domingo, 18 de novembro de 2012

'Impunidade sofreu tranco’, diz Ayres Britto sobre mensalão

0 ministro Ayres Britto, que presidiu o julgamento do mensalão, diz que o STF foi corajoso ao vedar atitudes antijurídicas. Em entrevista a Valdo Cruz e Felipe Seligman, ele afirma que o PT e o PSDB "perderam o que os gregos chamam de Deus dentro da gente, entusiasmo."

A vida começa aos 70

Entrevista: Ayres Brito

Ayres Britto se aposenta e colhe os louros do julgamento do mensalão

Valdo Cruz, Felipe Seligman

RESUMO "A impunidade no Brasil sofreu um duro revés, um tranco", diz Ayres Britto, que presidiu o STF durante o julgamento do mensalão. O ministro, que hoje completa 70 anos, aposentando-se compulsoriamente, comenta o processo e suas convicções filosóficas, como o vegetarianismo e a meditação diária.

"Em estado contemplativo", revela o ministro Carlos Ayres Britto em entrevista exclusiva à Folha, "eu observo coisas interessantíssimas". Uma delas, diz, "é que nenhum pássaro carnívoro canta. Nunca vi ninguém dizer isso. Os pássaros carnívoros, corujas, águias, falcões, ou crocitam, ou piam, ou grasnam, nenhum deles canta". E completa: "Todos os animais herbívoros, mesmo os mastodontes, elefantes, por exemplo, nenhum agride."

Quem ouvisse apenas essa conversa sobre passarinhos e animais herbívoros poderia imaginar que não se tratava do mesmo Ayres Britto que presidiu o Supremo Tribunal Federal nos últimos sete meses, do qual se afasta ao completar hoje 70 anos de idade, limite para a aposentadoria compulsória.

Foi, porém, da condição de herbívoro -ou melhor, de vegetariano- que tirou forças para contemplar e conduzir uma "coisa interessantíssima" a que assistiu de camarote, na mais alta cadeira da mais alta corte do país: o maior julgamento da história do Supremo, o do mensalão, um dos maiores escândalos da era republicana.

Os últimos três meses, marcados por tensões e explosões no plenário, foram o auge da carreira do pacato Britto, a quem coube apaziguar os ânimos das aves carnívoras -advogados, réus, testemunhas, ministros- que crocitavam, piavam, grasnavam ao seu redor.

Autor de seis livros de poesia, ele diz conciliar "atenção e descontração" em suas meditações diárias, que infundem uma boa dose de espiritualismo na rigidez habitual da ciência jurídica. É mais fácil vê-lo citar místicos indianos como Krishnamurti e Osho do que juristas canônicos.

Para explicar os conflitos no tribunal, recorre a frases como "sem o eclipse do ego, ninguém se ilumina". Em sua visão de mundo (ou "mundivisão", como prefere), é preciso "expulsar de si o ego" para que o espaço dentro de você seja "preenchido pelo universo, pelo Cosmos, pela existência, que outros preferem dizer por Deus".

Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto recebeu a Folha na última segunda-feira (12), em seu gabinete. Já com ar de saudosismo, foi até a janela, que dá para a praça dos Três Poderes, e elogiou a "linda vista", da qual desfrutou nos sete meses em que presidiu o tribunal, ao qual chegou há nove anos, por indicação do ex-presidente Lula.

Durante a entrevista, tomou água e café. Só interrompeu a conversa para atender uma ligação do relator Joaquim Barbosa, que o informou da inversão da pauta do dia: em vez do núcleo financeiro, como estava previsto, Barbosa decidiu começar a semana fixando as penas do núcleo político do mensalão. A surpresa voltou a acirrar os já inflamados ânimos entre o relator e o revisor do processo, Ricardo Lewandowski.

Horas depois, Ayres Britto acompanharia o voto de Joaquim Barbosa e ajudava a fixar a pena do ex-ministro José Dirceu (Casa Civil) em dez anos e dez meses, o que deve custar ao petista pelo menos um ano e nove meses na prisão.

Foi sua penúltima sessão no comando do julgamento do mensalão, que não tem data para terminar, mas já condenou 25 réus, entre deputados e ex-deputados, empresários e ex-ministros, por crimes como corrupção, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Ele faz uma avaliação realista e entusiasmada do resultado.

