sexta-feira, 20 de abril de 2012

O lado frágil da popularidade presidencial:: Carlos Pereira

Em 1997, Samuel Kernell publicou um livro intitulado "Going Public: New Strategies of Presidential Leadership" no qual analisa o uso do apelo direto ao público e a popularidade do presidente como forma de legitimar estratégias austeras e amedrontadoras de tratamento a representantes do governo, principalmente do Legislativo, em oposição aos mecanismos de barganha. Ou seja, enquanto esta pressupõe recompensas mútuas entre Executivo e Legislativo, "going public" implica custos e ameaças aos que discordam do presidente e é mais comumente utilizada por políticos "outsiders" ou não profissionais.

Não sabemos se a presidente Dilma Rousseff leu este livro, mas não exatamente como seu antecessor, ela tem se utilizado da estratégia para sustentar uma postura que realimenta tanto a popularidade quanto sua posição de que não estaria disposta a inclinar-se a qualquer tipo de barganha. A popularidade de Dilma parece estar mais seletiva e estratégica, na medida em que vem se tornando importante medida de imposição de sua visão "moralista" sobre trocas e favores dentro do governo. Se estas trocas são necessárias e inevitáveis, Dilma viaja e deixa a barganha para seus subalternos mais experientes e profissionais e, desta forma, não mancha sua imagem perante os eleitores.

A recente dificuldade que a presidente tem enfrentado para disciplinar a sua coalizão no Congresso nas últimas semanas pode ser assim interpretada como consequência de mais uma tentativa de se "quebrar" os mecanismos de ganhos-de-troca entre Executivo e Legislativo, sinalizando para os eleitores seu estilo "austero". A presidente Dilma, de perfil técnico e com reconhecido baixo traquejo no trato com os políticos, tem deixado claro suas resistências ao que ficou negativamente rotulado na opinião pública como "toma-lá-dá-cá" de votos por cargos e recursos financeiros.

Institucionalizar a troca é preferível a demonizar barganha

No primeiro ano de governo, aliado ao controle inflacionário, essa estratégia de perfil "moralista" já havia mostrado o seu poder de persuasão de eleitores por ter gerado grande popularidade à presidente ao aceitar o pedido de exoneração de cinco de seus ministros sob forte alegação de envolvimento em corrupção. Para a população, ficou a imagem positiva da chefe do Executivo que não "passa a mão na cabeça" de políticos desviantes, como fazia seu antecessor. Entretanto, a origem dos sucessivos casos de corrupção na gestão Dilma reside na sua própria decisão de montar um governo desproporcional, privilegiando o PT com a alocação monopolista de ministérios e de cargos no segundo escalão, bem como com a execução de emendas dos parlamentares ao Orçamento.

Para se ter uma ideia da desproporcionalidade de acesso ao poder na coalizão governista, Dilma alocou cerca de 46% (17) dos ministérios a petistas, apesar de o partido da presidente só deter menos de 27% (88) das cadeiras ocupadas pela sua coalizão na Câmara dos Deputados. Essa decisão gerou uma disparidade positiva de 18,95 pontos em favor do PT. O principal parceiro político, o PMDB, com aproximadamente o mesmo peso político do PT na Câmara, 24,23% (79 cadeiras), possui apenas seis ministérios (16,02%), gerando disparidade negativa de -8,02 pontos. O restante da coalizão também apresenta disparidades negativas: PR e PP -9,87, PDT -5,88, PSB -5,02 e o PCdoB -1,9. Com relação aos cargos de segundo escalão (DAS-4, 5 e 6), essa desproporcionalidade é ainda mais pronunciada. Enquanto o PT concentra 66% desses cargos, o PMDB ocupa apenas 12%, o PP 6,5%, o PTB 4,5%, o PR 3% e o PCdoB 4,39%.

A consequência direta dessa estratégia centralizadora e desbalanceada de gerência de coalizão do governo Dilma tem sido o desenvolvimento de crescentes insatisfações dos partidos sub-representados no Executivo. Tendo ainda como agravante o fato de o governo Dilma não desfrutar de uma folga fiscal, como o de Lula, para "pagar" o que a base aliada tem demandado na execução de emendas ao Orçamento.

Essa estratégia utilizada pela presidente de "moralizar" suas relações com o Legislativo, demonizando as trocas de apoio ao governo no Congresso por benefícios políticos e financeiros para os parlamentares, pode até gerar ganhos de popularidade. Entretanto, a institucionalização de mecanismos de ganhos-de-troca são fundamentais para a sustentabilidade de presidencialismos multipartidários. É importante lembrar que os presidentes que não conseguiram formar ou manter uma maioria parlamentar no Congresso não conseguiram terminar seus mandatos (Getúlio Vargas, Jânio Quadros, João Goulart e Fernando Collor) ou enfrentaram custos reputacionais colossais, como foi o caso do mensalão no inicio do governo Lula quando este ainda era minoritário. Talvez a saída não esteja na demonização da barganha, mas na institucionalização de mecanismos transparentes de ganhos-de-troca.

Ou seja, privilegiar as relações diretas com o público e ao mesmo tempo negligenciar a relação com os partidos e o Congresso em um ambiente altamente fragmentado como o brasileiro, pode criar animosidades crescentes entre aliados. Além do mais, potenciais solavancos econômicos podem fragilizar o governo frente à população e tornar a estratégia de "going public" arriscada. Afinal de contas, como lembra Kernell, a estratégia do "going public" tem limites. Seu uso excessivo pode levar à fadiga do eleitorado, bem como a ressentimentos entre os políticos no Congresso. Pode também sinalizar fraqueza ao invés de força, pois popularidade inebria, mas pode ser fugaz e nos momentos de baixa, como vimos no passado, os políticos tendem a inflacionar a conta do apoio.

Carlos Pereira é professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape), Fundação Getúlio Vargas (FGV

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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