segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Julgamento chega ao Planalto, apesar de esforços de Dilma

Raymundo Costa e Rosângela Bittar

BRASÍLIA - Muito embora a presidente Dilma Rousseff tenha tentado manter o julgamento do mensalão longe do governo, os supostos mensaleiros se encarregaram de levar o mensalão para dentro do Palácio do Planalto. A postura olímpica do governo irritou não só os réus da Ação Penal 470 como o próprio PT e, principalmente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que levou o ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral), a vir a público, semana passada, para dizer que o julgamento não afeta o PT, o governo e nem o projeto político do partido há quase dez anos na Presidência.

As queixas mais contundentes são atribuídas no PT ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, mas é certo que o silêncio do Palácio do Planalto incomodou os outros réus e a cúpula do PT. Os envolvidos no mensalão e na estratégia de defesa do PT fizeram chegar à presidente Dilma Rousseff que a atitude do seu governo, ao desvincular-se desse fato, correspondia a uma condenação do governo Lula.

O noticiário vazado do Palácio do Planalto dava conta que a eventual condenação de José Dirceu, e dos outros petistas denunciados, não causaria maior comoção na presidente. Pelo menos por duas vezes, desde abril, o site do PT na internet exibiu um vídeo gravado pelo presidente do partido, Rui Falcão, no qual o deputado nega a existência do suposto esquema de compra de votos - o mensalão.

"A despeito dos que clamam pelo linchamento moral, pela condenação política dos companheiros, nossa expectativa é outra", discursou Rui Falcão. "Esperamos que os ministros do STF, como é da tradição da corte suprema, firmem sua convicção e se pronunciem exclusivamente com base das provas dos autos."

Falcão já havia se manifestado sobre o assunto antes do julgamento, na ocasião de instalação da CPI do Cachoeira, que tinha o objetivo e seria usada pelo partido como instrumento de embate político com a oposição. A gravação posterior já era uma resposta às pressões dos réus e de muitos petistas por alguma solidariedade do governo, que afinal de contas é de continuidade do governo Lula. A própria presidente era ministra das Minas e Energia na época do mensalão, em 2005, e teve papel destacado nas articulações que evitaram a abertura de um processo de impeachment de Lula e que depois levaram Lula a se recuperar politicamente.

Era também um sinal de inquietação com o discurso do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, sobre a separação e independência dos Poderes. Ainda na terça-feira, quando Carvalho já falava em defesa do PT, um dia depois de um encontro de três horas entre Lula e Dilma, o ministro da Justiça mantinha o discurso, e houve quem, no partido, chamasse a atenção para a diferença entre os discursos do ministro da Justiça e do presidente do partido. "O governo em nenhum momento será atingido por nenhuma decisão que for tomada pelo Poder Judiciário", disse Cardozo. E acrescentou: "Nós vivemos em um estado de direito."

"Este tipo de ato do governo é normal. Existem atos cotidianos em que questões importantes levam a presidente da República e os ministros a comparecer para colocar em público políticas governamentais [sic]", desconversou o ministro. O julgamento pode durar mais de um mês na Suprema Corte, mas Cardozo não acredita que o governo venha a ser prejudicado com a lembrança do maior escândalo político da era Lula.

As notícias de que Dilma não se importaria com eventuais condenações e de que determinara o afastamento do governo do processo só contribuíram para criar um ambiente de intrigas no PT. A crítica mais ácida que saiu do grupo que responde ao processo do mensalão dizia que Dilma não estava defendendo o governo do ex-presidente Lula. O PT voltou a exibir o vídeo de Rui Falcão às vésperas do início do julgamento.

Foi nesse clima de tensão que Dilma autorizou Gilberto Carvalho a falar. O ministro foi escolhido a dedo: é o mais próximo de Lula no governo, faria a ligação entre o que pensa o ex e a atual presidente. Carvalho falou na linha de Falcão. Disse que o governo espera um julgamento a partir dos autos, com atitude "madura" e "justa" dos julgadores. À medida que o julgamento avança, cresce a tensão no PT. Dirceu, especialmente, está "nervosíssimo", segundo um interlocutor do ex-ministro com acesso a seu retiro em Vinhedo (SP).

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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