quarta-feira, 16 de maio de 2012

Mais devagar:: Celso Ming

Na entrevista que concedeu ontem à Agência Estado (ver pág. B4), o ministro da Fazenda, Guido Mantega, não escondeu que o governo está muito satisfeito com a desvalorização do real (alta do dólar no câmbio interno) e com a queda dos juros. Mas não pode dizer o mesmo nem do ritmo do crescimento econômico, nem da perspectiva de receitas com exportações, nem do comportamento da inflação.

A alta do dólar acumulada neste ano (até ontem ) é de 7,01%. As cotações fecharam ontem nos R$ 2,00 por dólar e o ministro alardeia aumento da competitividade da indústria.

Esta é uma desvalorização do real arrancada a fórceps. Não é algo sustentável a prazos mais longos. Não foi o dólar antes mais barato que tirou competitividade da indústria brasileira. Foi o altíssimo custo Brasil - que vem aumentando, porque o preço da mão de obra disparou.

Mantega comemora porque "o empresário quer câmbio" e ele está entregando câmbio - e não reformas para valer, que derrubem o custo Brasil. Mas, como ocorreu no passado, durante certo tempo, o governo conseguirá compensar com mais câmbio o estrago na competitividade da indústria causado pelo custo Brasil. Mas isso tem tudo para ter fôlego curto.

Como o professor Affonso Celso Pastore explicou em artigo recente (Estado de 6/5/2012), dado o baixo nível de poupança interna, o Brasil precisa contar com o afluxo de investimentos estrangeiros. Para isso, é necessário que as contas externas (Contas Correntes) apresentem déficit. Ou seja, o Brasil terá de manter importações elevadas. Como não vai importar nem produtos agrícolas, nem minérios, nem petróleo, é inevitável que o ajuste se faça com base nas importações de industrializados.

Também é ótimo que o ministro venha conseguindo certo sucesso na derrubada dos juros. O que ainda tem de ser visto é se dá para segurar a inflação na meta. A crise externa e a nova safra de derrubada dos preços das commodities ajudam nessa tarefa, mas, outra vez, é preciso que essas coisas sejam sustentáveis. E, para tanto, será necessário colocar em marcha as reformas, que estão emperradas.

Quanto ao crescimento econômico, dá para notar que o ministro Mantega já desistiu dos tais 4,5% a 5,0% prometidos no início do ano e já fala em algo mais do que foi o pibinho o de 2011, que ela acha bom: "Você ter 2,7% como piso de crescimento tá muito é bom", disse ele.

Mantega atribui esse desempenho insatisfatório "à crise externa", o que é apenas um pedaço da verdade. Se o consumo interno caminha entre 5,5% e 6,0% ao ano, como ele também disse, não haveria razão especial para que o sistema produtivo ficasse tão para trás. Se fica, é porque a indústria não tem competitividade; não consegue atender plenamente o mercado interno, que precisa ser suprido cada vez mais pelas importações.

Fiquemos com os dados do ministro. A crise está derrubando os preços internacionais dos manufaturados. Caso a crise externa dure mais quatro ou cinco anos, como ele calcula, os preços internacionais dos manufaturados ficarão achatados durante todo esse tempo, sem que a indústria brasileira tenha condições de derrubar o déficit da balança comercial de manufaturados, de US$ 90 bilhões por ano. Ou seja, nem com essas estocadas no câmbio a indústria brasileira vai ter condições satisfatórias de competir por fatias crescentes de mercado externo.

CONFIRA

O gráfico mostra o comportamento do Índice CRB, que mede a flutuação dos preços das 19 commodities mais negociadas no mundo.

A crise e o dólar. Na entrevista desta terça-feira, o ministro Guido Mantega aponta a baixa das commodities como fator decisivo no controle da inflação brasileira. A retração desses preços apenas em parte se deve ao agravamento da crise global, que deve produzir mais recessão e reduzir o consumo. Reflete também a alta do dólar nos mercados de câmbio. (Um dólar mais valorizado compra mais commodities.)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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