quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Ruído anunciado - Tereza Cruvinel

O Congresso é assim: reage como os ruminantes. E a reação, que trará uma fricção entre os dois poderes, ainda que não uma crise, será pautada pela questão da cassação dos mandatos dos deputados condenados pelo Supremo

Um quase silêncio nas tribunas do Congresso nos últimos dois dias, sobre as condenações, pelo STF, de José Dirceu e José Genoino, que já foram membros ilustres da Câmara, indicaram o quanto anda intimidado o parlamento diante da ofensiva do Judiciário e do Ministério Público sobre a arena política. Ilustrativo é o que disse um deputado da elite parlamentar sobre a resignação da Casa: “Quem reagir pode levar uma mandiocada do Gurgel ou do Supremo”. Ainda ontem pairava a perplexidade, embora o desfecho fosse óbvio, há algumas semanas. O Congresso é assim: reage como os ruminantes. E a reação, que trará uma fricção entre os dois poderes, ainda que não uma crise, será pautada pela questão da cassação dos mandatos dos deputados condenados, que quase encontrou abruptamento em pauta na sessão de ontem do Supremo.

O tempo consumido pelos discursos de homenagem ao ministro Carlos Ayres Britto, que amanhã deixará, por força da idade, o STF e sua presidência, acabou inviabilizando a outra homenagem que lhe queria prestar o relator da ação penal, ministro Joaquim Barbosa. Já perto das 18h, Barbosa avisou que proporia a apreciação de um tema “da maior importância”, a questão do mandatos, para que Britto pudesse votar. Barbosa, na segunda-feira, já havia antecipado repentinamente o tópico da fixação das penas do chamado núcleo político, o que resultou em nova contenda com o revisor, Ricardo Lewandowski. O objetivo era garantir a participação de Britto, que, ao longo do julgamento, foi-lhe extremamente concessivo, até abdicando de prerrogativas da presidência em favor da relatoria. Havia deferência, mas também cálculo na inversão de pauta proposta pelo relator. Sem Britto, um fiel seguidor de seu voto, o placar poderia propiciar recursos dos condenados, o que acabou de todo modo acontecendo. À proposta de ontem, objeções variadas foram apresentadas por diversos ministros, não apenas pelo revisor. Barbosa ainda tentou meia-solução: ele emitiria seu voto, não gastaria três minutos, e Britto, o dele. O debate continuaria na próxima semana, mas como o próprio Britto acolheu os argumentos contrários, de que o tema exigiria mais debate, Barbosa capitulou, contrariado: “Eu pensei que Vossa Excelência gostaria de votar, mas se não faz questão…”.

Então, o tema será apreciado em breve. Talvez não na quarta-feira, pois ainda devem fixar as penas de políticos de outros partidos e, na quinta-feira, haverá a grande festa da posse de Barbosa na presidência. O presidente da Câmara, Marco Maia, há algum tempo vem dizendo que fará valer o artigo 55 da Constituição, que é claro: mesmo em caso de perda de mandato por condenação transitada em julgado (vale dizer, depois do exame dos recursos de defesa), a cassação é uma prerrogativa da Câmara, pela maioria de seus membros. Em outras palavras, como disse um dos ministros ontem, terão que decidir entre a supremacia do Código Penal e a da Constituição. Ao STF cabe garantir a observância da Constituição, mas, em tempo de tanta inovação, poderá surpreender também nisso.

Na Câmara, o assunto passará pela Comissão de Constituição e Justiça, a CCJ, que tem como presidente o deputado e ex-presidente do PT Ricardo Berzoini (SP) e como primeiro vice-presidente o também petista Alessandro Molon (RJ). O terceiro e o quarto vices são do PMDB. A base governista tem maioria na comissão, que um dia, em 1968, enfrentou a ditadura e negou a licença pedida pelo governo para processar o deputado Marcio Moreira Alves. O deputado Djalma Marinho renunciou à presidência do colegiado com um discurso para a História: “Ao rei tudo, menos a honra”. Sobreveio o AI-5 e a noite da ditadura caiu sobre nós. A Câmara retraída de hoje não chegará a tanto, mas haverá ruído.

Contenda cearense. A colônia mineira é a maior entre os moradores de Brasília, mas a colônia cearense é a mais organizada politicamente. Neste momento, um caso reúne muita gente influente do Ceará. Desde maio, o Congresso está às voltas com a indicação do cearense Luiz Moreira para um segundo mandato no Conselho Nacional do Ministério Público. Outro cearense muito poderoso, o procurador-geral, Roberto Gurgel, não engole essa recondução. O conselheiro o incomodou no primeiro mandato. O nome de Moreira foi aprovado em sabatina da Comissão de Constituição e Justiça, presidida por outro nome importante do Ceará, o senador Eunício Oliveira (PMDB). O senador Pedro Taques (PDT) e outros aprovaram requerimento em plenário para que sejam ouvidos procuradores que apresentaram denúncias contra Moreira. Na CCJ, Eunício despachou o requerimento para o relator da matéria, que, mais uma vez, é do Ceará: o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB). Ontem, tentei lhe perguntar sobre quando ouvirá os tais procuradores. Mandou dizer-me, pelo assessor, que não fixou data. Está examinando cuidadosamente o assunto. Enquanto isso, o CNMP segue incompleto.

Passarinhos.  José Dirceu, em seu blog, contesta o STF, embora assegurando a aceitação da sentença. José Genoino é mais recolhido, mas a sua casa têm chegado pessoas, cartas e telefonemas de solidariedade em profusão. Amigas de sua mulher, Rioko, revezam-se bordando passarinhos numa grande bandeira vermelha, que tem no centro o poeminha de Mario Quintana: “Todos estes que aí estão, atravancando meu caminho, eles passarão, eu passarinho”. “A obediência civil não se confunde com a humilhação. Por minha honra, correrei o risco do combate”, diz ele, com surpreendente tranquilidade diante do que está por vir.

Fonte: Correio Braziliense

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