sexta-feira, 22 de março de 2013

Apagão logístico faz China cancelar compra de soja

O complexo da soja — grão, óleo e farelo — poderia se tornar, este ano, o principal item da pauta de exportações brasileira, com US$ 32,5 bilhões, ultrapassando o minério de ferro. No entanto, um verdadeiro apagão de logística, com filas quilométricas de caminhões em direção aos portos de Santos e Paranaguá para escoar a mercadoria, dificuldades de embarque e aumento do preço de frete ameaçam a ampliação do comércio exterior brasileiro. Com todas essas dificuldades, a Sunrise, principal trading chinesa, cancelou a compra de dois milhões de toneladas de soja — quase 5% da exportação total brasileira do produto, que deve atingir quase 38 milhões de toneladas este ano, quando o país colherá uma safra recorde de grãos. O presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Bernardo Figueiredo, afirma que a fila de caminhões em direção aos portos ocorre porque faltam armazéns e silos

Gargalos nos portos geram "apagão da soja"

Previsão de que item ultrapasse o minério nas exportações fica ameaçada. Empresa chinesa cancela compra

Danielle Nogueira, Roberta Scrivano

RIO, SÃO PAULO e BRASÍLIA - Gargalos enfrentados para escoar a produção podem frustrar previsões de que o complexo da soja - grão, óleo e farelo - se tornaria, este ano, o primeiro item da pauta de exportações brasileira, desbancando o minério de ferro. Nas projeções da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), com safra recorde e preços elevados, o trio atingiria US$ 32,5 bilhões em vendas externas em 2013, contra US$ 30 bilhões do minério de ferro. Se os cancelamentos de embarques de soja continuarem por causa dos crescentes atrasos no fornecimento, no entanto, a tendência é que a média de preços do grão caia, comprometendo seu desempenho nas exportações. A chinesa Sunrise, maior trading do país, já cancelou a compra de pelo menos dois milhões de toneladas de soja, alegando atrasos na entrega por causa das longas filas nos portos. É a primeira que uma empresa daquele país suspende contratos por problemas logísticos. A empresa diz que deveria ter recebido seis navios em fevereiro e outros seis em março. E avalia a possibilidade de comprar da Argentina. A China é o principal comprador da soja brasileira.

As previsões da AEB consideram o preço anual médio da tonelada de soja a US$ 580 e embarques de 38 milhões de toneladas em 2013. Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior mostram, porém, que a média de preço entre janeiro e a terceira semana de março está bem abaixo dessa projeção (US$ 530). Paralelamente, o minério de ferro está em situação inversa. Nas estimativas da AEB, a média de preço da commodity ficaria em US$ 95 este ano e o volume exportado, em torno de 320 milhões de toneladas. Mas 2013 ano começou aquecido para o minério, cujo preço médio da tonelada exportada está em US$ 110.

- Ainda mantenho minhas previsões, mas é possível que os problemas que os produtores de soja estão enfrentando atrapalhem o desempenho do setor. Esse apagão da soja só mostra que o Brasil não está preparado para crescer - afirma o vice-presidente da AEB, José Augusto de Castro.

Para Castro, a alegação da Sunrise é um pretexto para comprar o grão por um preço menor mais adiante. Independentemente das reais razões, o fato é que o produtor que não honrar contratos devido a atrasos no suprimento vai ter prejuízos, pois a tendência é que o preço da soja caia no segundo semestre, quando a produção americana é comercializada com força. Brasil e EUA são os principais exportadores mundiais de soja.

O problema é que o engarrafamento de caminhões nos portos de Santos e Paranaguá, os dois principais canais de escoamento da soja, tende a piorar nos próximos meses com a estimativa de safra recorde do grão de cerca de 83 milhões de toneladas. O pico da comercialização da soja é em abril e maio, quando a safra de açúcar começa a ser escoada. Em seguida, milho e algodão também passam a disputar os mesmos caminhoneiros, inevitavelmente provocando mais congestionamentos.