"Eu não posso dizer que a impunidade está com os dias contados, eu estaria dourando a pílula, sendo ufanista. Agora, diria que a impunidade sofreu um duro revés, um tranco", afirmou. Em sua opinião, o Supremo está "quebrando paradigmas ultrapassados", exercendo a "sabedoria da coragem, do desassombro, para vedar comportamentos antijurídicos".

Nascido em 1942, na pequena Propriá (SE), filho de um juiz e de uma professora de francês, Britto sonhava em ser jogador de futebol profissional. Acabou na profissão do pai e virou poeta nas horas vagas, tendo publicado livros como "Ópera do Silêncio" e "Varal de Borboletras" (sim, "borboletras").

Casado, pai de cinco filhos, ele diz não querer seguir a carreira política: seria um retrocesso para quem já militou no PT por 18 anos e chegou a tentar uma vaga na Câmara dos Deputados. Foi com o amargo "gosto de jiló, de mandioca roxa ou de berinjela crua", como disse recentemente, que ele puniu inclusive antigos colegas de partido, como José Dirceu e José Genoino. E recorre novamente à sua formação eclética para resumir sua visão tanto sobre o PT como o PSDB: "Eles perderam o que os gregos chamam de Deus dentro da gente, entusiasmo".

Na segunda parte da conversa de quase duas horas (veja em folha.com/ilustrissima), Britto comentou questões jurídicas como o aborto e descriminalização das drogas (para a qual afirma ter uma "tendência, não ponto de vista formado"). Também falou da rotina de meditações e pequenos prazeres, como tocar MPB ao violão -e cantar, presume-se.

Pois foi ele quem disse: é "como se a natureza dissesse "só tem direito de cantar se for herbívoro"".

"No olhar de um herbívoro, não tem chispa, não tem estresse. Todos os carnívoros são estressados no olhar."

Folha - Quando foi sua iniciação no campo da meditação?

Carlos Ayres Britto - De uns 20 anos para cá, tanto a meditação quanto o cardápio vegetariano. Eu tinha em torno de 50 anos, um pouco antes, até.

Como o sr. se converteu?

Eu recebi influências positivas, de, por exemplo, [Jiddu] Krishnamurti [1895-1986, guru indiano], Osho [Rajneesh, 1931-90, místico indiano], Eva Pierrakos [1915-79, médium austríaca], Eckhart Tolle [pseudônimo de Urich Leonard Tolle, escritor espiritualista nascido em 1948], autor do livro "O Poder do Agora", e a pessoa que mais me influenciou, Heráclito [de Éfeso, c. 540-c. 480 a.C., pré-socrático que elegeu o fogo e a permanente transformação como princípio da ordem universal]. Depois, de uns 12 anos para cá, comecei a me interessar por física quântica, e ela me pareceu uma confirmação de tudo o que os espiritualistas afirmam. A física quântica, sobretudo os escritos de Dannah Zohar [especializada em aconselhamento espiritual e profissional]. Venho lendo os livros dessa mulher, uma americana que escreveu uma trilogia maravilhosa: "O Ser Quântico", "A Sociedade Quântica" e "QS - Inteligência Espiritual". Também passei a me interessar muito por neurociência.

O sr. tinha religião?

Católica, só que, de 20 anos para cá, me tornei um espiritualista.

Houve um momento de transformação?

Foi meio gradativo. Fui abolindo carne, depois abolindo frango, depois aboli peixe.

Há países que reconhecem em suas leis os direitos dos animais de forma mais abrangente. Podemos chegar a isso?

É possível que haja uma consciência maior. Pelo menos nas técnicas de abate, mais humanizadas, isso já se observa hoje em dia. Por exemplo, vocês sabem que os frangos são criados sobre um tratamento hormonal intenso e sem possibilidade de dormir? Uma luz acesa em cima dele para ele ficar acordado, o frango de granja? Isso é de uma violência...

O sr. condena a forma como o gado é abatido?

