domingo, 30 de dezembro de 2012

Três áreas que desafiam Dilma

Reprovados pela população, setores de saúde (74%), segurança (68%) e educação (56%) figuram como os grandes entraves para Dilma em 2013

Popular, mas diante de desafios gigantes

Mesmo com aprovação pessoal recorde, Dilma terá um ano duro pela frente para resolver os diversos problemas que ainda caracterizam o país: pobreza, desmatamentos e deficiências nas áreas de educação, saúde, segurança e moradia

Renata Mariz, Helena Mader

A experiência adquirida com metade do mandato cumprido e um ano novo livre das turbulências político-eleitorais fazem de 2013 um período decisivo para a presidente Dilma Rousseff. Se, por um lado, a mandatária encerra 2012 com índices invejáveis de aprovação pessoal, beirando os 80%, de acordo com a mais recente pesquisa CNI/Ibope, por outro empurra para o terceiro ano de governo desafios gigantescos. O mesmo levantamento que mediu a popularidade da presidente apontou que 74% dos brasileiros condenam as políticas de saúde, 68% querem mais segurança pública e 56% consideram insuficientes as iniciativas na área da educação.

A lista de prioridades envolve outras áreas estruturais, como saneamento e meio ambiente. Sem falar no impulso à economia. Nem os setores bem avaliados do governo, mencionados por Dilma no discurso de Natal dirigido aos brasileiros, escapam de críticas. O Brasil sem Miséria, considerado pela presidente a conquista "mais espetacular" do ano, tem o mérito de fazer transferência de renda, mas carece de atualizações, na avaliação do economista e sociólogo Marcelo Medeiros, especialista em estudos sobre políticas públicas de combate à pobreza.

Ele critica os critérios usados para definir a extrema pobreza — renda familiar per capita mensal inferior a R$ 70. "Usamos linhas de pobreza africanas em um país que é quase europeu. Devido a esses limites questionáveis, temos oficialmente menos pobres que nos Estados Unidos, algo inconcebível até por bom-senso", afirma. Medeiros considera a promessa eleitoral de Dilma de erradicar a pobreza inalcançável, a partir dos padrões atuais das transferências de renda. "Para se tornar um programa de erradicação, e não apenas de alívio da pobreza, o Bolsa Família precisa aumentar os valores repassados. Orçamento para isso tem", diz ele.

Os valores pagos atualmente variam de R$ 32 a R$ 306, de acordo com números de filhos, idade e renda dos domicílios. Um esforço recente do governo para ampliar a complementação financeira, de modo que as famílias superem o patamar de
R$ 70 mensais por pessoa, é o Brasil Carinhoso, com investimento anual de R$ 4 bilhões. Medeiros considera a iniciativa importante, mas volta a lembrar os desafios. "Combater a extrema pobreza é relativamente simples de resolver, enfrentar a desigualdade é outra coisa", diz.

Tempo integral

Na área da educação, reprovada por um em cada dois brasileiros, a presidente Dilma reconhece ser necessário ofertar às crianças escola em tempo integral. Mas a política é garantida apenas a 8,3% dos estudantes do ensino fundamental, conforme dados mais recentes do Ministério da Educação (MEC). Um dos principais programas do governo federal com esse objetivo, o Mais Educação, padece com problemas graves, ressalta Carlos Eduardo Sanches, ex-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e atual integrante titular do Conselho Estadual de Educação do Paraná. "Andei pelo Brasil inteiro conversando com gestores e todos falam dos valores baixos repassados pelo Mais Educação para pagar os bolsistas, que fazem as atividades com as crianças no contraturno. As escolas não estão conseguindo contratar bolsistas", afirma Sanches.

Compromisso firmado pela presidente ainda durante a campanha, a erradicação do analfabetismo está longe. De 2009 para 2011, a proporção de pessoas com 15 anos ou mais que não sabiam ler nem escrever passou de 9,7% para 8,6% — queda de menos de 2% em dois anos. "O ritmo lento mostra que o tema não tem sido prioridade. É extremamente tímida a atuação do governo federal nessa questão", destaca Sanches. O fato de o Plano Nacional de Educação (PNE), que traça metas para o setor na próxima década, não ter sido aprovado ainda no Congresso Nacional, depois de dois anos de tramitação na Câmara dos Deputados, é uma crítica dos militantes da área.

O projeto defende 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação. Hoje, de acordo com o MEC, são gastos pouco mais de 5%. A promessa de Dilma é chegar aos 7%. O índice, porém, é rebatido por especialistas. "Sem colocar a mão no bolso não conseguiremos avançar. Os 10% são necessários. De que adianta ser a quinta economia do mundo com uma educação de país subdesenvolvido?", questiona Sanches.

Item negligenciado no discurso de Natal da presidente, mas motivo de uma das mais organizadas reivindicações da sociedade neste ano, a preservação do meio ambiente tem sido alvo de constantes críticas. "A aprovação do Código Florestal, contra o qual grupos organizados se manifestaram de uma forma muito intensa no país, nos revelou que o meio ambiente não está na agenda do governo", afirma Gustavo Souto Maior, professor do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade de Brasília (UnB). De acordo com ele, dispositivos da lei, como anistia a desmatadores e flexibilizações sobre construções em encostas e outras áreas de preservação permanente, marcaram 2012 como ano de derrotas. "Do ponto de vista ambiental, não temos o que comemorar", destaca Souto Maior.

Saneamento

O desmatamento que preocupa ambientalistas está intimamente ligado a outra área. O saneamento básico mostra índices preocupantes. De cada 10 residências urbanas no país, três não têm acesso à rede geral de esgotos, conforme pesquisa mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, feita em 2011. O Censo 2010, uma amostra mais precisa porque visita cada residência do país, apontou que apenas 55,4% dos 57,3 milhões de domicílios, tanto nas cidades quanto na área rural, tinham serviço de esgotamento sanitário.

Na área de habitação, a presidente Dilma obteve bons resultados graças ao programa Minha Casa, Minha Vida, lançado em 2009 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em seu pronunciamento de Natal, a presidente citou que o projeto assegurou a realização do sonho da casa própria a um milhão de famílias. "E já contratamos mais 1 milhão de novas moradias, que vão beneficiar famílias por todo o Brasil. É o maior programa deste gênero no mundo", comentou a presidente. Para o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília Márcio Buzar, que é especialista em habitação, o programa representou um grande avanço no setor. "A redução dos juros também foi muito importante, mas há espaço para reduzir ainda mais. O patamar de 5% ainda é alto para as classes mais pobres", comentou o especialista.

Márcio Buzar defende a criação de grandes bairros para setores menos favorecidos da população, para que haja oferta de moradia com infraestrutura. "O governo tem que continuar com o programa Minha Casa, Minha Vida, incentivando a construção de grandes bairros com escola, transporte, postos de saúde e infraestrutura", comenta o especialista. "Também é preciso dar mais atenção ao cumprimento do Estatuto da Cidade", finaliza Buzar.

Fonte: Correio Braziliense

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