sábado, 28 de abril de 2012

Nas entrelinhas:: Míriam Leitão

A sombra da crise voltou a amedrontar a semana. A Espanha e a Inglaterra, em recessão oficialmente, e termômetros da atividade mostram que o fim do problema ainda está longe. Aqui dentro, o Copom admitiu no texto da sua ata que a economia está mais fria do que era de se esperar, mas ao mesmo tempo está acabando o espaço para o estímulo monetário. Queda nas taxas agora serão com parcimônia, avisou o Banco Central.

A Europa não surpreende. São assim mesmo as crises fiscais. Longas e intermitentes. Às vezes há pequenos sinais de melhora, depois os dados ruins aparecem novamente. O continente demorará a mostrar vigor. Até a Alemanha, mais robusta e preparada, terá baixo crescimento em 2012. Os EUA também decepcionaram no primeiro trimestre, com crescimento abaixo do esperado, apesar dos sinais mostrando uma recuperação mais sólida.

No Brasil, o Copom às vezes surpreende. É que ele muda de tom e convicção a cada 45 dias. Os especialistas olham o documento e encontram contradições. Não está errado o item 35 da ata, e nele está dito que, apesar de a economia estar ainda mais fria do que se esperava, os estímulos monetários já concedidos têm efeito cumulativo e defasado no tempo, por isso novas quedas da taxa terão que acontecer devagar.

Agora é olhar os dados com calma, até porque começa a chegar naquele ponto em que haverá comparação entre ativos de renda fixa e a caderneta para decidir os investimentos. O que os economistas estranham é a alteração de tom de uma ata para outra. Isso continua alimentando a impressão de um Banco Central errático.

É o que acha, por exemplo, Luiz Roberto Cunha, da PUCRio, que sempre lê minuciosamente as comunicações do Banco Central para extrair daí a visão que a autoridade tem do momento presente e como pretende conduzir a política monetária: — Temos um BC que muda partes significativas das atas de uma reunião para outra. Isso demonstra uma certa insegurança.
Por mais que a Europa viva em crise, não há mudanças tão fortes assim em 45 dias. Se pegarmos, por exemplo, o parágrafo 29, da ata de março, lemos que o BC avalia que os preços das commodities têm apresentado cenário benigno. Na ata seguinte, essa frase sumiu. Ficamos sem saber se na visão do BC esse cenário continuou ou piorou.

Parece detalhe, mas o vai e vem, o afirma e omite das atas vão reduzindo a qualidade da comunicação do Banco Central com os financiadores da dívida pública e com os agentes econômicos que tomam decisões sobre preços. Parte do sistema de metas de inflação se dá por essa relação que parece sutil mas que é fundamental para alimentar decisões e expectativas.

Luiz Roberto mostrou que a ata ainda não contempla aumento da gasolina. Nas últimas semanas, aumentarem os sinais por parte da Petrobras de que o reajuste não será indefinidamente postergado porque os preços da matéria- prima e do dólar subiram, os dois componentes para a definição do preço interno.

Além disso, há muito tempo se acumulam os efeitos da política que manteve congelado por sete anos o valor que a Petrobras cobra das distribuidoras: aumentou o consumo, cresceram as perdas para a estatal, que importa gasolina e diesel por preços mais altos do que pode cobrar, e houve desestímulo à indústria do etanol. Por mais que a percepção do consumidor seja de que já paga caro demais, o BC não desconhece, nem pode, os artificialismos que estão se formando na economia.

No último dado divulgado, a inflação subiu, mas ela tem estado em queda desde setembro no acumulado de 12 meses, como o Banco Central havia previsto. A alta de abril é porque os novos impostos sobre cigarros, que haviam sido decididos no ano passado, foram postergados para que a inflação de 2011 não estourasse o teto da meta. Não é uma tendência, a inflação continua baixa, mas ainda acima do centro da meta. O problema é que acabou a convicção de que o Banco Central persegue o centro da meta.

— O mercado já entende que esse BC aceita qualquer inflação acima de 4,5% e abaixo de 6,5% — diz Luiz Roberto Cunha.

Não é bom que se sedimente a impressão de tolerância com níveis mais altos, como se a meta tivesse se deslocado do centro para o teto. O Brasil já tem tido inflação mais alta do que os níveis de outros bancos centrais.

Na ata passada, no item 29, o Banco Central dizia que eram "decrescentes os riscos à concretização de um cenário em que a inflação convirja tempestivamente para o valor central da meta". Desta vez, no mesmo item, o texto foi alterado para "o comitê ressalta que, no cenário central com que trabalha, a taxa de inflação posiciona-se em torno da meta em 2012". Isso parece uma desistência de se buscar o centro, que é o mandato do BC e do qual pode se afastar apenas em momentos em que há choques de preços na economia?

Na Europa, a crise continua. É já a banalidade do mal. A cada semana, um dado negativo. Nesta, houve vários deles. Na alça de mira continua a Espanha, cuja avaliação da dívida soberana foi rebaixada pela Standard & Poor"s e ainda colocada em perspectiva negativa, um anúncio de que pode cair mais. A visão da agência é que o país continuará em recessão ao longo deste ano e no próximo e que vai se deteriorar o resultado fiscal. Na Inglaterra, a recessão prova que não ser da Zona do Euro não garantiu e não garante ao país um destino diferente do continente. Na França, o alto desemprego de jovens na casa dos 21% mostra a face mais cruel da crise.

FONTE: O GLOBO

Nenhum comentário: