segunda-feira, 16 de julho de 2012

Razão e ressentimento:: Wilson Figueiredo

No último Congresso da Central Única dos Trabalhadores, cujas cinzas ainda estão quentes da retórica do presidente de saída, o centro de gravidade política se deslocou da razão para o ressentimento. E, como não podia deixar de acontecer, a quem ouve bem do ouvido esquerdo não escaparia a oportunidade de fazer a citação de Karl Marx mais repetida: a História não gosta de vestir um episódio com os sinais exteriores de outro já passado. Errar ou acertar, uma vez é suficiente.

Ao abrir o Congresso da CUT, o presidente Artur Henrique começou pelo irrealismo de falar como se a entidade sindical fosse realmente a única central sindical brasileira. Há um punhado de centrais sindicais suficientes para dar musculatura política e distanciar dos interesses de classe dos operários o vício conhecido por peleguismo histórico, mal de nascença desde o Estado Novo, que deu o que tinha a oferecer com a intenção de controlar a energia de nova classe, assim que o Brasil começou a se industrializar.

Sem a ressalva de que central única quem tem é a vovozinha, o presidente Artur Henrique, já de saída poucos dias depois, aproveitou para limpas as gavetas da alma e despejou o mantra cuja autoria não é dele, mas é como se fosse, com a bravata de que “não vamos permitir o retrocesso, a volta dos tucanos, do PSDB, ao governo e aos governos (estaduais, claro)”. A proposta é politicamente indecorosa e, na visão do sindicalismo com responsabilidade democrática, seja de idéias quanto de ações, não pode ficar sem reparo para não trazer de volta a velha, mas lépida frase de Marx, segundo a qual a História também não gosta de errar duas vezes. A segunda é sempre acachapante, e de custo político mais elevado. Uma farsa.

O que se viu, antes de 1964, como contribuição involuntária, mas principalmente depois de 1988, não é para ser esquecido nem vingado, mas suficiente para evitar coincidências de palavras de ordem que se confundem com desordem. E servem de pretexto para reações iguais ou maiores e contrárias. A exibição de musculatura sindical fora do seu raio de ação suscita iguais e contrárias demonstrações de força política que se resolvem de forma mais adequada com saldo de votos. E não deixam de ser a munição apropriada à legítima defesa.

O que se destaca ao observador atento é menos o conteúdo restrito ao sindicalismo petista e mais a desatenção para com ouvidos capazes de ouvir e entender mais do que vem sendo dito. É aí que está a questão, e não o receio de que o sindicalismo de falta de resultados esteja apenas faltando com a verdade, mas a corrosiva suspeita de que possa estar mais interessado em confrontos de forças, e não apenas de votos. A idéia de barrar um partido que exerceu e exerce o poder (ao qual tem chegado pelo voto dos cidadãos), e sem dizer de que maneira, mas quando nada a despeito das liberdades democráticas, é uma janela aberta para o perigo de que muitos já parecem estar distantes.

A idéia da social-democracia representa espaço a ser ocupado pela classe média, porque aqueles que estão a caminho são testemunhas e, a cada dia, estão aprendendo com as liberdades num país que se dá bem com elas, mas ainda sujeito a raios e trovões. É também a primeira vez que um partido político (o PSDB) se propôs a ocupar o espaço entre a tradição liberal socialmente inflexível e a esquerda descabelada, que não convence como socialismo e muito menos democrático, para atender à demanda política da classe média, cada vez mais próxima de representar a maior fatia da opinião pública. É a mais sensível à indignação com as formas de corrupção praticadas como se o enriquecimento pessoal com dinheiro público fosse legítimo.

O novo presidente da CUT mostrou as cartas: perfilha as idéias e posições políticas de que Artur Henrique foi portador e porta-voz. E reforçou a linha peleguista com a promessa de que a CUT vai tomar, publicamente, posição política na eleição municipal e agir, à margem da lei, como partido político em tempo de eleição. Quem não aprende com a História está realmente condenado a repeti-la.

Wilson Figueiredo é jornalista

FONTE: JORNAL DO BRASIL

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