sexta-feira, 17 de agosto de 2012

As voltas que Dilma dá - Monica Baumgarten de Bolle

Foram muitas as reviravoltas da presidente desde que assumiu o cargo máximo da República em 2011. Um governo que começou sob forte suspeita de que um intervencionismo desenfreado seria deslanchado, de que as mudanças nas políticas macroeconômicas seriam todas para o mal e de que os problemas estruturais da economia brasileira não seriam enfrentados, sobretudo porque à presidente eleita faltava o molejo político. Pelo visto, se reinventou. Quem diria. Quem te viu, ou viu mal, quem te vê, Dilma Rousseff...

Nem tudo tem sido bom, evidentemente. Medidas protecionistas, como as regras de conteúdo local e o aumento dos impostos sobre determinados produtos importados, além das intervenções agressivas nos mercados de câmbio, algumas desfeitas devido aos seus efeitos perversos sobre a alocação de recursos, abundaram. No início de 2011, quando a inflação subia e a economia dava claros sinais de sobreaquecimento, criou-se uma confusão desnecessária em torno da política monetária. Medidas macroprudenciais \\- ações para reprimir o crédito e o fluxo de recursos financeiros - foram usadas sem parcimônia ou timidez, gerando muitas especulações de que o regime de metas de inflação fora abandonado ou de que o Banco Central perdera, de vez, a sua autonomia. O regime de metas de inflação de fato mudou - está mais para um regime que segue, informalmente, uma meta de PIB nominal, que soma à inflação o crescimento, do que para o que tínhamos até meados de 2010.

Plano de concessões na infraestrutura prioriza a eficiência do setor privado e reconhece a ineficiência do governo

Por outro lado, há, hoje, um reconhecimento maior de que o Banco Central não perdeu, necessariamente, a autonomia. Apenas está mais alinhado com o pensamento da presidente, que é economista, e, que, portanto, tem lá as suas próprias ideias sobre como a política econômica deve ser conduzida.

Depois desses embaraços e da confusão gerada pela má comunicação do governo e do Banco Central, a instituição saiu-se bem. Com o aval da presidente, fez um movimento ousado de queda de juros, apostando numa virada perversa do ambiente internacional que favoreceria a inflação brasileira. Acertou. Ainda que tenha contribuído para o mau desempenho da economia em 2011 e no início deste ano, com o uso desenfreado de medidas quantitativas que, por sua própria força bruta natural, afetam mais rapidamente as quantidades - a atividade, o PIB - do que os preços. Constatados os danos da experiência, elas foram deixadas de lado e o instrumento tradicional da política monetária foi resgatado. Afinal, era hora de reduzi-lo.

Para que fosse possível baixar os juros, promovendo a convergência almejada pela presidente, veio uma mudança importante e muito bem arquitetada: a alteração nas regras da caderneta de poupança. Tão bem pensada foi essa mudança, antes vista como politicamente inviável, que passou praticamente despercebida, especialmente pela imprensa. Eliminou-se, assim, um resquício perverso dos tempos de inflação alta que travava alguns canais de transmissão importantes da política monetária.

Mas eis que, mesmo com a reviravolta nos juros, a atividade continuou a desacelerar, provocando surtos de ansiedade na equipe econômica. A guerra aos spreads bancários foi declarada e o arsenal dos bancos públicos foi engajado, pacotes e mais pacotes foram anunciados, a desconfiança quanto à intensidade do viés intervencionista do governo voltou. Diante do crescente desconforto, as medidas anticíclicas promovidas pelo governo para impulsionar o consumo e reanimar certos setores foram recebidas com um enorme mau humor. Um mau humor tão arraigado que conseguiu criar da própria retórica rarefeita um prognóstico ominoso para a economia brasileira. O consumo havia se esgotado. As famílias, afogadas em dívidas, não reagiriam aos incentivos do governo. Como sabemos, a profecia não tem se materializado exatamente da forma como imaginavam seus proponentes.

Contudo, esses mesmos proponentes tinham outro ponto, esse, sim, de extrema relevância. Era preciso que o governo mudasse o foco da política econômica. Era necessário impulsionar o investimento, sem o qual não seríamos capazes de sustentar taxas de crescimento mais elevadas sem gerar inflação. A produtividade e a competitividade passaram a ser o cerne das críticas, sobretudo daqueles que insistiam que a competitividade não era uma mera questão cambial. Tratava-se do mais abrangente custo Brasil - a falta de infraestrutura adequada, a carga tributária onerosa, a má qualificação da mão de obra.

O governo tardou, mas ouviu. A presidente, em nova reviravolta, anunciou um plano ambicioso de concessões nas áreas de transporte e logística. Um plano que, a despeito das declarações de que não se trata de privatização, prioriza a eficiência do setor privado e reconhece a ineficiência do setor público. Ainda é muito cedo para dizer algo sobre os efeitos na economia, a não ser o óbvio: o impacto de curto prazo é mínimo. Entretanto, na mais recente virada aprendemos algo de novo sobre o raciocínio da presidente. Ela é intervencionista, sim. Mas é também pragmática. E o pragmatismo impõe limites aos seus impulsos intervencionistas.

Economista, professora da PUC-Rio e diretora do IEPE/Casa das Garças.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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