terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Dois vexames brasileiros em 14 anos - Rolf Kuntz

Pela segunda vez em 14 anos, o Brasil foi o patinho feio da reunião do Fórum Econômico Mundial. No meio da desgraça geral, todos os países com resíduos de seriedade puderam reportar algo positivo - a lenta retomada americana, apesar dos obstáculos políticos, o penoso ajuste no Sul da Europa, o início da unificação bancária na zona do euro, o esforço japonês para vencer a deflação, a nivelação chinesa depois de um ano de indicadores mais fracos. Até os latino-americanos, recém-chegados ao mundo da economia adulta, vêm-se mostrando capazes, com algumas exceções, de enfrentar sem grandes danos a turbulência.

O Brasil destoou, e seus poucos representantes oficiais contaram histórias típicas de Zé Carioca. O esforço foi inútil e desmoralizante, porque os números básicos eram conhecidos. Além disso, as últimas estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI) foram divulgadas durante a semana e comentadas numa sessão especial por sua diretora-gerente, Christine Lagarde. Os dois fiascos brasileiros, em 1999 e em 2013, têm pelo menos duas semelhanças. Ocorreram depois de alguns anos de boas notícias e pareceram encaixar-se, facilmente, em uma longa tradição de esforços animadores terminados em fracassos.

Em janeiro de 1999, Brasília abandonou a banda cambial, deixou desvalorizar-se a moeda e preparou-se para enfrentar um novo surto de inflação. O plano de ajuste iniciado cinco anos antes pareceu, afinal, apenas mais um vexame de um país condenado à frustração. "O real tornou-se virtual", disse num jantar o professor Lawrence Summers, secretário-assistente e futuro titular do Tesouro americano. Para eliminar qualquer dúvida, ele explicitou a piada: a moeda brasileira havia-se convertido em "real ponto com". Summers estava errado.

O episódio foi superado, a economia venceu outros solavancos, o crescimento ganhou impulso, a imagem dos Brics consolidou-se e o País tornou-se um dos queridinhos dos investidores. Com alguns tropeços, a nova fase durou até 2010. Vieram depois dois anos de crescimento baixo, inflação alta e deterioração das contas externas - um quadro indigno de um Bric. Não houve piada nem trocadilho, desta vez; apenas perplexidade. A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, confessou-se intrigada diante do problema brasileiro.

Até há pouco, no entanto, o pessoal do Fundo imaginava entender o Brasil. Por isso apoiou a política de redução de juros anunciada em agosto de 2011. Os dois argumentos apresentados pelos dirigentes do Banco Central (BC), na ocasião, foram aceitos facilmente. Primeiro, a crise internacional continuaria em 2012, derrubaria os preços das matérias-primas e as pressões inflacionárias seriam atenuadas. Segundo, o afrouxamento da política monetária seria compensado por uma política fiscal mais austera. Ao manifestar seu apoio, os especialistas do FMI negligenciaram pelo menos quatro pontos importantes:

1)Deixaram de perguntar se os juros seriam de novo aumentados, caso as previsões sobre os preços agrícolas fossem erradas e as pressões se intensificassem. Quanto a esses pontos, a história do ano passado é clara. As cotações internacionais oscilaram, voltaram a subir no segundo semestre e novamente afetaram o custo da alimentação. O pessoal do BC reconheceu esses fatos, mas apenas para usá-los como desculpa. Os juros básicos, porém, continuaram em queda e enfim se estabilizaram em 7,25%;

2) Atribuíram a mudança de rumo do BC a uma decisão técnica, passível de correção se as condições se tornassem adversas. Deixaram de perceber o essencial: a decisão era sobretudo política e ajustada ao estilo da presidente Dilma Rousseff. Não haveria recuo, mesmo diante de uma inflação resistente, se o número ficasse dentro da margem de tolerância. Essa margem deveria servir para acomodar oscilações inesperadas, mas foi usada no pior sentido da palavra tolerância, como se a meta fosse qualquer ponto entre 4,5% e 6,5%. Ao reinterpretar a meta dessa maneira, a cúpula do BC mudou disfarçadamente o regime da política monetária;

3) Aceitaram sem discutir o diagnóstico proposto pelo BC, de uma inflação provocada basicamente pelo aumento das cotações de matérias-primas. Mas ao mesmo tempo chamaram a atenção, mais de uma vez, para a expansão do crédito e do gasto público. Seria fácil atribuir a inflação a fatores mais importantes que um choque de oferta, pela extensão e pela duração de seus efeitos;

4) Admitiram sem desconfiança a previsão de austeridade fiscal. Não houve política austera. A gastança continuou, dentro dos limites possíveis. O impacto orçamentário da crise e os cerca de R$ 45 bilhões de renúncia fiscal explicam apenas em parte a deterioração das contas públicas. Para eliminar qualquer dúvida sobre a real disposição da presidente Dilma Rousseff, bastaria examinar a marretação contábil do fim do ano e os novos lances armados no governo para desmontar as normas de responsabilidade fiscal.

Em janeiro de 1999, as autoridades brasileiras, humilhadas, acabaram engolindo comentários arrogantes de Lawrence Summers e conselhos de Domingo Cavalo, ministro da Economia da Argentina, estimulado por alguns empresários brasileiros a mostrar o caminho da luz e da salvação. Em uma reunião com brasileiros e investidores estrangeiros, o ministro argentino pregou longamente com o entusiasmo de um profeta. Um respeitado economista de origem alemã propôs a Brasília o modelo da política argentina, com câmbio fixo e emissão de moeda condicionado à variação de reservas internacionais.

O perigo, agora, é alguém dar de novo um palpite absurdo e o governo brasileiro aceitar. A presidente Dilma tem deixado transparecer, em muitas ocasiões, a ambição nem tão secreta de ser uma Cristina Kirchner brasileira. Como também é uma admiradora da política bolivariana, talvez possa adotar uma linha eclética. Nossa Senhora Aparecida e todos os anjos e arcanjos protetores do Brasil estão merecendo um aumento.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Um comentário:

Dawran Numida disse...

De todo odo, o ajuste cambial de 1999, apesar de ter causado a impressão errada de fim do real, acabou sendo superado o efeito do ajuste e a estabilidade com o tripé câmbio flutuante, superávit primário e metas de inflação, seguraram a insegurança trazida pela transição de governo em 2003.
O Plano Real, por não ter sido um plano de demarragem, criara, por sua vez, as condições para crescimento futuro com estabilidade. Coisa que o governo eleito em 2002 deixou passar e acabou por colocar o Brasil em rota de estagnação.
Como há três anos a variação do índice oficial de preços, supera a variação do PIB, ao termo estagflação poderá começar a ser utilizado.
De outro lado, nada será feito seriamente, dado que 2014 já chegou no início de 2013.
Caso ainda haja algum anjo ou santo protegendo do Brasil, estes deverão estar solicitando aposentadoria ao chefe.