domingo, 30 de dezembro de 2012

Um pedido para 2013: parem com as promessas - Elio Gaspari

O governo só terá a ganhar se parar de enganar a patuleia dizendo que fará aquilo que sabe que não entregará

A doutora Dilma poderia começar o ano inovando: basta proibir que seus ministros prometam o que não entregaram. Por exemplo: se o PIB de 4% em 2012 não aconteceu, o doutor Mantega fica proibido de prometer qualquer coisa para 2013. Nesse caso, por mais que se suponha um "levantador de PIB", deve-se reconhecer que o cumprimento da promessa não depende apenas dele ou da doutora. Em outros casos, ou depende e o governo não conseguiu fazer, ou sabia desde o primeiro momento que estava apenas parlapatando.

Por exemplo: em 2011 o então ministro Fernando Haddad prometeu pela segunda vez a realização de duas provas do Enem em 2012. Com dois exames a garotada fica livre da tensão de jogar um ano de vida numa manhã. Em janeiro passado, ao renegar a promessa do ano anterior, a doutora Dilma disse que o governo tomaria jeito em 2013. Nada. Ela e seus ministros sabem que, enquanto o MEC não tiver um banco de questões, as duas provas serão impossíveis. Ele não o tinha nem o tem. Basta não prometer.

Em janeiro, ao conceder benefícios fiscais à empresa Foxconn, o governo anunciou que ela produziria iPads e iPhones no Brasil "a preços competitivos internacionalmente". Nada. A empresa já fabrica iPads em Pindorama, e a Apple os vende a R$ 1.349. Na loja americana custam US$ 399, ou R$ 800. Nesse caso, os impostecas sabem que, enquanto não mexerem na tributação nacional, os preços das máquinas continuarão altos. (Até hoje não apareceram os US$ 12 bilhões de investimentos da Foxconn no Brasil, anunciados em 2011 durante a visita da doutora a Pequim.)

Em dois projetos, contudo, a doutora deve ser louvada por prometer e não entregar, porque se tentar será pior. Um é o da compra de caças para a Força Aérea. O outro é o Trem-Bala.

Ilusão

O tucanato convenceu-se de que pode botar a escola de samba na rua em 2014 porque a economia irá mal.

Acha que lucrará numa ruína. Propostas no campo da educação ou da saúde, nada.

Tunga de elite

Boa notícia para as vítimas brasileiras de Bernard Madoff, gente diferenciada, do andar de cima do Rio.

O advogado Irving Picard, que desde 2008 caça pedaços da fortuna do golpista para ressarcir os investidores que perderam algo como US$ 18 bilhões de dólares, conseguiu um acordo com o fundo Fairfield Greenwich, operado por um grã-fino de linda família com conexões na América Latina.

Ele indenizará seus clientes, devolvendo até US$ 80 milhões. Quem quiser deverá se habilitar ao acordo até o dia 17 de abril.

Madoff está na cadeia cumprindo uma sentença de 150 anos. Picard, que foi designado para o serviço pela Justiça, já recuperou US$ 3,6 bilhões, levando a leilão até as cuecas do doutor. O ervanário brasileiro no Fairfield Greenwich pode ter ficado na centena de milhões de dólares, até porque era chique ter dinheiro lá.

Alguma coisa o pessoal poderá receber, desde que ponha o nome na vitrine. É aí que a porca torce o rabo.

A plutocracia brasileira tomou dois grandes chapéus de banqueiros.

Nos anos 80, Tony Gebauer, querubim da Casa de Morgan, ficou com dinheiro de grandes investidores. Alguns deles apareceram, pelo menos um exagerando seus depósitos. Muitos ficaram calados. Gebauer cumpriu três anos e meio de cadeia.

Em 1995 a casa de crédito de Jorge Piano quebrou, muita gente ficou a zero, mas ninguém abriu a boca.

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e internou-se para tratar uma crise convulsiva de riso ao ouvir a doutora Dilma dizer que os apagões resultam de falha humana dos encarregados de manter o sistema elétrico em funcionamento: "O dia em que falarem para vocês que é raio, gargalhem. Cai raio todo dia nesse país".

Por cretino, ele acredita em tudo que o governo diz. Em 2009, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão aceitou a teoria do raio, também conhecido como "descargas atmosféricas": "Esse é um episódio que, Deus queira, não acontecerá novamente". Dois anos depois a Eletropaulo justificou-se contando que num só dia caíram 1.700 raios. Há pouco a mesma lorota foi propagada pelo secretário de Energia Elétrica do Ministério de Minas e Energia.

Sugestão

Dizia uma marchinha de Carnaval que no Rio de Janeiro, "cidade que nos seduz", "de dia falta água, de noite falta luz".

A cidade melhorou, mas a Infraero resolveu adaptar a canção aos seus aeroportos. De dia falta ar, de noite falta luz.

Ninguém é maluco para esperar que o último dinossauro das estatais venha a trabalhar direito ou bobo para acreditar que o comissariado da Agência Nacional de Aviação Civil dê refrescos aos passageiros. Mesmo assim, cairia bem uma medida provisória exigindo que os companheiros devolvam as taxas de aeroporto que cobram às vítimas da treva e do forno.

Elas estão entre as mais caras do mundo. O Kennedy, em Nova York, cobra o equivalente a R$ 29 em voos internacionais. O Galeão, R$ 71,50.

O porão dos órfãos numa fazenda chique

A revista "História", da Biblioteca Nacional, chegará às bancas nesta semana com um "Dossiê Nazismo" de 24 páginas, revisitando os flertes da direita brasileira com o nacional-socialismo de resultados de Adolf Hitler. Nele, uma reportagem de oito páginas da repórter Alice Melo reconta a história de 50 crianças, a maioria negras, do orfanato da Santa Casa do Rio de Janeiro, levadas entre 1933 e 1945 para as terras da família Rocha Miranda, no interior de São Paulo. Ela foi revelada em 2008 pela repórter Telma Silvério, do jornal "Cruzeiro do Sul", de Sorocaba.

Os tijolos de uma fazenda, bem como seus bois, eram marcados com uma suástica. Um dos senhores era membro da Câmara dos Quarenta, do simulacro fascista criado no Brasil por Plínio Salgado. Os garotos eram conhecidos por números e está vivo o "22". Trabalhavam nas propriedades, tinham uniformes verdes de gala e saudavam-se aos gritos de Anauê, de acordo com a simbologia do integralismo. Tinham escola, banda e clube de futebol.

Tremenda história, pois aqueles Rocha Miranda não formavam uma família qualquer. Vinham da melhor cepa do início do século 20, viraram nome de bairro e, mais tarde, um dos seus chefes, Celso, com sua mulher Malú foram um dos casais mais discretos, educados e elegantes que passaram pelo Rio. Quando a cidade tinha poucos carros, ele andava de Rolls.

No andar de baixo os doutores coletavam órfãos. No de cima, venderam parte da propriedade para Arndt Krupp, filho do magnata alemão do armamento, que coletava escravos judeus, russos e poloneses. Arndt ficaria famoso por suas maquiagens. Namorou Keith Richards e inspirou o diretor italiano Lucchino Visconti para criar o personagem Frederich, do filme "Os Deuses Malditos". Morreu endividado, aos 48 anos, e deixou uma grande frase a respeito do trabalho: "Era disso que eu precisava".

Fonte: O Globo

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