quinta-feira, 14 de junho de 2012

Por que Lula se recusa a posar de estadista:: Cristian Klein

Se, no ano passado, as atenções voltavam-se para o comportamento da recém-empossada presidente Dilma Rousseff, as últimas semanas marcaram o retorno à cena do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É a volta de quem não foi.

Convalescendo do câncer na laringe, Lula retornou em seu estilo, digamos, exuberante. Falador, mesmo com a voz sequelada, o ex-presidente deixa claro que participará da vida político-partidária com a mesma desenvoltura de antes.

Lula, ao que parece, não quer ou não tem vocação para se encaixar no perfil de estadista. Nenhum projeto que se cogitava para seu futuro pós-Planalto se confirmou. Ninguém especula mais sobre sua ascensão a funções internacionais de peso - na ONU, no Banco Mundial - ou como interlocutor dos países da África. Sua projeção no concerto das nações dependia do cargo que ocupava. Uma vez fora da Presidência, Lula tratou de amealhar alguns milhões de reais como palestrante de grandes empresas e criar seu instituto, até que a doença o pegou de surpresa.

Ao liderar a bandeira da renovação, renova sua velha liderança

O período de tratamento deixou em suspenso seu novo papel. Antes do câncer, era o conselheiro, a eminência parda do governo. Até que Dilma tomou as rédeas da situação e não há mais dúvidas de que as principais decisões são tomadas por ela.

Recuperado, Lula demonstra que não se contentará com o futuro desenhado para congêneres de outros países, como os Estados Unidos, onde ex-presidentes se retiram e tornam-se figuras anódinas mas politicamente transcendentes.

Lula não quer transcender. Voltou à planície para a luta do dia a dia. Costura alianças, já leva pelo braço o candidato que impôs ao partido em São Paulo, Fernando Haddad, o elogia em programa popular na TV, e tenta salvar a imagem de seu governo e de seus companheiros denunciados no caso do mensalão.

O ex-presidente arrisca e põe em jogo a esperteza política. Primeiro, foi a malfadada aliança com o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD). Mais recentemente, houve o mal explicado encontro com Gilmar Mendes, no qual teria coagido o ministro do Supremo Tribunal Federal a adiar o julgamento do mensalão.

Não faz mal. Para Lula, o que importa é se manter como o líder da facção, com seus erros e acertos. É o comportamento forjado no sindicalismo.

A necessidade de um inimigo é vital para a existência. A demonização dos tucanos é retomada como o senhor que toca seu realejo na praça pública. No programa do apresentador Carlos Massa, o Ratinho, do SBT, Lula não se contentou em fazer propaganda eleitoral antecipada para Haddad. Disse que não deixará o país ser novamente governado por um presidente do PSDB e que concorrerá, em 2014, se necessário for.

Lula exacerba uma ameaça que não está no horizonte. A reeleição de Dilma é mais provável do que uma vitória tucana. O ex-presidente, porém, demonstra que, na falta de uma forte oposição nacional, precisa de um discurso para manter sua hegemonia entre correligionários e aliados.

Mesmo que para isso arranje brigas no interior do PT. Lula hoje não é oposição, nem governante. Voltou para tomar conta do partido. Barrou as pretensões da senadora Marta Suplicy de concorrer à Prefeitura de São Paulo e incentivou a derrubada da candidatura à reeleição do prefeito do Recife, João da Costa. A interferência da cúpula nacional em Pernambuco é a mais traumática desde a intervenção na eleição para governador no Rio de Janeiro, em 1998, que obrigou o partido a se coligar com Anthony Garotinho - então no PDT -, em detrimento da candidatura própria de Vladimir Palmeira.

Lula quer ter o poder de agenda do partido. Seu mote, ao defender Haddad, é o da mudança geracional. Mas ao liderar a bandeira da renovação, Lula renova sua velha liderança e evita o caminho do ocaso.

O ex-presidente não quer ser um conselheiro, um ancião, um "Elder", como os ex-presidentes Nelson Mandela (África do Sul), Jimmy Carter (Estados Unidos) ou o tucano Fernando Henrique Cardoso.

Lula não quer virar história. Há algo de natural nessa opção. Não é nossa tradição. Dos mandatários desde a redemocratização, apenas FHC tenta emular o espírito de estadista. José Sarney e Fernando Collor (no Senado) e Itamar Franco (no governo de Minas Gerais e no Senado), todos assumiram cargos eletivos depois da Presidência. Por que não Lula?

A recusa do ex-presidente em adotar o comportamento de magistrado pode ter duas explicações. Ou Lula é mesmo o animal político incansável - sem supostas preocupações institucionais ou de preservação da imagem - ou acredita que seu tempo ainda não acabou e que oito anos na Presidência não foram suficientes.

A hipótese de um terceiro mandato é alimentada pelo ex-presidente nas atitudes e nos discursos. Desde que saiu do Planalto, Lula jamais afastou a possibilidade de disputar a eleição de 2014. Primeiro dizia que ainda não havia "desencarnado" do cargo. Agora, como fez no programa do SBT, afirma que só concorrerá se Dilma Rousseff não quiser.

E será que Dilma quererá? Em contraste com o antecessor, a presidente parece antecipar a figura de estadista. Aproximou-se da oposição, logo depois da posse, mantém distanciamento da política partidária - a anunciada iniciativa de se encontrar frequentemente com os líderes da base aliada não prosperou - e procura imprimir à sua administração um tom tecnocrático.

Suas principais bandeiras dizem respeito ao ganho de eficiência do Estado e à cruzada pela redução dos juros. A preocupação com o inimigo externo, ou seja, o impacto do contexto internacional de crise, contribui para sua atuação até agora menos voltada para clientelas e mais identificada com a defesa de "interesses nacionais". Exceção feita ao Código Florestal, embora os vetos possam ser interpretados como precaução a possíveis protestos durante a Rio + 20. Definitivamente, o mantra que duvidava da capacidade de transferência de votos durante a eleição de 2010, faz todo sentido: Dilma não é Lula.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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