terça-feira, 12 de março de 2013

A classe política e o poder no Brasil - Murillo de Aragão


Uma leitura relevante da classe política no Brasil é o livro Mudanças na classe política, do cientista político Leôncio Martins Rodrigues. Trata da composição da Câmara dos Deputados em 1998 e 2002, duas legislaturas que servem de base para suas observações. Rodrigues aponta maior participação das classes populares no exercício do poder. Ainda que estejamos vários anos à frente do fim da última legislatura examinada por Rodrigues, as observações recolhidas por mim, na época, e as conclusões apresentadas por ele continuam válidas. Existe a crença de que o Congresso Nacional seria o retrato da sociedade brasileira, com suas virtudes e defeitos. No entanto, as distorções do processo eleitoral terminam por macular a integridade desse retrato.

Mesmo assim, examinar o Congresso para entender o que se passa no exercício do poder é fundamental. Vamos começar pelas más notícias. O processo de inclusão de políticos das classes populares no círculo do poder expõe o indivíduo, naturalmente, a novas realidades. São muitas as interações que fazem com que, por exemplo, um líder sindical passe a conviver com uma realidade que não era a sua. O mesmo pode valer para um modesto pastor evangélico ou um funcionário público sem posses que se elege à custa da máquina pública. Apesar da popularização da representação política, apesar do exame da origem e da situação social dos eleitos, verifiquei um processo de refinamento de hábitos em alguns políticos desses estratos.

Tal processo é constatado pelo uso de relógios caros ou pela inclusão em seus hábitos de consumo de vinhos de elevadíssimo valor. E daí? A princípio, consumir vinhos e comidas sofisticadas não torna um político mais fiel ou menos fiel a seus princípios. No entanto, isso gera um impacto psicológico no indivíduo que pode afetar seu comportamento político e a escolha de suas prioridades. Outro aspecto negativo relevante: apesar da “popularização” das classes políticas apontadas por Leôncio, o processo é lento e não é irreversível. Tanto pela cooptação dos políticos populares pelas elites dominantes quanto pelo fato de que o acesso aos mecanismos de poder continua sendo muito mais fácil para ricos, celebridades, líderes religiosos ou manipuladores da máquina pública. O terceiro ponto negativo que indico no processo de popularização identificado por Leôncio é o fato de muito desse processo ocorrer por meio de sindicatos e instituições religiosas que conseguem eleger seus representantes.

Embora simbolizem democratização— já que representam segmentos da sociedade ao largo das elites tradicionais —, muitas das relações estabelecidas entre representantes, representados e poder público se dão em torno de intenso clientelismo e defesa corporativa de interesses em detrimento do bem comum. É uma contradição, já que a popularização das classes políticas acaba gerando novas elites que terminam defendendo seus interesses em detrimento da coletividade. Essa situação só muda com a elevação dos níveis de educação, interesse e conscientização política. Até lá, será um processo reformista de baixo impacto e de acomodação de interesses, e não de verdadeira democratização da decisão política.

Cientista político e presidente da Arko Advice Pesquisas

Fonte: Brasil Econômico

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