Condeno. Tudo. Vou dizer uma coisa, é uma observação minha, não falei em lugar nenhum. Sou contemplativo. Não confundir atenção com contemplação. Atenção é um foco, uma centralização do sentido tão intensa, que o mais das vezes resvala para a tensão. A tensão está muito próxima da atenção. Eu sou um contemplativo, porque na contemplação você concilia atenção e descontração. Isso é fato. Quando você é contemplativo, você contempla essa água, o copo antes de beber. O toque da sua mão no cristal. Eu estou acordado, como quem está atento. Mas estou descontraído, como quem está dormindo.
Então, contemplação é isso, é a conciliação entre a atenção e a distração. É impressionante. É um descarrego, um êxtase. Como vivo em estado contemplativo, eu observo coisas interessantíssimas. Uma dessas coisas é que nenhum pássaro carnívoro canta. Nunca vi ninguém dizer isso.
Os pássaros carnívoros, corujas, águias, falcões, ou crocitam ou piam, ou grasnam, nenhum canta, como se a natureza dissesse: só tem direito de cantar se for herbívoro. E todos os animais herbívoros, mesmo os mastodontes, elefantes, por exemplo, nenhum agride. Eles não são ativos nem pró-ativos na agressão, são reativos. No olhar de um herbívoro não tem chispa, não tem estresse. Todos os carnívoros são estressados no olhar, todos.

Assim se dá com o ser humano?

Assim se dá com o ser humano.

Por que houve tamanha tensão entre o relator Joaquim Barbosa e o revisor Ricardo Lewandowski?

[Se responder] eu vou dar uma de psicólogo, prefiro ficar na objetividade. Eu quero deixar claro: fui presidente, mantive a taxa de cordialidade.

O ego prevaleceu no julgamento?

Não subscrevo suas palavras, de que foi o ego que deu as cartas.

Não digo que pautou, mas que se manifestou em vários momentos.

Os ministros do Supremo são seres humanos, suscetíveis a influências, a percalços existenciais. Ora sabemos administrar esses percalços com o consciente emocional no ponto, ora ele baixa um pouco de patamar. Mas não houve impasse, não houve pane. Tudo foi administrável. E não precisei, em nenhum momento, suspender a sessão para ver os ânimos refluírem. Quanto à questão de ego, ele prejudica a atuação não só de ministros do Supremo, mas de todo ser humano. Quando Sartre disse que o inferno é o outro, ele quis dizer que o outro, com sua diversidade, a sua mundividência, seu peculiar modo de conceber e praticar a vida, afeta o nosso ego. Então, podemos traduzir as palavras dele como "o inferno é outro" ou como "o inferno é o ego". Tenho dito para mim mesmo que, sem o eclipse do ego, ninguém se ilumina.

Como o sr. definiria a atuação do Ministério Público e a do relator Joaquim Barbosa no julgamento?

Acho que a história vai registrar que [Roberto] Gurgel e Joaquim Barbosa foram médicos-legistas na autópsia dos fatos delituosos. Eles tiveram merecimento extraordinário para reconstituir com fidedignidade os fatos em sua materialidade. E o "link" entre esses fatos e respectivos autores e partícipes.
Eu só vejo por esse prisma técnico. Joaquim Barbosa, transido de dor [nas costas], um homem "baleado", em linguagem coloquial, a tantos meses, conseguiu levar a termo um processo com quase 600 mil páginas, 600 testemunhas, 40 réus no ponto de partida, sete crimes teoricamente graves e imbricados no mais das vezes.

O sr. chegou a pensar em suspender as sessões?

Pensei, houve um momento em que pensei.

Chegamos a ter ofensas pessoais.

Mas no limite palatável.

Mas nunca houve um julgamento com clima tão tenso, às vezes com atritos tão fortes.
É que esse julgamento é peculiaríssimo. Quando dizem que o Supremo está tomando decisões novas, eu digo que os fatos é que são novos, o imbricamento é que novo, o gigantismo da causa é que é novo, é inédito. O Supremo Tribunal Federal está produzindo decisões afeiçoadas ao ineditismo da causa.

Advogados reclamam da introdução de novos conceitos como a teoria do domínio do fato [segundo a qual autor de um crime não é só quem o executa, mas também quem detém o poder de decidir e planejar a sua realização].

Assim como o dançarino, que se disponibiliza de corpo e alma para a dança -chega o momento em que se funde com ela, e você já não sabe quem é o dançarino e quem é a dança, é uma coisa só-, o intérprete do dispositivo jurídico pode, também, numa relação de profunda identidade e empatia, se fundir com esse dispositivo. Aí você compõe uma unidade. Você é um com o dispositivo, e o dispositivo é um com você.

