quinta-feira, 15 de março de 2012

Sobrou para o gavião:: Celso Ming

Algumas metáforas dizem mais do que os tratados. Uma dessas foi criada pelo ministro Guido Mantega, terça-feira, em depoimento na Comissão de Economia e Finanças do Senado.

Ele afirmou que às vezes atira no urubu e atinge também o gavião, querendo explicar com isso que certas decisões produzem consequência não prevista quando do seu planejamento.

Uma das verdades apontadas por essa metáfora parece ter escapado ao crivo do ministro: ele deve ser um dos poucos que gastam chumbo com urubu. Ou seja, algumas dessas medidas de política econômica são de utilidade duvidosa. Outra verdade - e não é preciso ser farmacólogo para saber disso - é que certos efeitos colaterais das medidas corretivas deste governo tendem a gerar mais estragos do que a cura pretendida.

O governo Dilma se queixa de ser vítima de efeitos colaterais. O mais notório deles foi denunciado há duas semanas por ela própria quando reclamou dos tsunamis de moeda estrangeira sobre o câmbio interno, provocados pelas políticas de farta emissão de moeda pelos grandes bancos centrais.

Mas a maioria dos desdobramentos de que lamenta o governo federal são fruto de suas próprias políticas. Um deles é o enfraquecimento da indústria nacional justamente quando mais se amplia o consumo de massas. Para impedir a disparada da inflação de demanda, o governo vem tolerando a rápida expansão das importações de manufaturados, em detrimento da indústria. E, depois, tenta remendar tudo com compensações de resultado cosmético, como as que tem tomado e voltou a prometer.

Outra consequência ruim da política de expansão do consumo de massas é seu impacto sobre os preços dos serviços, que sobem quase o dobro da inflação que, por sua vez, tende a enfraquecer a política monetária - porque reduz demais o juro real (o juro descontado da inflação).

A expansão acelerada do consumo provoca alargamento do rombo das contas externas (déficit em Conta Corrente), estimado em US$ 68 bilhões neste ano, o que precisa ser coberto com crescente entrada de capitais. No entanto, a forte taxação da entrada de moeda estrangeira, colocada em prática com objetivo de ajudar a desvalorização do real, pode dificultar a cobertura desse rombo.

Afora isso, essa mesma taxação, cuja intenção final é favorecer as exportações, acaba prejudicando o exportador ("acerta no gavião") - como o ministro admitiu - porque o empurra para a tomada de financiamentos de curto prazo, bem mais caros. Também quando exige ou mais conteúdo local da indústria ou que a Petrobrás contrate sondas e navios a estaleiros inexistentes, o governo aumenta ou os custos industriais ou da Petrobrás e lhes tira competitividade.

Aí está uma pequena lista de efeitos colaterais com os quais o governo vai se deparando. Há muitos outros. Mas o mais preocupante não é nem sequer o aparecimento dessas anomalias, mas a maneira como o governo lida com elas, sempre com novos remendos (as tais compensações). Assim, a política econômica se transforma em barafunda de artificialidades, cuja consequência é gerar novas distorções que, depois, complicam ainda mais a administração da economia.

CONFIRA

As cotações do ouro, em queda, indicam certa recuperação da confiança no dólar. Ou seja, investidores passaram a aceitar menos dólares por onça-troy (31,1035 gramas), como mostra o gráfico. Também refletem a percepção de que a economia global, especialmente a americana, está saindo da crise.

Cuidado com eles. “A União Europeia deve defender-se das economias emergentes.” Estranha essa declaração da chanceler da Alemanha, Angela Merkel, relatada pela agência Dow Jones. Afinal, os emergentes são uma ameaça?

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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