quinta-feira, 1 de novembro de 2012

'Operador' blinda familiares e se isola

Marcos Valério inventa separação para evitar assédio a mulher e filhos em Belo Horizonte

Adriana Carranca

Marcos Valério Fernandes de Souza vive com medo, teme se tornar "arquivo morto", dizem as poucas pessoas ainda próximas do empresário condenado a 40 anos de prisão no julgamento do mensalão. Desde que entrou no Supremo Tribunal Federal com um pedido de delação premiada - quando o réu oferece mais informações sobre crimes em troca de benefícios -, o "homem-bomba" que promete levar à Justiça novas revelações sobre o escândalo capazes de atingir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva raramente deixa o flat para onde se mudou sozinho há pouco mais de um mês. Quando o faz, usa um carro blindado. Também passou a ser acompanhado por um segurança, assim como a sua mulher, Renilda Santiago.

A informação de que teria se separado dela por desentendimento entre o casal foi um blefe. Valério deixou a casa para preservar a família, afastando-se da mulher e dos dois filhos, confirmam os poucos amigos com quem ele ainda mantém contato. Segundo um deles, o empresário procurou um psiquiatra e vive à base de antidepressivos.

Embora com menos frequência, ele ainda vai ao escritório, em um prédio comercial no centro de Belo Horizonte. Para seu Toyota Hilux SW4 modelo 2012 na garagem e de lá não sai. Luciano, um funcionário faz-tudo, vai buscar o almoço do chefe nas proximidades. A última vez que Valério foi visto em público nas redondezas foi há cerca de um mês, num tradicional restaurante de comida mineira que costumava frequentar, o Dona Lucinha. Estava com o filho. Ao sair do local, ouviu de um homem do outro lado da calçada: "Ladrão, filho da p...". Cabisbaixo, apressou o passo com o menino e não mais voltou.

Desde o início de outubro, ele deixou de levar o caçula de 11 anos à escola como fazia. Em parte, por segurança. Em parte, por ser alvo de olhares condenatórios e xingamentos. Com o início do julgamento do mensalão que levou seu nome novamente às manchetes dos jornais, o menino passou a sofrer bullying de colegas. Chorava todos os dias, não queria mais ir à aula. Os professores convocaram uma reunião de emergência com pais e alunos para contornar o problema.

Não satisfeito, Valério teria tentado transferir o filho da escola onde cursa a 4.ª série por R$ 779,87 mensais, no bairro Cidade Jardim, na região centro-sul, para outra também particular mais perto de casa, na Pampulha, zona norte da cidade. O menino foi rejeitado pela direção por ser filho de quem é. O mesmo se repetiu em outras escolas.

Valério decidiu então afastar-se. "Sua maior tristeza foi ter perdido a festa de Dia das Crianças na escola", diz uma pessoa próxima do empresário, com quem trabalhou por dois anos e continua mantendo amizade.

Estudante de psicologia, a filha mais velha de Valério estaria enfrentando algo parecido. Um dia desses, deixou a aula de Ética I quando o professor anunciou que o tema seria o próprio pai.

Renilda vive com os filhos em duas casas coladas uma à outra no bairro da Pampulha, em Belo Horizonte. Uma casa de mesmo padrão vizinha à propriedade, localizada no bairro de Bandeirantes, área de mansões próxima à Lagoa da Pampulha, está à venda por R$ 2,8 milhões, o mesmo valor da multa que o publicitário terá de pagar à Justiça para ressarcir os cofres públicos.

As casas têm muro altíssimo, cerca elétrica, câmeras e uma torre com guarita e janelas com vidro à prova de balas. Embora seja possível ver movimento, ninguém atende ao interfone. Renilda sai pouco. Essa semana fez apenas o trajeto de casa à escola do caçula, no volante de um Kia Cerato prata 2013. O segurança que a acompanha chega antes à casa, certifica-se de que não há ninguém nas proximidades e abre o portão para Renilda, que entra rapidamente. Ela e o menino só deixam o carro quando o portão se fecha.

A família passa fins de semana em uma fazenda arrendada por Valério no município de Caetanópolis. Mesmo com os bens bloqueados, vivem uma vida luxuosa. Além do citado, o empresário possui ainda um Mitsubishi Pajero e um Mitsubishi Outlander, ambos 2011.

Todos os dias, Luciano passa na casa onde vivem Renilda e os filhos para pegar a correspondência e outras coisas pedidas pelo empresário. Na terça-feira deixou um saco de roupa suja com a empregada e saiu de lá levando pelo menos uma dezena de camisas engomadas para Valério.

Seu advogado, Marcelo Leonardo, um dos mais renomados e caros criminalistas do País, não explica como o cliente mantém o padrão de vida apesar de ter os bens bloqueados ou para quem trabalha no escritório que mantém com Rogério Tolentino, também réu no mensalão. Procurado, Tolentino respondeu, nervoso, que não falaria. Leonardo diz que espera reduzir a pena de Valério calculada em 40 anos na dosimetria "à metade, pelo menos" e afirma ter entregue o passaporte do cliente à Justiça em 2005. Sobre a delação premiada, afirma repetidamente não ter "nada a declarar".

O superintendente da Polícia Federal em Belo Horizonte, Sergio Barbosa Menezes, disse que ainda não recebeu ordem da Justiça para eventual proteção de Marcos Valério.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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