sexta-feira, 13 de abril de 2012

Copa, copo e corpo :: Cristovam Buarque

No espaço de poucas horas, o mundo tomou conhecimento de dois fatos ocorridos no Brasil. Em outro tempo, não haveria repercussão, mas, em função da próxima Copa do Mundo, os fatos tiveram destaque internacional e podem trazer consequências graves para o País.

Primeiro, a aprovação na Câmara dos Deputados de lei que autoriza a venda de bebidas alcoólicas nos estádios durante a Copa. Ao tomar conhecimento dessa decisão, que ainda passará pelo crivo do Senado, o mundo soube que o Brasil tinha uma lei que proibia essa venda. O mundo percebeu que estamos dispostos a abrir mão de um bom princípio, em nome de sediar os jogos, e até abrir mão da própria soberania, para submeter-se à vontade da Fifa e seus patrocinadores.

Se a venda de bebidas fosse uma boa ideia, ela seria autorizada independentemente da Fifa, de forma autônoma e soberana, e se a venda de bebidas é nociva ela não deveria ter sido permitida. Além disso, em nenhuma hipótese deveríamos passar a ideia de submissão à vontade estrangeira.

A Fifa tinha informação e quando decidiu pela Copa no Brasil sabia que a venda de cerveja já era proibida nos estádios. Portanto, ou a Fifa aceitava esta regra ou alguém assegurou, sem consultar o Congresso, que a lei seria modificada. Neste caso, além de falta de soberania, têm-se um gesto de desrespeito ao Poder Legislativo. Nossos representantes da Confederação Brasileira de Futebol ()CBF) deveriam ter proposto a mudança ao Congresso Nacional, antes de assinar qualquer compromisso.

Agora, cria-se uma dificuldade: se o Congresso recusar a venda de bebidas, o governo atropelará a decisão do Congresso por intermédio de uma medida provisória na véspera da Copa, ou a Fifa retirará os jogos do Brasil? Além disso, a Câmara dos Deputados deixou aberta a possibilidade de cada Estado decidir se autoriza ou não a venda da bebida. O que acontecerá ao Estado onde a Assembleia Legislativa decidir pela proibição da venda de cerveja?

A segunda notícia de repercussão internacional foi a decisão do Supremo Tribunal da Justiça (STJ) de que um estuprador não pode ser condenado como estuprador ao ter relações sexuais com "menor prostituta". O STJ considerou que no caso de "menor prostituta" o ato deve ser tratado como sexo consentido, mesmo com crianças de 12 anos de idade. O simples reconhecimento da existência de prostituição de menores já é um fato grave e negar a criminalidade do estupro, passa ao mundo a mensagem de que existe prostituição de menor e de que isso é sexo consentido, não é estupro.

Se a decisão é resultado de interpretação pessoal de um juiz de Alta Corte, o fato é muito grave, mas, se ao invés de interpretação pessoal houve uma decisão de acordo com o que diz a Lei, a gravidade é ainda maior. Tratar-se-ia não de decisão de um juiz, mas de uma legalidade nacional que, ao não considerar o fato como estupro, aceitaria a exploração sexual de menores. Seria um ordenamento jurídico monstruoso que não protege a menor ou o menor.

Também é grave o momento em que a decisão foi tomada, mandando recado aos que estão se programando para virem a Copa da Fifa.

A conjugação de autorização de venda de cerveja e de descriminalização do estupro de menores em condição de prostituição acena aos turistas que o Brasil é um País da tolerância.

Muitos poderão imaginar que o Brasil oferecerá aos turistas Copa, copo e corpo.

Cristovam Buarque é professor da UnB e senador pelo PDT-DF

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

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