domingo, 28 de abril de 2013

As ilhas de poder - Tereza Cruvinel

Embora crise seja uma palavra forte demais, o conflito em curso entre o Legislativo e o Judiciário é dos mais estridentes, em uma escalada que vem crescendo. Com sua objetividade goiana, o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) foi ao ponto: "Se o Congresso comete um desatino e o Supremo responde com outro, onde vamos parar?". Nunca antes tramitou no Congresso uma emenda que violasse cláusula pétrea da Constituição. Nunca antes, tampouco, um ministro do STF impediu, com liminar, que o Congresso votasse uma matéria, ao julgar seu conteúdo antes mesmo da aprovação final.

A divergência entre os Poderes ocorre em todas as democracias, mas não podem virar rotina na convivência. O diálogo, as consultas e a ação de mediadores informais evitam que os conflitos cheguem ao paroxismo. As pontes evitam que cada um deles navegue com sua autonomia, como pesados transatlânticos, cada qual em sua rota. De atrito em atrito, uma hora trombam. Um observador destas relações, desde a redemocratização, recorda que as pontes do diálogo entre os Três Poderes sempre existiram e funcionaram. Hoje, não existem mais. Cada Poder é uma ilha.

No próprio STF, os ministros vão para as sessões sem qualquer troca de impressões sobre o que julgarão, como se isso lhes tirasse a independência. O resultado são aqueles bate-bocas que nunca imaginamos possíveis entre os mais alto magistrados, como vimos no julgamento do mensalão. Na relação com o Executivo, sempre houve quem mediasse o diálogo, a começar pelo governo do ex-presidente Sarney, quando quem fazia este papel, naquela transição delicada, era o jurista Saulo Ramos. Mais recentemente, Lula, que não teve conflitos dignos de nota com o Supremo, contava com a atuação mediadora de figuras como o ex-ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos; o advogado e ex-deputado Sigmaringa Seixas, de trânsito fácil na Corte; e o ex-ministro Nelson Jobim. Hoje, nem mesmo o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, aventura-se nesse papel.

Havia pontes também entre o Judiciário e o Congresso e, neste papel, já estiveram ministros do STF que passaram pelo Parlamento, como Paulo Brossard e Maurício Corrêa. Hoje, sobram ilhas dentro do Parlamento. Se houvesse controle sobre as bancadas, a PEC da discórdia não teria sido aprovada sem anuência prévia do líder do governo, dos demais líderes, e do presidente da Câmara. Melhor não é o diálogo entre o Planalto e o Congresso. Queixam-se todos de que a presidente Dilma não se reúne com os líderes e não recebe políticos. O que cimenta a coalizão é o mero compartilhamento do poder na forma de cargos.

Pairando sobre esta paisagem, o que ninguém pronuncia: tudo está politizado, todos estão armados e envenenados.

O que fazer

Como vai terminar este round entre o Congresso e o Supremo? Amanhã o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, e o do Senado, Renan Calheiros, vão conversar com o ministro Gilmar Mendes. Vão pedir que agravo regimental contra a liminar que sustou a tramitação do projeto sobre migrações partidárias seja logo apreciado pelo colegiado. Devem acenar com o embargo da PEC 33, talvez anulando a votação na Comissão de Constituição e Justiça. Já está sobrestada a instalação da comissão especial que precede a votação do mérito pelo plenário. O fato de eles próprios estarem atuando como bombeiros da crise confirma que estão faltando as pontes.

Desde que impôs a verticalização das coligações, em 2002, o STF vem legislando sobre o sistema político. Quando o Congresso aprovou a cláusula de barreira, o tribunal a derrubou. Depois, o TSE resolveu impor a fidelidade partidária, determinando que o mandato é do partido, não do eleito. O Supremo referendou a tese. Quem mudasse de partido, a não ser para sigla nova ou decorrente de fusão, perderia o mandato. Para contornar a cerca, começaram a surgir partidos novos: o PSD foi a criação mais arrojada.

Contrariando sua própria decisão – de que o mandato é do partido – o STF decidiu que os migrantes poderiam levar para o PSD o tempo de TV correspondente a seus mandatos. O projeto que o Congresso estava votando era, e é, coerente com a decisão anterior do próprio STF. Entretanto, em sua liminar, o ministro Gilmar Mendes o considerou casuísta e proibiu sua aprovação, por contrariar a decisão do tribunal acerca do PSD. Isso não deixa de suscitar uma pergunta: o mandato é ou não é do partido?

Assim como a PEC 33 privaria o STF da prerrogativa exclusiva de julgar a constitucionalidade das leis e emendas, a liminar do ministro Gilmar suprime a prerrogativa do Congresso de legislar, julgando o que ainda não for votado. Esta arenga vai continuar, a não ser que o Congresso aprove uma reforma política digna do nome, para colocar tudo em pratos limpos e dispensar o Judiciário de legislar sobre matéria eleitoral.

Em todos os tempos e em todas as democracias, há que existir algum diálogo entre os Poderes, para evitar os desatinos.

Recuo na anistia

Em matéria de superação da ditadura, estamos feitos. De um lado, temos a timidez da Comissão da Verdade. E, do outro, no governo, a anulação de centenas de processos de anistia já aprovados, que cobram inclusive a devolução de indenizações ou pensões já recebidas. Com juros e correção. As entidades que congregam anistiados ou vítimas da ditadura que ainda aguardam a aprovação de seus processos estiveram no Câmara. Pediram ao presidente Henrique Alves que reative a comissão de acompanhamento da aplicação da lei, que parece ter evaporado. No Ministério da Justiça, a Comissão Nacional vai sendo desidratada. Seu orçamento de custeio foi reduzido de R$ 80 milhões para R$ 20 milhões. Seus funcionários foram reduzidos de 120 para 70.

Fonte: Correio Braziliense

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