quinta-feira, 25 de abril de 2013

Para além da visão barroca dos partidos - Cristian Klein

O vice-presidente da República, Michel Temer, do PMDB, entrou na discussão sobre o projeto de lei que nega o acesso de novas legendas ao fundo partidário e ao tempo de propaganda em rádio e TV. Temer tocou o realejo que ainda ecoa no debate público brasileiro: "Eu sou a favor de uma reforma política que, na verdade, reduzisse o número de partidos", disse o pemedebista na terça-feira.

A proposta, que está agora no Senado, tem gerado polêmica e é acusada de casuísmo. Fecha a porteira depois que o PSD abriu a brecha no Supremo Tribunal Federal (STF) para passar e desfrutar destes recursos - sem o teste das urnas em eleição prévia, como manda a lei.

A motivação dos governistas em aprovar o projeto não tem a ver com concepções programáticas a respeito do enxugamento partidário. Para a base aliada, a ação é de curto prazo: quanto menos adversários houver no caminho da presidente Dilma Rousseff, em 2014, melhor. E todas as siglas que surgem vão neste sentido: servem de palanques para a oposição, como o MD (fusão do PPS com o PMN) e o Rede Sustentabilidade, da ex-ministra Marina Silva, numa movimentação às vésperas da disputa presidencial. Ou seja, não há amadores num jogo eivado de interesses e pouco se discute o mérito da iniciativa.

Países convivem bem com quatro, cinco ou mais siglas

A proposta não impede a construção de novos partidos, apenas desestimula o acesso fácil a recursos do Estado por meio da cooptação de deputados que trazem de seus antigos partidos o tempo de TV e o fundo partidário, como se deles fossem. Como os mandatos pertencem aos partidos, de acordo com resolução do Tribunal Superior Eleitoral, de 2007, o projeto reforça a lógica de fortalecimento das agremiações.

Mas o argumento de Michel Temer é de outra natureza. Defende o projeto pelas razões incertas. O vice-presidente é um dos primeiros a revestir a proposta com fundamentações supostamente mais neutras ou benéficas para o funcionamento da democracia brasileira.

Supostamente neutra porque qualquer redução no número de partidos implica no processo de extinção das siglas menores e no crescimento das grandes. Temer é o comandante do PMDB, uma das três maiores, junto com PT e PSDB.

Supostamente benéfica porque não há evidência de que um número menor de partidos seja o ideal ou que o quadro atual seja pernicioso.

É de se duvidar se a exclusão de pequenas legendas de esquerda, como o PSOL, ou a futura Rede, de Marina Silva, representaria um ganho para o sistema. O PT nasceu diminuto, cresceu e há dez anos ocupa o poder federal. Em 1990, tanto os petistas quanto os tucanos, que polarizam a política nacional, obtiveram apenas cerca de 7% da Câmara dos Deputados.

A questão central, no entanto, permanece insolúvel: qual é a quantidade ideal de partidos? Simplesmente, não há. Existem democracias que funcionam bem com dois, três, quatro, cinco ou mais legendas. O número importa, mas uma série de outros fatores influenciam a dinâmica de um sistema partidário, como a distância ideológica entre eles, o potencial de coalizão, de chantagem e o padrão de competição em torno do Executivo - para onde irremediavelmente estão voltados os interesses dos políticos.

Não que a ideologia não seja importante. Mas as críticas de que há um amontoado de legendas sem consistência ideológica esbarram no fato de que a formação de um corpo de ideias firmes é apenas uma parte de toda a engrenagem movida para a obtenção de poder. A ideologia é instrumental. Para um partido que está fora no governo, reforçá-la pode ser a estratégia eficiente para se chegar ao poder. As intenções, as preferências em torno de políticas públicas podem ser as melhores - isto é, nas raríssimas vezes em que há consenso e o valor é indisputado. Mas sem acesso aos cargos, nada - ou pouco - é feito.

Recentemente, o padrão de competição pelo Executivo tem sido um dos critérios mais influentes para se avaliar um sistema partidário - mais do que a mera contagem de unidades, combinada com a distância ideológica, como fez o cientista político italiano Giovanni Sartori, em 1976.

Sobre o grau de ideologia, aliás, Sartori já identificava que ele é maior em uns países e menor em outros. Uma das causas para a variação, sugere o autor, seria a diferença entre sociedades empíricas e racionalistas. As primeiras, como a americana, levariam ao pragmatismo. As segundas, como a italiana, a uma cultura política mais ideologizada.

Passados 20 anos do clássico de Sartori - hoje quase um nonagenário - o irlandês Peter Mair (1951-2011) criticou a ênfase do colega na ideologia e apontou os limites de sua classificação. Com o fim do comunismo e dos maiores partidos antissistema espalhados pelo mundo, uma das categorias principais criadas por Sartori - a dos países de pluralismo moderado - ficou praticamente esvaziada. A maioria dos sistemas multipartidários concentrou-se na categoria de pluralismo moderado. Embora tenha sido precedido por outros, como Robert Dahl, Mair sugeriu que se valorizasse menos o número de partidos e mais o padrão de interação entre eles.

O Brasil, por exemplo, tem um dos sistemas mais fragmentados e aparentemente barrocos do mundo. O número de siglas registradas, 30, não significa nada e pouco impressiona diante de países que têm mais que o dobro ou convivem com organizações de caráter regional, como Índia e Canadá. Já o número efetivo de partidos - indicador baseado no peso relativo das legendas na Câmara - chega a oito. É o maior entre as grandes democracias, mas que isoladamente não diz muito sobre um padrão de competição que se organiza nacionalmente em dois polos, numa lógica semelhante a dos enxutos sistemas bipartidários.

Não há o aparecimento de "flash parties", siglas que nascem e morrem subitamente, como em democracias recentes do Leste Europeu. Os partidos brasileiros são muitos, mas resilientes. À exceção do novato PSD (2011) e do PRB (2005), todas as 15 maiores siglas têm sua origem na década de 1980. Mais que a longevidade, surpreende a estabilidade para um sistema tão pulverizado. A correlação de força entre os partidos é alterada quase sempre de modo incremental, entre as eleições. Isso indica que eles são bem mais vertebrados e coordenados do que se imagina - embora nem sempre com o conteúdo ideológico esperado.

Fonte: Valor Econômico

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