domingo, 3 de fevereiro de 2013

No auge da vida - Míriam Leitão

Uma semana depois, não conseguimos parar de pensar no mesmo assunto. Cada pessoa passou os últimos dias com o pensamento sendo atravessado pelas dúvidas sobre como devem ter sido aqueles terríveis minutos dentro da casa noturna de Santa Maria.

Como sociedade, temos falhado na trabalho de proteger os jovens do pior dos riscos: o de perder a própria vida.

A morte coletiva é como um choque que acorda para a realidade. Mas ela está na nossa frente todo o tempo. As estatísticas mostram que o perigo de morte por causas não naturais aumenta muito depois dos 15 anos. O gráfico por idade das vítimas e a frequência das mortes se descola fortemente a partir dessa faixa etária.

Vejam o gráfico abaixo, com dados do IBGE, que registra as mortes por acidente, homicídio, suicídio, trânsito. O número salta seis vezes e meia entre a faixa de 10 a 14 anos para a de 15 a 19 anos. Depois, uma nova alta de 40% entre os de 15 a 19 anos para os de 20 a 24 anos.

Temos perdido jovens demais, na faixa etária dos que morreram em Santa Maria, nos acidentes de trânsito ou nas estradas, e na violência urbana. Temos perdido jovens por incúria e descuido. O número é escandaloso: no ano de 2011, perderam a vida de forma violenta 53.780 jovens de 15 a 34 anos.

Cada pessoa tem uma forma de se abrigar numa época em que a notícia é devastadora como essa: 236 jovens de uma cidade universitária vão para uma balada de sábado à noite e morrem queimados, asfixiados numa armadilha montada pelos erros dos donos do local, pela irresponsabilidade de quem lançou o fogo pirotécnico e pelas falhas da fiscalização.

Os culpados em cada evento devem responder pelos seus erros e omissões, mas é preciso remover outras armadilhas para as quais jovens podem estar indo nas suas baladas.

Mas, para além até do divertimento dos sábados à noite, é preciso parar e pensar como temos falhado como pais e como país em estabelecer uma rede eficiente de proteção que poupe vidas quando elas estão florescendo.

Cada pessoa que perdeu um daqueles jovens carregará sua dor irreparável, e um dia, por cruel que seja dizer isso, a comoção passará e a solidariedade ficará mais rara. Mas a boate Kiss em Santa Maria é um grito de alerta que não podemos deixar de ouvir. Uma política para juventude teria que avaliar cuidadosamente todos os perigos e reduzi-los. Por que não nos damos conta, tão distraídos estamos, que essa mortandade de jovens é completamente inaceitável?

Todos eles, colhidos fora da hora, representaram o investimento de anos dos pais. Houve o tempo de esperar pelo nascimento, ensiná-los a andar, falar, levá-los à escola, acompanhar os anos da formação e vê-los entrar na universidade. É antinatural que nesse tempo em que começa a colheita eles percam a vida. Justamente na juventude; o momento mais emocionante e promissor da vida.

Fonte: O Globo

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