sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Delação premiada de volta ao debate

Novo depoimento de Marcos Valério ao Ministério Público reabre a discussão sobre a possibilidade de concessão do benefício de diminuição da pena ao empresário

Diego Abreu, Ana Maria Campos

Se de um lado o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, e o próprio procurador-geral da República, Roberto Gurgel, despistam sobre uma possível delação premiada ao empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, do outro, fontes do Ministério Público afirmam que, em tese, o benefício pode ser obtido pelo réu inclusive na fase de execução da pena. Neste caso, em troca de alguma vantagem relativa ao cumprimento da sentença. A avaliação, porém, é de que não basta o réu acusar ou citar a participação de outras pessoas no esquema criminoso, mas é necessário que ele apresente novas provas ou indique caminhos para a elucidação de fatos ainda não conhecidos.

Embora a delação e o pedido de inclusão de Valério no serviço de proteção à testemunha seja cogitado pela defesa do réu, o ministro do Supremo Marco Aurélio Mello avalia que não há como ele escapar da prisão, uma vez que o empresário já foi condenado pela Corte a uma pena de 40 anos de cadeia (veja quadro ao lado). “Não vejo como ele não ser preso, porque a execução da pena leva à custódia. Aí no caso de inclusão dele (no serviço de proteção) surge um problema, porque ele terá que cumprir pena e ser protegido. A saída seria uma prisão onde ele ficasse isolado”, ponderou o ministro.

Reportagem publicada ontem pelo jornal O Estado de S. Paulo aponta que Marcos Valério prestou depoimento ao procurador-geral da República no fim de setembro, após ter marcado audiência espontaneamente. Na ocasião, o operador do esquema do mensalão teria mencionado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro Antonio Palocci e, ainda, o assassinato em 2002 do então prefeito de Santo André, Celso Daniel. Valério contou, conforme a matéria, que foi ameaçado de morte. Ele também teria revelado a existência de outras remessas de dinheiro para o exterior, além daquelas já conhecidas na Ação Penal 470.

Marcos Valério tem investido em sucessivas tentativas de obter o benefício da delação premiada. O Correio mostrou em 10 de agosto que a defesa do empresário formalizou um pedido ao Supremo para que considerasse a “colaboração” do empresário com as investigações. No fim de setembro, depois do depoimento que teria prestado, Valério enviou um fax ao Supremo, no qual alegou estar correndo risco de morte e pediu para ser incluído no serviço de proteção à testemunha. Ele teria se comprometido a fazer novas acusações caso esse pedido seja aceito. Quando preso na penitenciária de Tremembé, no interior de São Paulo, Valério foi espancado por detentos e chegou a ser torturado.

Colaboração

Para o promotor Sérgio Bruno Cabral Fernandes, coordenador do Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (NCOC) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, o instituto da delação premiada pode levar a benefícios como redução de um a dois terços da pena, perdão judicial, proteção do Estado, cumprimento de regime menos gravoso e até redução dos bens sequestrados pela Justiça, a depender do caso e do estágio do processo. Caso o Ministério Público considere que houve uma colaboração significativa, poderá, em tese, até ingressar com habeas corpus em favor do delator para livrá-lo da prisão.

Segundo o promotor que atua no processo de delação premiada de Durval Barbosa na Operação Caixa de Pandora, a colaboração precisa levar a um fato novo ainda não conhecido do Ministério Público e precisa ser importante. “Não se pode fazer acordo com o chefão para pegar apenas um soldado, um protagonista da organização criminosa para pegar pessoas de menor relevância. Se o Ministério Público aceitar conceder um benefício a um integrante da quadrilha, precisa pegar uma pessoa de maior importância”, afirmou em tese.

Roberto Gurgel não confirmou ter tomado um novo depoimento de Valério. Durante entrevista em Ipojuca (PE), onde participa do Encontro Nacional de Procuradores da República, afirmou, porém, que o prazo para delação no processo do mensalão já está encerrado. Ele alertou que eventuais depoimentos ocorridos após a fase de instrução do julgamento só poderiam acarretar em benefício ao réu em outros processos. No caso de Valério, ele responde a outras ações que são desdobramentos do mensalão na Justiça de primeira instância.

O pedido de delação apresentado por Valério está em segredo de Justiça por determinação do presidente do STF, Carlos Ayres Britto. “O presidente me disse que recebeu o fax e implementou o segredo de Justiça porque ele (Valério) se dizia receoso de haver um atentado contra ele”, contou ao Correio o ministro Marco Aurélio. Na última terça-feira, Britto afirmou que o pedido de delação não terá qualquer interferência no julgamento iniciado em 2 de agosto e ainda sem data para conclusão. A próxima sessão destinada ao mensalão será na próxima quarta, dia 7, quando os ministros continuarão a analisar a dosimetria das penas. Por enquanto, os magistrados concluíram apenas o cálculo da pena de Marcos Valério.

O empresário chegou a propor uma delação no começo das investigações do escândalo do mensalão, mas o Ministério Público não formalizou um acordo com ele, uma vez que ele não teria colaborado com a elucidação dos crimes. No que depender dos ministros da Suprema Corte, a possibilidade de delação a Valério é remota. Joaquim Barbosa frisou durante uma das sessões do julgamento que há inúmeras contradições nos depoimentos de Marcos Valério. “É interessante notar que Marcos Valério muda de versão conforme as circunstâncias”, afirmou Barbosa. Advogado de Marcos Valério, o criminalista Marcelo Leonardo limitou-se a dizer que não tem “nada a declarar” sobre o pedido de delação e o depoimento que seu cliente teria prestado. Ele confirmou que Valério foi agredido quando esteve preso em São Paulo.

Fonte: Correio Braziliense

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