E isso não é invencionice, decola de um juízo de Einstein, que em 1905, físico quântico que era, cunhou uma expressão célebre: "efeito do observador". Ele percebeu que o observador desencadeava reações no objeto observado.

Ele disse que o sujeito cognoscente, em alguma medida, faz o objeto cognoscível, a depender do grau da intensidade interacional entre eles. Claro que quando você joga teoria quântica para a teoria jurídica, se expõe a uma crítica mordaz. O sujeito diz: "Mas isso não é ciência jurídica".

O julgamento também é inédito pelo desfecho, com políticos condenados à prisão em regime fechado?

Sabe por que está sendo inédito? Porque vocês esquecem, a sociedade esquece, [mas] nós, ministros, não esquecemos. Isso vem num crescendo, só que agora é no campo penal. No campo científico, liberamos o uso das células tronco embrionárias. No dos costumes, decidimos em prol da homoafetividade, da interrupção da gravidez de feto anencéfalo, no ético cortamos na própria carne proibindo o nepotismo no Judiciário. No campo político, afirmamos a Lei da Ficha Limpa. Isso é um crescendo, o Supremo vem tomando decisões que infletem sobre a cultura do povo brasileiro. E agora chegou o campo penal.

O Brasil muda?

Não se pode dizer que muda, sinaliza mudanças. Há um vislumbre de mudanças. Ninguém pode garantir nada. Agora, há uma sinalização. Mas a decisão não tem nada a ver com reverência à opinião pública, com submissão à opinião pública, com uma postura de cortejamento à opinião pública.

Os políticos terão mais cuidado, com o risco de irem para a prisão?

Se respondesse sim, estaria fazendo um corte abrupto, radical, de que essa decisão é, sim, um divisor de águas. Não quero ser categórico. Eu digo que essa decisão do Supremo vem num crescendo, que agora alcança o plano criminal. Sinaliza uma nova época, de mais qualidade na vida política. Eu não posso dizer que a impunidade está com os dias contados, eu estaria dourando a pílula, sendo ufanista, não posso dizer isso. Agora, eu diria que a impunidade sofreu um duro revés, um tranco, por efeito dessa decisão.

Este é o julgamento de um partido?

Na minha opinião, não tem nada a ver com julgamento de um partido. Não é o julgamento do PT, são réus, que alguns ocuparam cargos de direção no PT.

O sr. foi um dos fundadores do PT?

Sabe que não fui? Fazia conferências em aulas e congressos, em seminários, e advogava para coletividades. Só entrei mesmo no PT acho que em 1988, não fui fundador. Passei lá quase 18 anos.

O sr. costuma dizer que é página virada, mas, olhando no que o PT se transformou ao chegar ao poder, isso de certa forma o entristece?

É interessante. A resposta não seria "me entristece". Vou dizer por quê. Eu vejo a vida por um prisma muito do dinamismo, heracliticamente, meu filósofo preferido. Veja o que aconteceu: qual dos dois partidos que encarnaram a resistência ao regime de exceção [1964-85]? São, hoje, o PSDB e o PT. Esses dois, que encarnaram a resistência, foram premiados, chegaram ao poder. O primeiro, por intermédio de Fernando Henrique. O que aconteceu com esse partido, que teve origem no MDB, no PMDB? Foi perdendo um pouquinho do elã, do entusiasmo na sua militância de esquerda. Aí, a sociedade disse: está na hora do outro. Qual foi o outro que encarnou a resistência? O PT. Então, vejo por um prisma do exaurimento de fases. A fase ideológica do PSDB se exauriu, a do PT também se exauriu. Não de todo, não podemos ser injustos, porque o PT continua com quadros muito bons. Um desses quadros chegou a escrever um artigo a favor do Supremo, o Tarso Genro [governador do RS]. Vejo isso como parte de um processo histórico previsível.

Os dois partidos se contaminaram?

Não vejo por esse prisma negativista. Eles perderam o que os gregos chamam de "Deus dentro da gente", entusiasmo. Aquele ímpeto depurador das instituições, aquela ânsia de voltar à democracia. Com o retorno à democracia, você chega à conclusão: foi mais fácil alcançar o objetivo do que preservá-lo. Às vezes você conquista uma mulher dos seus sonhos e não sabe manter o amor dela. Isso é um processo histórico.

