sábado, 14 de abril de 2012

Dilema das Américas:: Míriam Leitão

Os governantes das Américas estão neste fim de semana na bela Cartagena das Índias, cidade colombiana, aberta para o mar, mas cercada por fortalezas históricas erguidas contra corsários e invasores. Abrir-se ou fechar-se tem sido o dilema dessa relação do Sul com o Norte do continente. Os dois projetos extremos dos últimos tempos - Alba e Alca - falharam. A região está fadada ao centro, ao equilíbrio.

A Alca naufragou no governo George Bush e o Brasil era o copresidente. O governo Lula considerou que seria um risco, uma capitulação ao poderio dos Estados Unidos e bombardeou a proposta sem mesmo negociar. Nunca se saberá até que ponto ela seria mesmo prejudicial aos interesses dos países do Sul, porque nem se chegou a entrar na proposta em si do acordo.

De qualquer maneira, a região conhece bem essa mistura de arrogância e desprezo com que os latino-americanos foram tratados pelo vizinho do Norte. Os detalhes são eloquentes. Tanto o "New York Times" quanto o "Guardian" notaram a falta do jantar de gala para a presidente Dilma. O jornal de Nova York tratou como uma curiosidade, já que destoa com o tratamento dado aos governantes da Coreia do Sul e da Índia. O jornal de Londres criticou os Estados Unidos por não terem entendido ainda a dimensão que o Brasil assumiu nos últimos tempos.

A Alba foi a proposta do outro extremo. Uma associação bolivariana com a intenção de, sob o comando de Hugo Chávez, unir a América espanhola contra os Estados Unidos. Conquistou apoios da Bolívia, Nicarágua e Equador. Mas não prosperou. Tudo em Chávez é mais retórica que concretude. Rafael Correa, do Equador, não confirmou presença na Cúpula, mas os outros da Alba, sim, inclusive o próprio presidente venezuelano, caso receba autorização médica.

No encontro dos líderes empresariais, que ocorrerá paralelamente, a presidente Dilma estará no principal painel dividindo a mesa com o presidente Barack Obama e o presidente Juan Manuel Santos, da Colômbia.

Santos fez um importante movimento em direção ao centro, na Colômbia. Manteve a luta contra as Farc, mas sem as posições extremadas de Álvaro Uribe. Isso permitiu um relacionamento mais fácil com a Venezuela e, agora, a lenta rendição da guerrilha. O país começa assim a entrar em nova fase.

Num momento difícil está o México. Na economia, o país teve um baque com a crise de 2008, nos Estados Unidos. Por ser excessivamente dependente do mercado americano, o PIB do país despencou 5,4% em 2009. A recuperação foi rápida e no ano passado cresceu mais do que o Brasil. Mesmo assim, o México vem perdendo prestígio, como parte da tragédia que está sendo a guerra contra o tráfico. De acordo com a Procuradoria Geral da República (PGR) do México, nos últimos cinco anos morreram no conflito com o narcotráfico mais de 47 mil pessoas, com aumento de 11% em 2011. Não se vê luz no fim do túnel. A imprensa que cobre o tema tem mostrado truculência dos dois lados sobre a população civil.

A Argentina vive um momento de retrocesso também. Esta semana, a presidente Cristina Kirchner voltou suas baterias contra a YPF, ameaçando inclusive a empresa, que pertence à espanhola Repsol, de reestatização. O ministro das Relações Exteriores da Espanha disse que, se as negociações com a Repsol forem suspensas, pode haver uma ruptura nas relações entre Espanha e Argentina. As brigas do governo com as empresas, o excesso de intervenção na economia, a manipulação de índices econômicos fazem o país ser visto como hostil ao investimento.

A violência do México, o estilo de governo da presidente argentina, a crise da Venezuela tornam incertas as perspectivas desses países que estão entre os grandes da América Latina. O Brasil não precisa do enfraquecimento dos outros para se destacar, mas pelo contraste fica ainda mais evidente a força da economia brasileira e a popularidade da chefe de governo.

É desta forma que a presidente Dilma desembarca em Cartagena. O recado antecipado dela foi que esta é a última cúpula sem Cuba. Pode parecer mais um arroubo ideológico, mas a inclusão de Cuba nas instituições que unem os países das Américas é uma antiga posição da política externa brasileira. Além disso, hoje, mais do que nunca, a exclusão de Cuba pode ferir interesse das empresas brasileiras que querem ter negócios na ilha e nos Estados Unidos.

É uma cúpula em que alguns países decisivos estão passando por transição. O presidente Obama continua sendo o favorito na eleição deste ano, mas é o fim de um mandato, que pode ou não se renovar. O presidente Hugo Chávez passará pela primeira eleição em que a oposição está unida. Seu principal inimigo não é a oposição, mas o câncer. Felipe Calderón, do México, chega ao fim do seu mandato impopular e vendo o velho PRI com chances reais de voltar ao poder.

Seria bom se as três Américas conseguissem intensificar as relações econômicas e comerciais, superando menosprezos e mal entendidos que no passado reduziram as chances de integração. De Cartagena se pode ver o mar aberto. Nas fortalezas, o velho arsenal para combater os que vinham do mar. Que nesse encontro os fortes sejam apenas o que são: belos prédios históricos e não símbolos da necessidade de fortalecer defesas contra o mundo exterior.

FONTE: O GLOBO

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