outro jeito de os parlamentares influenciarem num naco de investimentos do governo em benefício de comunidades que garantem a continuidade de sua carreira política vai continuar sendo assim.

A faxina de Dilma pode não passar de discurso mas não é na liberação de emenda que mora o engodo, e sim na triangulação entre parlamentares, seus indicados na máquina de governo e fornecedores públicos que recebem pelo serviço que não prestam.

É dos lucros dessa triangulação que vivem muitos políticos deste e de outros governos. É mais simples coibi-los quando são miudezas que estão em jogo, como nos contratos prestados por Ongs. É a esse fim que parece se destinar o projeto de criação do fundo para o financiamento dessas entidades que o governo vai enviar ao Congresso.

Mas difícil de fechar é o ralo por onde passam os grandes contratos. Basta ver o histórico de entreveros entre o Executivo e o Tribunal de Contas da União. E mesmo que haja alguma disposição real em fechar o ralo, a torneira jorra mais forte à medida que crescem a economia e a capacidade de investimento do governo.

A corrupção pode até ser um problema do tamanho que Demóstenes Torres costumava pintar da tribuna, mas o que os indícios de seu processo no STF parecem indicar é que a contravenção tem laços que extrapolam o governo de plantão. Alicia parlamentares de de todos os matizes, desde que influentes no aparato policial e na cúpula do judiciário.

Demóstenes Torres não era um denunciante qualquer. Chegou ao Senado no mesmo ano em que o PT alcançou o Planalto foi um de mais implacáveis críticos até ser acusado de receber mesada do mesmo contraventor que detonou o escândalo Waldomiro Diniz, o primeiro da era petista.

Nesse meio tempo jogou no descrédito um dos mais operantes policiais do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-delegado geral da Polícia Federal e ex-superintendente da Abin, Paulo Lacerda, ao acusá-lo de um grampo nunca provado no Supremo Tribunal Federal..

Arrematou a cultivada imagem de paladino da moralidade ao tornar-se um dos grandes defensores da Lei da Ficha Limpa e dos poderes de investigação do CNJ.

O senador foi alçado à condição de ideólogo conservador ao encabeçar a resistência parlamentar à política de cotas raciais. Numa audiência promovida pelo Supremo chegou a dizer que a escravidão teria beneficiado o continente africano por ter sido o primeiro item de sua pauta de exportações. E que, por isso, faria pouco sentido para o Brasil adotar políticas compensatórias para os negros que, além do mais, haviam proliferado por meio de relações consensuais entre escravas e brancos.

O apoio que recebeu na pregação anticotas o encorajou a prosseguir na cruzada de ideólogo do conservadorismo com um projeto que trata o viciado em drogas como um deliquente e institui uma política nacional de internação compulsória.

Acabou angariando o respeito e a admiração de seus pares pela coragem de assumir essas posições num país crescentemente marcado por políticas inclusivas.


Foi a dificuldade de a oposição oferecer uma agenda alternativa ao crescimento econômico que deu fermento às bravatas de Demóstenes. De tão dependente de bandeiras moralistas, os oposicionistas perderam a capacidade de se aglutinar mesmo face a um tema tão crucial para o futuro quanto a desindustrialização.

Foi com esse tema que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) subiu à tribuna na quarta-feira passada. Face à recomposição da base governista, urgia recuperar iniciativa à oposição. Dali a pouco o PSDB daria seus votos à aprovação da Funpresp, em nome de uma reforma iniciada pelo governo tucano e sequenciada pelos petistas. O discurso de Aécio teve pouca ressonância, mas os governistas bateram bumbo com a aprovação quase unânime.

Se a pauta legislativa se aprofundar na agenda da indústria nacional, focada em questões tributárias e trabalhistas, o consenso, como mostrou levantamento de Caio Junqueira (Valor, 28/03/2012), tem dias contados. Agora que tiraram Demóstenes da sala bem que o jogo podia começar.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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