sábado, 12 de janeiro de 2013

Sem manobra, economia pública é 65% da anunciada, avalia mercado

Bancos e consultorias consideram dados oficiais imprecisos para estimativas e fazem cálculo próprio

Descrédito preocupa setores do governo; operações para fechar contas no fim de 2012 agravam discrepâncias

Sheila D’Amorim, Mariana Schreiber

BRASÍLIA - A criatividade do Tesouro Nacional para fechar suas contas, com o uso de sucessivas manobras contábeis e brechas legais, criou no Brasil uma contabilidade paralela à oficial que coloca em risco a credibilidade fiscal da gestão Dilma Rousseff.

Bancos e consultorias passaram a expurgar receitas e depurar gastos para calcular um superavit "puro" e poder estimar o impacto na economia e fazer suas projeções.

Nesses cálculos, a economia do setor público para pagar juros da dívida foi no mínimo 35% menor que a oficial em 2012 (veja quadro). O descrédito em relação aos números do Tesouro já assusta integrantes da equipe do ministro Guido Mantega (Fazenda).

A crise teve seu auge nas últimas semanas, quando se tornou pública a triangulação com bancos públicos e o Fundo Soberano para fechar os números de 2012.

O dado do ano, que só será divulgado no fim deste mês, foi apelidado de "superavit elfo", numa referência ao conto de Natal publicado em um dos blogs do jornal britânico "Financial Times".

No texto, a presidente Dilma é uma das renas do trenó do Papai Noel e perde o posto para o presidente do México. O ministro Guido é um elfo que defende Dilma e cujas previsões são consideradas muito otimistas.

Argentina

Dentro do governo, receia-se que surjam comparações com a Argentina, onde as estatísticas oficiais perderam a credibilidade. Para um interlocutor do governo, essa não é uma avaliação justa, pois no Brasil é possível refazer os cálculos, justamente porque todos os números estão disponíveis para o público.

"As pessoas podem não concordar com a medida do governo, mas as outras informações são divulgadas também", argumenta.

A Folha ouviu cinco instituições financeiras, entre bancos, corretoras e consultorias, que fazem o expurgo. Para alguns, a prática era limitada a 2010 em razão de uma manobra feita com a Petrobras. Agora, foi ampliada.

Gabriel de Barros, economista da FGV (Fundação Getulio Vargas), desconta as receitas extraordinárias e contábeis há dois anos e diz que, desde 2008, o resultado primário está superestimado em cerca de R$ 145,6 bilhões.

"O superavit era uma boa medida do impacto da política fiscal na demanda. Isso deixou de ser verdade, quando o governo passou a usar a contabilidade criativa."

O Itaú divulgou nesta semana relatório retirando dos resultados oficiais receitas extraordinárias e operações contábeis. No caso dos dividendos, o banco estima um repasse atípico de R$ 47,3 bilhões desde 2009.

"A ideia [de fazer o ajuste] é tentar capturar o esforço fiscal propriamente dito para extrair seu impacto na demanda", observa o economista do banco Marcelo Oreng.

A consultoria LCA faz um ajuste mais simples, abatendo as receitas com capitalização da Petrobras em 2010 e o dinheiro do Fundo Soberano. O objetivo dos cálculos próprios "é deixar a medida de superavit primário mais 'pura'" para avaliar o impacto na inflação, diz o economista-chefe Bráulio Borges.

A Quest Investimentos está concluindo os cálculos da sua estimativa "pura". A corretora Convenção Tullett Prebon divulgou ontem relatório com o resultado ajustado de 2012, sem o impacto das operações feitas no final do ano.

Fonte: Folha de S. Paulo

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