quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Cardozo nega ter se referido a mensalão ao criticar situação de presídios

Segundo ministro, declaração foi resposta a pergunta sobre pena de morte

Chico de Gois

BRASÍLIA - O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, negou, ontem, que tenha havido conotação política em sua declaração de que alguns presídios vivem em condições medievais. De Lima, no Peru, por vídeo, Cardozo disse que sua afirmação não é uma referência à condenação de petistas no julgamento do mensalão. Ele voltou a insistir que a resposta se deu por conta de uma pergunta sobre pena de morte, à qual é contrário:

- Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Essa afirmação, faço há muito tempo. E voltei a fazê-la ontem (anteontem) porque justamente falávamos de segurança pública. Às vezes, as pessoas esquecem que um dos responsáveis diretos pela violência que vivemos hoje no Brasil tem a ver com nossos presídios.

Na terça-feira, após participar de evento sobre segurança, em São Paulo, o ministro disse:

- Infelizmente, os presídios no Brasil ainda são medievais. E as condições dentro dos presídios ainda precisam ser muito melhoradas. Entre passar anos num presídio do Brasil e perder a vida, talvez eu preferisse perder a vida, porque não há nada mais degradante para um ser humano do que ser violado em seus direitos humanos.

Ontem, o ministro vinculou a violência nas grandes cidades às condições dos presídios.

- Algumas das organizações criminosas que atuam hoje têm comando e origem nas penitenciárias. São fato notório as péssimas condições de alguns presídios. Quando usei a expressão de que cumprir pena em alguns presídios é pena mais dura do que de morte, eu respondia à pergunta sobre pena de morte. Eu falava que não é o rigor da pena que efetivamente leva ao combate da criminalidade. É preferível um sistema penal eficaz à elevação pura e simples da pena.

O ministro lembrou que ano passado o governo federal lançou um programa para desafogar o sistema. Está previsto R$ 1,1 bilhão para a criação de 60 mil vagas até 2014 - 20 mil delas já em andamento. Mas, para Cardozo, embora não faltem recursos, há problemas administrativos para que o plano seja levado adiante. Pelos dados de 2011, a população carcerária é de 514.582, para 306.497 vagas (um déficit de 208.085 vagas).

A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, saiu em defesa de Cardozo. Disse que a afirmação dele é "contundente" e que o ministro foi sincero:

- Não queremos tapar o sol com a peneira. Queremos enfrentar a dura realidade das cadeias trabalhando de forma firme para mudar essa realidade.

Rosário cobrou ações dos governos dos estados para melhorar as prisões.

Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), desembargador Nelson Calandra, a fala de Cardozo foi inadequada:

- Acho que é uma declaração de desabafo. Ele é submetido a uma pressão em que qualquer um de nós já estaria morto no lugar dele, pelo volume de trabalho que ele tem. Não é adequado o ministro da Justiça desprestigiar o sistema carcerário.

O presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, Fernando Fragoso, lamentou que só quando há condenados com prestígio social ou político - referência ao mensalão - as condições carcerárias sejam debatidas.

- Todos estão cansados de saber que um animal em qualquer zoológico tem mais conforto do que qualquer pessoa presa no Brasil - disse Fragoso, ao ressaltar que um condenado na Alemanha que tenha passado um tempo da pena em cadeia brasileira recebe um crédito de três dias de prisão cumprida para cada dia preso no Brasil.

Pedro Abramovay, professor da FGV Direito Rio, afirmou que a fala de Cardozo reflete a gravidade da situação. Ele diz que é preciso ter mais investimentos e o "ministério tem que agir". E sugere uma reflexão sobre o sistema prisional, já que o total de presos dobrou desde 2006:

- Há pessoas encarceradas não por crimes violentos, mas por furtos. Usuários de drogas confundidos com traficantes.

Fonte: O Globo

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