Alguns ministros me disseram, reservadamente, terem recebido reclamações, cobranças, de que, indicados pelo ex-presidente Lula, acabaram traindo-o. O sr. acha que traiu Lula, que o indicou?

Em nenhum momento me senti assim. Ninguém nunca me cobrou, menos ainda o presidente Lula, ele nunca se acercou de mim, se aproximou de mim para cobrar, fazer queixa. Até porque, vamos convir, cargo de ministro não é cargo de confiança. Não é. Você não pode ser grato a quem nomeia com a toga. O modo de você, pelo contrário, de honrar a indicação é sendo independente, é transformar os pré-requisitos de investidura no cargo em requisitos de desempenho no cargo. Fui nomeado a partir de dois pré-requisitos, reputação ilibada e notável saber jurídico. Eu transformei isso, como me cabia, em requisitos de desempenho. Então, eu honrei minha nomeação.

Dos dez ministros no julgamento, sete foram nomeados por Lula ou por Dilma. Essa independência conta a favor deles? Os presidentes petistas erraram nas nomeações?

Isso honra os nomeantes. A nossa postura técnica, independente, isenta, desassombrada, é uma postura que honra os nomeantes. Não só os nomeados.

Apesar de membros do PT afirmarem que o julgamento foi político?

Sim, a despeito disso. Isso faz parte da liberdade de expressão. Esse tipo de queixa eu recebo como pura liberdade de expressão, aceito sem maiores queixas.

Como foram os três meses de julgamento? Sua rotina mudou?

Não mudou em nada. Continuei meditando todos os dias, tocando violão quase todos os dias. Eu apenas diminuí muito, o que foi ruim para mim, minhas saídas de casa para me deleitar com espetáculos públicos, teatro, música.

O vegetarianismo é um passo para a iluminação?

Não chegaria a isso, não. Agora, tudo tem uma lógica elementar. É claro que não vou explicar tudo pela lógica, porque o mundo do mistério existe e o mistério está fora da lógica convencional. Quando você olha para você e diz: "Não há ninguém dentro de mim, o meu corpo não está abrigando ninguém", quando você diz "eu sou um vazio", você enxota o ego. Mas não há vácuo na natureza. O que acontece? O vácuo vai ser preenchido pelo universo, pelo Cosmos, pela existência, outros preferem dizer por Deus. Expulse de si o ego que o espaço deixado por ele vai ser instantaneamente ocupado pela existência. Aí você dialoga com a existência, isso é elementar. Aí você tem um vislumbre do eterno, do definitivo, mais clarividente, você abre os poros da lógica, do seu cartesianismo, você vê o direito por um prisma novo. Agora, você paga um preço por isso. Qual é? Quando vê as coisas por um prisma totalmente novo, a sociedade não tem parâmetro para avaliar seu prisma diante do inédito para ela. Você é um antecipado, viu antes dela. O que ela faz, lhe desanca, lhe derruba, se não ela vai se sentir menor, inferiorizada, aturdida. O que ela faz, ela lhe desanca, você está errado, ou então você não é um cientista, você é um mistificador. A sociedade não tem parâmetro para analisar os antecipados no tempo. Veja a lógica das coisas, o tempo só pode se guiar por quem anda adiante dele. São os espiritualistas, os artistas, porque eles não têm preconceitos, pré-interpretações, pré-compreensões.

Como definiria os sete meses no comando do Supremo?

Uma honra muito grande, pela oportunidade de, a partir do Supremo, servir à sociedade brasileira. Só faz sentido exaltar a figura da presidência nessa perspectiva, do serviço da coletividade. Fora disso, não é viagem de alma, é viagem de ego.

E como resumiria os nove anos que passou no Supremo?

Diria o seguinte: Em tudo o que faço, já não faço questão de ser reconhecido. O que faço questão é de me reconhecer. Fui eu mesmo nessas questões. Não perdi minha essência, minha mundividência. Eu gravitei em torno dos valores que dão sentido, dão grandeza, dão propósito à existência individual e coletiva. Eu não perdi a viagem. A frase é essa.

Fonte: Ilustríssima  / Folha de S. Paulo

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