sexta-feira, 6 de abril de 2012

Leitora nº 1 :: Ruy Castro

Desde a primeira vez, em novembro de 1990, foi impossível não notá-la. Quando cheguei ao Teatro dos Quatro, no Shopping da Gávea, onde haveria a sessão de autógrafos de meu livro "Chega de Saudade", ela já estava junto à mesa. Teria uns 60 anos e era pequenina e magrinha, mas fa lante e despachada. Disse o nome: "Ester Costa".

Parecia íntima de todo mundo que chegava: João Donato, Miúcha, Luizinho Eça, Ronaldo Bôscoli, Marcos Valle, Os Cariocas -e a todos pedia que autografassem a página em que apareciam. Depois, sumiu no tumulto daquela noite. Nos anos seguintes, publiquei outros livros e ela continuou a ser a primeira a chegar aos lançamentos.

Passei a vê-la também nos shows de bossa nova -sempre com seu "Chega de Saudade", colhendo autógrafos. Ester gostava de música, mas gostava ainda mais dos artistas que, como ela, envelheciam. Se soubesse de um que estivesse doente, ia visitá-lo todos os dias, instava os amigos a telefonar-lhe, fazia-o acreditar que era querido e lembrado, e só não o ajudava com dinheiro porque não tinha.

Um dia, sozinha e aposentada, mas sempre elegante e arrumadinha, precisou levantar algum. O jeito foi oferecer a um amigo o seu exemplar de "Chega de Saudade", já ensebado e com orelhas nas pontas, mas contendo assinaturas que não era mais possível conseguir. Isso lhe quebrou o galho e deixou o livro em boas mãos. Mas ela não ligava para a durindana. O que a alimentava era seu amor de décadas por pessoas como Doris Monteiro, Tito Madi, Pery Ribeiro, Billy Blanco, Orlann Divo e tantos outros.

Há meses, relancei um livro, "Rio Bossa Nova", pela Casa da Palavra, que dediquei por impresso a ela: "Para Ester Costa, minha leitora nº 1". Foi como se adivinhasse. Ester morreu nesta semana, em seu apartamentinho em Copacabana, aos 82 anos.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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