domingo, 8 de abril de 2012

Militares espionaram a UnB após a ditadura

Ex-professores como José Gerardo Grossi (E) foram alvo do SNI: as investigações começaram em 1964 e só terminaram em 1988

Arapongas infiltrados na UnB

Documentos obtidos pelo Correio revelam que, mesmo em tempos de redemocratização, a instituição de ensino superior brasiliense continuou a ser monitorada por espiões do SNI, o serviço secreto do governo. Os informantes acompanhavam as atividades dos professores e preenchiam relatórios detalhados

Renato Alves, Edson Luiz

Os militares não deram sossego a alunos, professores e funcionários da Universidade de Brasília (UnB) nem com o fim da ditadura. Agentes do regime espionaram a comunidade acadêmica pelo menos até 1988, três anos após a redemocratização do país. Documentos sigilosos aos quais o Correio teve acesso comprovam as ações de integrantes do Serviço Nacional de Informações (SNI), o temido órgão que perseguiu, prendeu, torturou e matou milhares de brasileiros. Com os carimbos de "secreto" e "confidencial", as 156 páginas traçam uma radiografia da UnB, na ótica dos informantes do regime de exceção, baseados em seus relatórios elaborados desde a tomada do poder pelos militares. O material revela como a ditadura sufocou a maior universidade da Região Centro-Oeste, com o intuito de eliminar os ideais de Darcy Ribeiro e os opositores do regime totalitário. A instituição de ensino completa 50 anos no próximo dia 21. O golpe militar fez 48 no último dia 31.

"Caixa de ressonância dos ideais de esquerda"

Após o fim da ditadura, o SNI elaborou relatórios regularmente entre 1985 e 1988. Em todos, os agentes demonstram preocupação com a redemocratização da UnB. Qualquer medida para tornar a universidade mais igualitária e aberta era vista como uma ameaça à qualidade do ensino superior e um elemento de "caixa de ressonância dos ideais progressistas de esquerda", conforme destaca um dossiê concluído em 5 de abril de 1988.

Agentes dos órgãos de repressão relatavam o descontentamento com reuniões no câmpus da UnB em que o tema principal era a democracia na universidade. "Nesta linha de ação, em 1987, foi criada uma comissão paritária, formada por professores e alunos, que passou a dirigir o Departamento de História nos assuntos administrativos e acadêmicos", conta, como algo inadmissível, o analista do dossiê de abril de 1988.

Os arapongas descrevem as mudanças ocorridas após o fim da ditadura em cada decanato da UnB. Dão detalhes da vida profissional e política dos professores chefes dos departamentos. E tomam nota de todas as atividades de Cristovam Buarque, o primeiro reitor escolhido por eleição direta após o regime de exceção. Ele assumiu a função em 1985, a contragosto dos militares, que, no fim do governo João Figueiredo — o último ditador no poder —, ainda queriam impor a nomeação do principal cargo da instituição.

Entre os muitos atos de Cristovam, os agentes do SNI destacam negativamente a reincorparação simbólica de 57 professores que se demitiram coletivamente em 1965 (leia Linha do tempo). Numa tentativa de mostrar tal decisão, tomada em março de 1988, como algo prejudicial à universidade, os arapongas destacam o aumento na folha de pagamento da UnB. Mas omitem que, em cinco anos de redemocratização, o número de vagas de graduação aumentou de 210 para 1.035 e o de disciplinas ofertadas passou de 1.549 para 2.089.

Nesse mesmo período, consolidou-se a Associação dos Funcionários e intensificou-se a atuação da Associação dos Docentes da UnB (ADUnB). O movimento estudantil também se organizou, elegendo a diretoria do Diretório Central dos Estudantes (DCE), havia anos sem representante. Para os arapongas, o vazio no DCE se devia "ao desinteresse dos estudantes para com o movimento estudantil", e não por causa da repressão nos tempos de ditadura, que levaram a prisões e a sumiços de universitários.

União Soviética

O hoje senador Cristovam Buarque (PDT-DF), 68 anos, soube da continuidade da espionagem na UnB em tempos de redemocratização após ser procurado pelo Correio. Ele fez questão de ler os dossiês do SNI, até então inéditos. "Se eles faziam isso é porque tinham gente infiltrada em meio a professores, estudantes, servidores. Talvez houvesse um espião bem próximo, como se fosse um colaborador", comentou, sem esconder o espanto.

Três páginas do dossiê sobre a redemocratização da UnB trazem o resumo da ficha de Cristovam Buarque nos arquivos da ditadura. Ele descreve, além da formação escolar e profissional do investigado, as suas atividades políticas desde os tempos em que presidia o Diretório Acadêmico de Engenharia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 1966. Os agentes destacam que ele se tornou um "subversivo" ao fazer um discurso veemente contra o golpe de 1964.

No campo da sua administração, os espiões do SNI chamam a atenção para um contato do então reitor com a Embaixada da União Soviética, em 1986, para a UnB receber reforços de professores russos de diversos setores de ensino e pesquisa. "A primeira conversa foi reservada. Não que houvesse algo de secreto ou ilegal, mas foi um encontro com pouca gente. Como o pessoal do SNI soube disso?!", questiona Cristovam. Ele ainda dá aulas na universidade brasiliense, nas manhãs de terças-feiras.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

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