quinta-feira, 12 de julho de 2012

Com quantas cabeças se faz um partido:: Cristian Klein

A intervenção feita pelo presidente nacional do PSD, o prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, no comando da legenda em Belo Horizonte provocou esta semana o primeiro racha público da recém-criada sigla e expôs a face do autoritarismo sempre citado mas pouco combatido nos partidos brasileiros.

Em apoio a dois amigos mineiros revoltados - o ex-ministro e agora ex-segundo vice-presidente nacional do PSD, Roberto Brant, e o deputado federal Marcos Montes - a senadora Kátia Abreu (TO), primeira vice-presidente do partido, abriu dissidência contra Kassab, que vem reinando de forma praticamente absoluta no PSD, sem contestação.

Kassab montou o partido à sua imagem e semelhança e amarrou o balaio de meia centena de deputados federais e suas bases de prefeitos e vereadores como manda a prática: dá-lhes comissões provisórias.

Kassab montou o PSD à sua imagem e semelhança

Como se sabe, as comissões provisórias são o modo mais frágil de organização partidária. Podem ser dissolvidas pela instância superior ao menor sinal de rebelião. O PSD em Belo Horizonte estava organizado assim. Com a resistência do secretário-geral na capital mineira, o secretário estadual de Gestão Metropolitana, Alexandre Silveira, em mudar de lado e apoiar o candidato do PT, o ex-ministro Patrus Ananias, Kassab não titubeou. Derrubou a direção e nomeou uma comissão interventora, com amplos poderes de atuação por 60 dias.

Silveira é ligado ao grupo do governador Antonio Anastasia e de seu padrinho político, o senador Aécio Neves, que apoiam a reeleição do prefeito Marcio Lacerda (PSB). O secretário protocolou no cartório eleitoral a ata da convenção do PSD que decidiu, no dia 23, pela coligação com Lacerda. A comissão interventora, dirigida pelo presidente estadual do partido, Paulo Simão, registrou o apoio ao petista Patrus Ananias. Como são dois documentos, cabe agora ao juiz eleitoral determinar o que valerá em BH, aumentando as feridas abertas.

"A Justiça eleitoral entende que dentro do período convencional [de 10 a 30 de junho, quando são realizadas as convenções partidárias para homologar as candidaturas] não cabe intervenção. Se não cabe neste período, muito menos no período de registro, quando as decisões já foram tomadas", afirma Alexandre Silveira, que se disse surpreso com a mudança de opinião de Paulo Simão.

Ele conta que na segunda-feira, 2, logo após o rompimento entre PT e PSB na capital mineira, o presidente estadual do PSD também estava no grupo de deputados que foram ao gabinete do prefeito "hipotecar" o apoio a Lacerda.

"Paulo Simão não disputa voto, não tem mandato. Quando ele foi apontado como o presidente do partido no Estado, nós deputados fizemos gentilmente uma concessão, que agora me questiono se foi correta", diz Silveira.

Presidente da Câmara Brasileira da Construção Civil (CBIC), Paulo Safady Simão não é político profissional, mas está entre os homens de confiança de Gilberto Kassab. Nos Estados, o prefeito de São Paulo concedeu a seus escolhidos o direito de formarem o partido por meio de uma organização mais sólida. É o que Roberto Brant caracterizou em entrevista ao Valor como "regime de baronato". Das 27 unidades da federação, 23 delas - à exceção de Amapá, Maranhão, Pará e Rio Grande do Sul - estão constituídas como diretórios.

Nos municípios, no entanto, os diretórios são uma raridade e correspondem a apenas 10% do total de quase 4.700 cidades onde o PSD está presente. É um índice que afasta em muito o partido das siglas maiores, como PT e PMDB - que chegam a ter mais de 72% de diretórios municipais - e o PSDB, que tem 55%, de acordo com levantamento já publicado pelo Valor.

As comissões provisórias são previstas pela legislação como modo de organização para os partidos começarem a se estruturar. Mas acabam por se tornar permanentes e dão um bom indicador da maior ou menor democracia interna. Legendas mais antigas, como PTB (81%), PR e PV (ambas com 98%), ainda se constituem essencialmente por comissões provisórias. Não à toa, são presididas por políticos tidos como "donos" destas siglas, como o ex-deputado cassado no escândalo do mensalão Roberto Jefferson (PTB), o deputado e réu no mesmo escândalo Valdemar Costa Neto (PR) e o deputado José Luiz Penna, do PV, de onde saiu a ex-senadora Marina Silva, por falta de espaço político, mesmo depois de obter quase 20 milhões de votos na eleição presidencial de 2010.

É o grupo ao qual se junta agora o PSD de Kassab, com 90% de comissões provisórias.

Há quem considere que este tipo de organização é uma necessidade das siglas menores, pois centraliza e favorece a coordenação estratégica na negociação com os maiores partidos.

Se for assim, é possível que o destino do PSD - que já nasceu como quarta maior legenda brasileira - seja dar liberdade a suas instâncias locais e voz a uma gama maior de líderes. Esse é o significado do grito dos mineiros e de Kátia Abreu. Partido grande não tem como ficar confinado ao arbítrio de um único operador. Ou corre o risco de atrofiar.

Brant e Kátia Abreu criticaram Kassab por não ter convocado a direção nacional uma única vez em mais de um ano. O PSDB reúne sua executiva nacional a cada dois meses, de acordo com seu presidente, o deputado Sérgio Guerra (PE); a cúpula do PMDB encontra-se mensalmente; e a do PT, que tem 20 dirigentes, chega a se reunir até semanalmente, em períodos eleitorais, com uma descentralização que procura agendar cerca da metade dos encontros em São Paulo e o restante em outras capitais. A frequência do diretório nacional, que tem 84 integrantes, é trimestral.

É fato que, em termos de centralização, o PT deu uma inflexão neste ano. Aprovou uma resolução que concedeu à executiva o direito de homologar as candidaturas em cidades com mais de 200 mil eleitores. Foi isso que permitiu tirar da disputa o prefeito do Recife, João da Costa. E deu no que deu. Questionado sobre a medida, o líder do partido na Câmara, Jilmar Tatto, afirmou que a executiva do PT sempre exerceu a função de um Leviatã, cuja soberania agora foi sacramentada. Mas um cacique com 20 ou 84 cabeças será sempre mais democrático que a de um único iluminado.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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