terça-feira, 8 de maio de 2012

Conversa de intervalo:: Wilson Figueiredo

A denominada nova classe média, de nova mesmo só tem o adjetivo com que é recauchutada oficialmente. O que, com desprezo político, era referido como comportamento pequeno-burguês, teve presença modesta na vida política brasileira e não fez mais do que história oral. Até hoje, a classe média não entendeu com clareza o que veio fazer, pelo menos no Brasil, mas dá sinais de que gosta de ser lisonjeada como lastro da democracia onde a plantinha tenra, plantada por Otávio Mangabeira, teve dificuldade de se firmar.

A cabeça da classe média propriamente dita fez um longo percurso para chegar ao que hoje se aceita como a parcela capaz de estabilizar as diferenças políticas de nível social nas democracias, mesmo depois de se tornar a maior parcela da sociedade. A política ainda faz cerimônia com a classe média que, consciente do seu peso, está à disposição para se praticar neste país a democracia sem pagar o preço escorchante da corrupção funcional.

A presidente Dilma Rousseff tem dado as boas vindas à classe média sempre que as oportunidade se apresentam. É, aliás, o que não falta. Já está subentendido que essa parcela social é uma só, onde quer que se faça notar, de acordo com os sinais que a identificam a olho nu, e o sentido estabilizador que tem na sociedade de consumo. A classe média pode ser míope, mas não é cega: pode se equivocar com o que está longe, mas vê com nitidez o que está perto.

É oportuno lembrar que o clímax do mensalão foi deixado para este ano. Mas nada impede que, no próximo, o Brasil possa muito bem traçar a linha divisória entre o país que vem de trás e o que mal deu para começar. A moralização dos costumes políticos se tornou prioridade, enquanto pede urgência o saneamento da coalizão parlamentar que ameaça a confiança na lei e na democracia.

Fala-se, com alguma superficialidade, no advento de uma nova classe média, como se fosse possível ou necessário realçar diferenças na parcela social indispensável à sociedade em que o consumo foi elevado à categoria de bem comum.

A presidente Dilma mantém, sob os traços da classe média, o perfil de uma esquerda que já fez a grande curva para se identificar com a democracia, e se mostra atenta ao que, mesmo nova, a visão política geral já está conseguindo focalizar com menor margem de erro. É semelhante ao que se entendeu, no final do Século 19 (e se frustrou no Século 20), como a crise da qual nasceu na Europa a idéia da social-democracia. A democracia, por sinal, não foi capaz de superar os limites que inibiam novas tendências nos países que se industrializaram mas não resolveram as conseqüências sociais e políticas aceleradas pela industrialização. Faltou capacidade de identificar peso político diferenciado entre as classes sociais e resolver, pela democracia, as questões políticas a um custo menor.

A presidente Dilma tem ao seu alcance a classe média em condições diferentes das que ficaram para trás. Sem exacerbação política dos anos 60, embora com o despudor da corrupção bem nutrida. Não seria demais pedir que a teoria ajustasse a contribuição ao alcance da esquerda à evolução democrática. É o que, por equívoco, não foi bem entendido como a proposta da social-democracia de que se incumbiu Edouard Bernstein na passagem do Século 19 para o 20º, atropelado pelos fatos radicais e pela visão intolerante que comprometeu a primeira metade do século passado, e não só na Europa.

Continua em ponto morto o que a classe média pode fazer pela democracia, no Brasil ou onde se fizer necessário. Qual seja, ir além do exercício periódico do voto e da prática rotineira em que se perde tempo histórico no Brasil. A classe média não foi suficiente, ou não teve capacidade, de apostar nas premissas e na retórica do liberalismo no devido tempo, com o reforço social além das aparências.

A classe média é o que é - e tem sido - desde que era tratada como minoria à disposição da direita e manipulada pelo pensamente conservador. Mas a história não é um eterno recomeço.

Fonte: Jornal do Brasil

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