terça-feira, 22 de maio de 2012

O cavalo e o camelo: Carlos Heitor Cony

Não é de hoje a ideia de criar uma comissão para decidir sobre determinados problemas. Quando um governo, uma empresa, um general em campanha enfrentam uma questão delicada, o remédio é formar uma comissão para estudar, avaliar e, em caso extremo, resolver a situação na base do "fizemos o que foi possível". Quando se viu perdido em Waterloo, Napoleão fez uma coisa rara: convocou uma reunião de generais. que decidiram esperar por reforços que não vieram.

A comissão que apurou o assassinato de J. F. Kennedy até hoje é contestada. Dizem que um dos desenhos mais bonitos da natureza, o cavalo, foi criado por Deus. O camelo, que embora mais resistente é mais bagunçado, foi criado por uma comissão de sábios e artistas.

Evidente que louvo a recém-criada Comissão da Verdade para apurar os crimes que ocorreram no regime militar. Admito que dona Dilma escolheu pessoas idôneas e bem-intencionadas para fuçar os arquivos -se é que eles ainda existem. De qualquer forma, uma faxina cívica e moral deverá ser feita para que todos conheçamos a longa noite de chumbo que atravessamos e não queremos atravessá-la de novo, num futuro que, de repente, pode ser armado -e "armado" é bem o termo para o que houve.

Quando um executivo tem um abacaxi nas mãos, a primeira coisa que faz para descascá-lo é nomear uma comissão de alto nível para apurar os fatos, doendo a quem doer.

Acontece que um governo bem azeitado, como o que dona Dilma pretende fazer, tem elementos próprios, dispõe de toda a estrutura de um poder institucional e plenamente democrático para revelar à nação os tumores que, embora recolhidos por qualquer acidente de percurso, podem provocar uma metástase que colocará novamente em risco nossa acidentada vida nacional.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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