sábado, 21 de abril de 2012

Baixar 'spreads' exige medidas sustentáveis :: Gustavo Loyola


Está em pleno vapor uma espécie de cruzada do governo para aumentar o crédito na economia. Quer baixar a qualquer custo o spread bancário e induzir o sistema bancário a elevar a oferta de crédito para estimular a economia. O objetivo em si não está errado e deve ser perseguido, mas o caminho aparentemente escolhido pode vir a ser desastroso e contraproducente.

Inicialmente, é necessário considerar que o crescimento da oferta de crédito deve ocorrer sempre de maneira sustentada e sem aumento dos riscos sistêmicos. A recente crise do subprime nos EUA e os problemas fiscais na zona do euro são evidências claríssimas dos riscos do excesso de alavancagem e da imprudência na concessão de crédito pelos bancos. Medidas do governo para forçar os bancos - públicos ou privados - a emprestarem mais com taxas artificialmente baixas podem levar à formação de bolhas no mercado de crédito com consequências imprevisíveis para a estabilidade financeira sistêmica.

Assim, a cruzada do governo só faz sentido se baseada em agenda tecnicamente sólida e com respaldo na atuação do Banco Central (BC) como responsável último pela supervisão financeira no Brasil. Os motivos por que as margens financeiras são elevadas no País são sobejamente conhecidos, principalmente a partir de estudos conduzidos pelo próprio BC ao longo dos últimos anos. Tais estudos permitem o estabelecimento de agenda de medidas com o intuito de reduzir os spreads e aumentar a eficiência da intermediação financeira.

Mas a recente determinação do governo aos bancos públicos para baixarem as taxas cobradas em suas operações de crédito indica a preferência por um caminho alternativo para mais rapidamente alcançar o objetivo de diminuir os spreads, através da provocação de uma "guerra de preços" no mercado bancário. A estratégia, embora eventualmente benéfica para os clientes e a atividade econômica no curto prazo, traz riscos evidentes sob o ponto de vista da estabilidade financeira sistêmica e, no caso dos bancos públicos, também riscos fiscais que não devem ser negligenciados.

Uma alternativa melhor seria, a partir dos insuspeitos trabalhos do BC sobre a composição do spread bancário, retomar a agenda de ações para lidar com as causas que estão na raiz do problema. Como se sabe, segundo estudo do BC publicado em 2010 e disponível em seu site, em torno de 29% do spread se deve à inadimplência dos tomadores de crédito; 22%, aos impostos; 12,5% correspondem aos custos administrativos; cerca de 4%, à soma dos efeitos dos compulsórios, dos subsídios cruzados e do recolhimento ao FGC. O restante, aproximadamente 32,5% do spread, é atribuído à "margem líquida, erros e omissões".

Tal decomposição sugere a existência de múltiplos fatores a serem enfrentados na busca por menores spreads. Uma mera observação a olho nu já basta para constatar que parcela relevante do spread está ligada, direta ou indiretamente, às políticas públicas, sejam tributárias, regulatórias ou de outra natureza. Parece, pois, difícil avançar na questão dos spreads, sem que tais políticas sejam, no mínimo, reavaliadas, obviamente não perdendo de vista os legítimos objetivos de cada uma delas. Da mesma forma, baratear o crédito no Brasil necessariamente passa pela redução da inadimplência, que hoje consome quase 1/3 do spread. Não há como imaginar a queda sustentada da inadimplência sem iniciativas que estão necessariamente no âmbito do governo, embora possa haver contribuições importantes do setor privado para este objetivo.

Por outro lado, o aumento da eficiência do sistema bancário é igualmente relevante para a queda dos spreads, aliás, como acertadamente salienta o BC no estudo de 2010. Isso sugere que "parte da bola", pelo menos, está com os bancos - públicos e privados, que devem se tornar cada vez mais eficientes nas funções de intermediários financeiros.

Em suma, é necessário um permanente diálogo entre o setor bancário e o governo, com vistas à implementação de medidas sustentáveis para redução de spread, objetivo que deve ser atingido sem ameaças à estabilidade financeira.

Doutor em Economia pela EPGE/FGV, sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada; foi presidente do Banco Central

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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