sexta-feira, 22 de junho de 2012

'Texto fraco, sem ossos e sem alma'

ENTREVISTA/Yolanda Kakabadse. Diretora internacional do WWF, equatoriana critica modelo de negociação da ONU e diz que conferência desperdiçou US$150 milhões num acordo ruim

Diretora internacional do WWF, a equatoriana Yolanda Kakabadse criticou duramente o resultado da conferência. Para ela, o documento acordado é "fraco, sem ossos e sem alma". Nesta entrevista a O GLOBO, ela reclama que as sugestões da sociedade civil ficaram de fora do texto e diz que o custo para montar uma reunião com tamanha estrutura para se obter tal resultado não compensa. "Esse dinheiro poderia estar sendo usado em ações de sustentabilidade", diz. "Fazer a conferência para nada é jogar fora o dinheiro da população", acrescenta.

Roberta Jansen

Desde 1992, quando foram criadas no Rio as convenções de biodiversidade, mudanças climáticas e desertificação, até hoje, o que aconteceu com os debates e compromissos sobre o meio ambiente na sua opinião? Houve um retrocesso, como tantos dizem?

YOLANDA KAKABADSE: Em 1992, havia a necessidade de se construir um marco para todas as nações, para todo o planeta. Um marco que definisse princípios, uma visão compartilhada sobre temas como mudanças climáticas, biodiversidade. Até então, não tínhamos nada ou muito pouco. Tínhamos o Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (Pnuma), mas não era o suficiente. Mas os desafios então já eram muito grandes e precisávamos ter um acordo comum para cuidar do planeta. E os resultados da Rio 92 geraram muita emoção, muito sentimento de solidariedade, de êxito, de termos conseguido algo complicado. Havia muita liderança, muita visão compartilhada.

E de lá para cá?

YOLANDA: Os 20 anos seguintes temos de dividir em dois. Até 2002 houve muita dinâmica por parte de todos os países, a adoção das convenções nas legislações nacionais em quase todo o mundo, fortalecimento ou até criação de ministérios de meio ambiente. Fortaleceu-se a liderança do manejo de recursos naturais, definiram-se muitos processos, inclusive com o setor privado. E havia muita participação social. Acho que a coisa mais linda de se ver como resultado da Rio 92 foi o reconhecimento de que os governos não poderiam fazer tudo sozinhos.

E o que mudou, então?

YOLANDA: Em 2002, na conferência de Johannesburgo, deu-se um fenômeno muito preocupante. Os governos não quiseram prestar contas do que não haviam feito, não quiseram olhar para trás, e começaram a diluir seus compromissos. De 2002 a 2012, vimos uma deterioração da governança.

Por que isso ocorreu?

YOLANDA: Acho que os governos, ou quase todos, começaram a ver que seus períodos de mandato são curtos e que investimentos em sustentabilidade são metas de médio e longo prazos que freiam sua ação imediata, que permite votos, popularidade, reeleição. Então houve um enfraquecimento dos compromissos em Johannesburgo. Eu fiquei muito decepcionada. Nas conferências de Copenhague, Durban e Bonn, o que vimos foi todos os governos com medo de assumir compromissos, sobretudo econômicos. E, nos últimos cinco anos, houve muitos governos que reduziram os espaços de participação da sociedade civil. Há menos participação agora do que havia em 1992 e em 2002. Os governos sentem que deixaram muitas responsabilidades nas mãos de terceiros e querem recuperar o poder do Estado. E essa sensação tenho agora, em 2012. Muitos governos fecharam espaços de participação e isso debilita não apenas a democracia, mas também a possibilidade de construir agendas fortes de desenvolvimento.

Houve avanços?

YOLANDA: Creio que houve coisas importantes. Houve muita evolução científica e tecnológica, muito mais investimento em pesquisa. Novos grupos e novas vozes participando de decisões em governos locais. Os principais atores desses 20 anos foram os governos locais que, em processos menores, conseguiram construir agendas mais fortes. Em nível global, houve muita força das convenções nos primeiros dez anos, e um enfraquecimento nos últimos dez.

Mas falou-se muito em aquecimento global, não?

YOLANDA: Sim e, talvez, a perda mais grave tenha sido o fato de o tema mudanças climáticas ter se apoderado da agenda do desenvolvimento e a convenção de biodiversidade ter ficado escondida debaixo da mesa. Poucos percebiam que as mudanças climáticas ocorrem porque a biodiversidade está degradada, porque os ecossistemas estão degradados. Agora está se resgatando a importância da biodiversidade. Espero que esse seja um resultado positivo desta conferência.

Como a senhora viu o documento final?

YOLANDA: Muito fraco. Não tem ossos, não tem alma. É uma declaração, mas em 1992 também tivemos uma declaração que já era suficiente. Acho que as Nações Unidas e nossos governos se equivocaram ao colocar na declaração o título "O futuro que queremos". Porque o que queremos não tem limite. Acho que deveria ser "o futuro que necessitamos".

E qual é o futuro que necessitamos?

YOLANDA: O futuro que necessitamos tem controles, regras claras que definam quais são os limites em função da capacidade da Natureza de prover. Neste momento, estamos consumindo um planeta e meio, estamos destruindo o capital natural. Seguindo assim, nos próximos 20 anos já estaremos comendo dois planetas e enfrentaremos falta de água, falta de alimentação.

Então a decisão de adiar para 2014 e 2015 decisões sobre meios de financiamento da transição para o desenvolvimento sustentável e as metas a serem adotadas pelos países pode agravar ainda mais a situação?

YOLANDA: Todo o documento diz apenas: "no futuro, pensaremos". Mas não há mais tempo de pensar no futuro. O futuro é agora.

Os diálogos com a sociedade civil foram organizados para gerarem sugestões ao documento. Mas o documento ficou pronto antes mesmo que os diálogos terminassem e as sugestões fossem encaminhadas. A sociedade civil ficou de fora?

YOLANDA: Pois é. Não esperaram os resultados para colocá-los no documento. Triste, não?

Como a senhora vê a contínua recusa de EUA e União Europeia no que diz respeito ao financiamento das ações de desenvolvimento sustentável em países mais pobres?

YOLANDA: Entendo o porquê. Há uma crise evidente e é uma pena que coincida com o evento. Mas é importante que os governos, além de reconhecerem a crise, definam como vão assegurar que essa crise não destrua a base, que é o capital natural.

Na reunião do G20, que terminou esta semana no México, os países acordaram a destinação de US$456 bilhões para ajudar a sanar a crise financeira na Zona do Euro, entre eles países do Brics, como Brasil e China. No entanto, aqui na Rio+20, todos se recusaram a criar um fundo ambiental de US$30 bilhões. Como a senhora vê isso?

YOLANDA: É uma vergonha. A conferência para mim é uma desilusão. Se somarmos todo o investimento feito para a preparação desta conferência, são cerca de US$150 milhões ao longo dos últimos dois anos. A relação custo-benefício não compensa.

A senhora acredita que esse modelo de negociação da ONU esteja ultrapassado? Que não se pode negociar esse tipo de assunto dessa forma, com todos os 193 países tendo de concordar com todos os pontos?

YOLANDA: Espero que essa seja uma decisão. Porque isso aqui é uma vergonha. Penso que esses US$100 milhões, US$150 milhões, poderiam estar agora em ações de desenvolvimento. E pense no que gastaram todos os nossos governos em delegações, planejamento, semanas inteiras de negociações improdutivas. É jogar fora o dinheiro da população. É um dinheiro que não pertence aos governos, pertence às pessoas.

FONTE: O GLOBO

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