quinta-feira, 15 de novembro de 2012

STF cobra do governo melhoria das cadeias

Um dia após o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmar que os presídios brasileiros são medievais e degradantes, ministros do Supremo Tribunal Federal defenderam a aplicação da pena de cadeia imposta, no caso do mensalão, à cúpula do PT formada por José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares. Celso de Mello e Gilmar Mendes foram além e cobraram do governo a melhoria do sistema penitenciário. A discussão foi levantada por Dias Toffoli, que absolvera os acusados. Repetindo Cardozo, Toffoli disse que cadeia é coisa medieval e, após citar Torquemada e Foucault, pediu: "Que se pague com o vil metal." Em nota, o PT disse que o STF se partidarizou

Para STF, é dever do governo melhorar prisões

Ministros reagem a declaração de Cardozo sobre situação de presídios; Gilmar ironiza

André de Souza, Carolina Brígido

BRASÍLIA - A declaração do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de que preferiria morrer a ficar preso no Brasil contaminou a sessão de ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) para julgar o mensalão. Enquanto o ministro Dias Toffoli aproveitou para reclamar das penas altas impostas aos réus e defender que é mais eficiente aplicar multas altas em vez de encarcerar os condenados, outros ministros cobraram do governo que ajude a melhorar o sistema prisional e até ironizaram a preocupação de Cardozo.

Gilmar Mendes disse concordar com Cardozo, mas estranhou que o comentário do ministro tenha sido feito justamente durante o julgamento. Gilmar e Celso de Mello lembraram que o Ministério da Justiça é responsável por garantir a integridade dos presos.

- Louvo as palavras do ministro da Justiça, preocupado agora com o sistema prisional. Só lamento que tenha falado só agora, porque esse é um problema conhecido desde sempre, é uma questão realmente muito séria - disse Gilmar.

Ele reclamou da falta de prioridade do governo federal para o setor. Também ponderou que, no caso, não há alternativa à prisão, já que o Código Penal prevê essa sanção.

- É preciso que o governo federal tenha consciência de que tem que participar desse debate sobre segurança pública, porque ele dispõe de recursos e tem a missão de coordenar. A toda hora, anuncia-se liberação de recursos para presídios, em seguida vem o contingenciamento. Isso nunca foi prioridade, por isso temos esse estado de caos.

Celso de Mello também cobrou:

- Acho importante que o senhor ministro da Justiça tenha feito essa observação de maneira muito franca. Cabe ao Ministério da Justiça exercer um papel de liderança de grande importância, sob pena de se frustrar a finalidade para a qual a pena foi concebida. É importante que o ministro revele publicamente a sua preocupação com o estado de coisas em que se acha o sistema penitenciário do país. Mas é grande a responsabilidade do ministério na implementação das diretrizes que foram contempladas na legislação de execução penal.

Mello reiterou que, por leniência do Estado, há presos enfrentando situação de total descaso:

- A prática da Lei de Execução Penal tornou-se entre nós um exercício quase irresponsável de ficção jurídica, uma vez que o poder público mantém-se absolutamente indiferente, desinteressado desta fase delicadíssima que consiste na implementação das sanções penais proclamadas pelo Poder Judiciário.

Dias Toffoli preferiu defender multas aos réus:

- Já ouvi leituras dizendo que o pedagógico é colocar pessoas na cadeia. O pedagógico é recuperar os valores desviados. Muitas vezes, no cálculo custo-benefício, o cidadão vai pensar: "Vale a pena passar algum tempo na cadeia para, depois, usufruir do que foi auferido ilicitamente". Eu tenho, no que diz respeito à pena restritiva de liberdade, uma visão mais liberal. E, vamos dizer, mais contemporânea. Porque prisão restritiva de liberdade combina com o período medieval. Vamos a Foucault, que ele dirá por que foi instituída a pena restritiva.

Toffoli disse que, embora a sociedade critique as penas de prisão há muito tempo, o Judiciário tem aplicado pouco as penas alternativas. Ele ainda reclamou que as penas fixadas para os réus do mensalão estão muito mais altas que as que o Judiciário normalmente arbitra.

- As penas restritivas de liberdade que estão sendo impostas nesse processo não têm parâmetros contemporâneos no Judiciário brasileiro. As penas de multa também não têm, mas acompanho o relator porque é um divisor de águas. Era o vil metal (o motivo do crime), que se pague com o vil metal - afirmou. - Para mim, pesam mais os efeitos pecuniários do que os efeitos restritivos de liberdade e pondero à Corte para refletir sobre isso.

O ministro lembrou que os réus cometeram crimes sem violência física e, por isso, não deveriam ser apartados do convívio social. Disse que a dona do Banco Rural, Kátia Rabello, era também bailarina, o que faria dela pessoa inofensiva.

Toffoli comparou a conduta do STF à do inquisidor espanhol Tomás de Torquemada, que viveu no século XV:

- Este parâmetro de um julgamento no ano de 2012 não é um parâmetro da época de Torquemada, da época de condenação fácil à fogueira. Eu fico pensando: temos aqui pessoa que desde 2006 não tem condições de sair à rua. Tivemos ministros agredidos em razão dos seus votos. Tivemos advogados de defesa que foram agredidos. Em que época estamos vivendo?

Também rebatendo as declarações de Toffoli, Luiz Fux afirmou que não há, na lei, uma opção entre o pagamento de multa e a prisão. Portanto, o STF não teria alternativa, a não ser aplicar a pena privativa de liberdade.

Fonte: O Globo

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