Ontem, a fila de caminhões na rodovia Cônego Domênico Rangoni, que leva ao porto de Santos, o maior da América Latina, chegava a 25 quilômetros, quase o dobro da extensão da Ponte Rio-Niterói ou a metade de todo o trajeto da avenida Brasil, principal artéria da capital fluminense. Já esteve pior: na terça-feira, de acordo com a concessionária que administra a pista, eram 34 quilômetros de espera.

Tempo parado nas estradas é prejuízo não só para os caminhoneiros, mas também aos produtores e exportadores. Em uma estimativa otimista, o Sindicato das Agências de Navegação Marítima de São Paulo (Sindamar) disse que o prejuízo com a manutenção de navios que aguardam para serem carregados de grãos é de US$ 150 milhões por dia - os exportadores arcam com o valor.

O presidente da entidade, José Roque, explica que essa conta considera duas situações ainda sem solução. A primeira diz respeito, efetivamente, à demora para a chegada dos caminhões até o porto. A outra razão é a chuva. Chove na região desde o domingo e, como não existem coberturas para abrigar o serviço de desembarque/embarque de grãos, os navios não podem ser operados.

- Não adiante ter supersafra, se as empresas estão perdendo na ponta, sem conseguir escoar a produção. Há muita retórica no governo e pouca ação. Estamos no fundo do poço da infraestrutura.

"Caminhão parado é sinal de ineficiência"

Como resultado da demora, um navio de granel sólido de 600 mil toneladas, que antes levava em média dois dias para ser abastecido, agora precisa de até quatro dias para concluir o trabalho e navegar. A Codesp, que administra o porto, diz que o problema se deve à falta de infraestrutura das estradas e que as condições climáticas atrapalharam muito nos últimos dias. De acordo com dados oficiais, existiam ontem 33 navios atracados no porto e outros 79 na barra, à espera de uma vaga na ancoradouro. Mas os números do Sindamar são de até 150 parados para serem carregados.

Para o governo, as filas de caminhões são uma prova da falta de capacidade da infraestrutura em atender a demanda. Segundo o ministro da Secretaria de Portos, Leônidas Cristino, para amenizar o problema no porto de Santos é preciso aumentar a quantidade de terminais, adotar equipamentos mais modernos, além de cobrir os terminais. Os problemas, diz, reforçam a necessidade de aprovação da MP 595, que reformula o setor:

- A fila revela a falta de capacidade dos portos. Muita chuva e safra recorde agravam o problema.

O presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Bernardo Figueiredo, diz que a fila de caminhões em Santos ocorre porque faltam armazéns e silos, um dos grandes problemas nos portos.

- Os portos brasileiros são muito fatiados (pequenos terminais) e não operam em escala, outro fator de filas. Somente no Brasil, a carga sai do caminhão e entra no navio. Caminhão foi feito para rodar, parado é sinal de ineficiência.

Depois de 30 horas na fila, Pedro Martins, caminhoneiro há 20 anos, puxou o freio de mão e foi caminhar junto ao acostamento da pista. Queria "esticar as pernas" e matar o tempo até que a longa fila de caminhões começasse a se mover.

- Faço esse percurso normalmente em três horas, mas estou parado desde as 8h de ontem (quarta-feira). E não tenho ideia de quanto tempo mais vou levar. Nunca vi isso antes - disse Martins, que transportava soja.

Em outro trecho da rodovia, Djalma Mendes armou uma mesinha no meio da pista, com fogareiro a gás e panelas. Almoçou arroz, feijão, ovo e linguiça. Segundo ele, o atraso na entrega de sua carga vai gerar um prejuízo de cerca de 15% em seu faturamento bruto mensal, que é de R$ 15 mil.

- Não vou cumprir a programação que eu tinha para este mês.

Fonte: O Globo

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